Últimas indefectivações

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Grupos de adeptos organizados (claques) e 'hooligans' - A confusão securitária

"Algumas soluções afiguram-se-me inconstitucionais quando se impõe a organização das claques em associações

Comecemos por onde devemos começar: O que são GOA? E o que são hooligans? Segundo a nossa lei (Lei 113/2019 de 11 de Setembro) Grupo Organizados de Adeptos será o «conjunto de pessoas, filiados ou não numa entidade desportiva, que actuam de forma concertada, nomeadamente através da utilização de símbolos comuns ou da realização de coreografias e iniciativas de apoio a Clubes, Associações ou Sociedades Desportivas, com carácter de permanência».
E o que são (ou foram) os hooligans?
São grupos de adeptos fanatizados, cujo objecto é o exercício da violência, a qualquer pretexto, em qualquer lugar, mesmo sem dependência da competição desportiva.
A violência pode ser exercida sobre grupos rivais, mas igualmente sobre pessoas e sobre bens que não se conexionam com a competição, ou seja, não é o emblema do clube, nem a competição, que provocam a violência. Quer o emblema, quer a competição são marginais perante as condutas violentas e deliberadamente organizadas.
Eram vulgares as invasões de campo quando a sua equipa estava a perder, o lançamento de objectos perigosos sobre os simpatizantes dos adversários, em suma, a violência nos hooligans era um meio e um fim, em simultâneo, podendo mesmo eclodir em duelos colectivos, à margem da competição.
Historicamente, o hooliganismo nasce antes do futebol, embora seja o futebol o caldo de cultura dos hooligans a partir da década de 60 do século passado.
Como se vê, os nossos GOA (as claques) nada têm a ver com a conduta, a matriz sociológica e comportamental dos hooligans.
As nossas claques acham-se, de facto, impregnadas de paixão pelo seu emblema, embora o fanatismo e a violência não pertençam ao grupo mas, tão-somente, a alguns dos seus membros.
É evidente que dentro das claques surge quem as aproveite para a prática de crimes que nada têm que ver com a natureza, com a prática e com a paixão clubista, nem com o comportamento da própria claque, no seu conjunto.
Ora, tudo isto vem a propósito da nova Lei sobre a Violência no Desport (Lei 113/2019 de 11/9) que adoptou um modelo em vários momentos desfocado da nossa realidade, indo bem mais longe nas preocupações securitárias que os ordenamentos jurídicos onde o fenómeno hooliganista é acentuado.
O primeiro reparo que esta Lei merece é o seguinte: não se aceita, como politicamente adequado, que o diploma que regula o combate à violência, ao racismo e à xenofobia preveja o regime jurídico dos GOA.
Esta sobre posição das duas regulamentações permite concluir que os GOA (as claques) nascem e actuam geneticamente para o exercício de violência, são racistas e xenófobos.
E, de facto, assim não é.
Se o fosse, como o legislador o induz, justificar-se-ia a sua eliminação, logo a sua ilegalização.
Mas, para além disso, os excessos da Lei 113/19 são de variada natureza.
De facto, algumas soluções afiguram-se me inconstitucionais quando se impõe a organização das claques em associações, assim como se agride a Lei Fundamental quando se permite a punição de um clube ou de uma SAD por actos praticados pelos seus adeptos, mesmo quando adoptem todas as medidas de segurança, seja como clubes visitados, seja como visitantes.
Algumas soluções, mostram-se ilegais, como, p.e., a obrigação de identificar e registar os adeptos junto de APCVD, sem esquecer a obrigação de os clubes e as SAD de manter um registo sistematizado e actualizado dos filiados no GOA.
Algumas imposições legais caem no ridículo. Assim, p.e., se um clube quiser cancelar facilidades ou apoios a um GOA, tem de obter a anuência da APCVD para apurar se esses adeptos merecem ou não a facilidade ou o apoio a que se propõem.
Mas outras imposições legais assumem especial danosidade. Repare-se que o clube ou a SAD têm de remeter trimestralmente à APCVD e às forças de segurança «cópia do registo» dos seus adeptos e se o GOA se deslocar a um outro clube, o clube visitante deve possuir uma listagem organizada, contendo a identificação de todos os sócios que se desloquem, devendo, tal lista, ser entregue às forças de segurança e aos assistentes do recinto desportivo.
Muitas, mas mesmo muitas normais deste... se poderiam aqui invocar.
A violência achas-se mais nestas soluções consagradas quando, como disse, se ficou um regime preventivo e sancionatório mais gravoso que o dos países que suportam o encargo e o vexame do hooliganismo.
Ora, confundir hooligans com os nosso Grupos Organizados de Adeptos ou, se quiser, Grupo de Organizados, é bem sinal da impreparação dos autores das soluções legislativas.
Já aqui defendi que os GOA devem registar-se no interior (e só no interior) do seu Clube ou SAD, a responsabilidade de cada adepto deve assumir-se perante o seu clube ou SAD e, em caso de incumprimento deve ser a auto-organização e autoregulação que devem actuar, punindo os seus autores.
Se tal não suceder, caberá aos tribunais apreciar os crimes e à entidade reguladora (APCVD) o acionamento dos clubes, sempre sem colidir com a competência disciplinar das federações.
Não se percebe, na verdade, patológica obsessão do legislador, quando consagrou soluções que reputo de ilegais e inconstitucionais que mais não servem, senão para potenciar as desfocagens relacionais e as irresponsabilidades dela emergentes.
De facto, se responsabilizarem as claques perante os seus clubes, outras e mais eficazes prevenções se alcançariam perante a violência no desporto, maxime, no futebol."

João Correia, in A Bola

Sem comentários:

Enviar um comentário

A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!