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domingo, 1 de dezembro de 2024

Entre a realidade e a perceção


"É muito uma discussão deste tempo, deste tempo político, mas também desportivo, da distância entre a realidade e a perceção, neste caso a perceção dos resultados desportivos. Na realidade, o FC Porto ganhou a Supertaça este ano quando no ano passado a perdeu. Na realidade, está a ter um arranque de campeonato pontualmente melhor que o do ano passado, com mais um ponto do que tinha por esta altura, mesmo se a derrota na Luz desta vez foi traumática. Na realidade, os portistas até são segundos neste momento - certo que com um jogo a mais que os encarnados - já tendo jogado em Alvalade, na Luz e em Guimarães.
Isto não significa que o FC Porto vá bem, claro que não, que a carreira europeia tem sido oscilante e a derrota da taça em Moreira foi quase trágica, pela incapacidade revelada de reagir à desvantagem. O problema é que Vítor Bruno já é preso por ter cão e não ter. Se poupa jogadores em Bodo e Moreira, tinha de colocar os melhores; se perde na Luz com a equipa (notoriamente) desgastada, devia ter poupado os melhores uns dias antes, em Roma. Aqui está um problema central da época portista, mesmo que não haja boa explicação (para quem vê de fora) para, por exemplo, Vasco Sousa e Ivan Jaime terem desaparecido depois do muito que haviam prometido. É que, afogados na herança financeira dramática que receberam, os novos dirigentes portistas conseguiram ajustar uma equipa interessante, um onze (mais dois ou três), mas não um plantel com alternativas ao nível dos rivais. Não me parece, aliás, nada inverosímil que algumas desilusões em minutos finais dos jogos, e já são várias, radiquem também nesta falta de segundas linhas que acrescentem verdadeiramente.
Acontece que uns primeiros resultados positivos fizeram o discurso oficial do clube passar rapidamente de prudente a otimista, com o presidente Villas Boas a falar até em ganhar a Liga Europa, o que, não sendo impossível e se entenda pela história do clube, não fez sentido colocar como objetivo num ano de transição e tão cheio de obstáculos, e muito menos numa fase tão prematura da época. Some-se a isso a chegada de reforços de qualidade e que naturalmente entusiasmaram, como Samu, Fábio Vieira, Nehuén e Francisco Moura, e a quase unanimidade dos adeptos quantos aos méritos do antecessor Sérgio Conceição, e está completo o caldo em que uma pessoa em concreto seria responsabilizada mal algo começasse, como começou, a correr pior: o treinador Vítor Bruno.
Claro que o treinador tem responsabilidades e que é a ele que compete, antes de mais ninguém, melhorar o rendimento coletivo. A equipa precisa de ser muito mais competente no processo defensivo, de retirar mais de Fábio Viera ou do miúdo Rodrigo Mora, que podem acrescentar criatividade, de encontrar novas formas de chegar a Samu, agora que os adversários já lhe conhece alguns recursos. Não tenho é a certeza de que mesmo esse esforço não venha a ser inglório. A perceção de que a equipa com Sérgio Conceição foi sempre competitiva, mesmo se na realidade só conseguiu um título de campeão nas últimas quatro temporadas, surge como um cutelo sobre o futuro do ex-adjunto. Os adeptos apaixonaram-se por Conceição e o fantasma surge de cada vez que o navio adorna. E mesmo o discurso elegante e lúcido parece funcionar contra o treinador atual, como se uma comunicação menos agressiva tivesse como consequência uma deficiente atitude dos jogadores em campo.
É normal nos adeptos de qualquer clube explicar resultados negativos por uma ausência de alma ou raça, para mais no Dragão onde tais atributos são tidos como essência de um ADN portista. Não me parece, todavia, que seja justo falar em falta de empenho ou de vontade de ganhar em relação a jogadores que saem em lágrimas de um jogo como o da taça com o Moreirense. Talvez essa exigência feita pressão, o já repetido “joguem à bola”, possa ter até um efeito contrário ao pretendido, sobretudo quando a instabilidade emocional é evidente. E essa existe, é bem real, está longe de ser só perceção."

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