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segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Não pressionem Enzo, que não é preciso


"Qualquer jogador é melhor se lhe concederem tempo e espaço para matutar o que fazer com a bola. Nos Açores, Enzo Fernández foi só mais um a confirmar essa ciência exata no futebol, dando duas assistências na vitória (0-3) do Benfica contra o Santa Clara que também serviu para Gonçalo Guedes marcar nem 48 horas após regressar ao clube

‘Pressionar o portador da bola’ é dito e rebatido, provavelmente, nos relatos de quase todos os jogos de futebol neste planeta, e poliglota no seu uso, porque é daqueles chavões a que se pode criticar o repetido uso, mas cuja aplicação no campo é tão necessária, inclusive elementar, sem bola de cristal é seguro adivinhar que a sua utilização perdurará até ao fim dos tempos dos pontapés na tal bola, pois se, na prática, esse cliché não for aplicado, qualquer portador é melhor jogador.
Isso é ciência exata, amador ou profissional todo o futebolista vira leopardo, chita, tigre ou outra espécie elevada na hierarquia dos felinos se partir como um gato nesta analogia em que receber a bola com tempo e espaço para pensar é um abono para quem for, então no caso de Enzo Fernández é um disparate o quão perigoso o argentino se torna para os adversários se estes não fizerem por pressioná-lo quando é o porta-bolas no Benfica.
Novidade será para ninguém, mas, aos 9’, assim que João Mário tirou rapidamente a bola da direita para a esquerda, fazendo-a chegar a Grimaldo, o espanhol de pronto a tocou no campeão do mundo à beira da área, que mostrou o quão errado é deixá-lo à vontade: levantou a cabeça, ajeitou a bola, cruzou-a em jeito na direção da baliza e achou a cabeça que procurava em Fredrik Aursnes, tudo feito rápido e sem esforço para ser do norueguês o primeiro golo que castigou o desrespeito dos Santa Clara pelo chavão elementar do futebol.
A tendência prosseguiria com os açorianos encafuados na sua metade do campo, os seus médios a perseguirem sombras face às simples combinações de passes com que o Benfica envolvia sempre três jogadores no centro - ter Aursnes, João Mário e Draxler a deambularem nas costas de adversários é um fartote de opções - com os laterais Paulo Henrique e Calila fixados pelo posicionamento dos homólogos Bah e Grimaldo, bem subidos no campo precisamente para tal e, retornando ao mesmo, no caso do espanhol servia também para Enzo aparecer nesses quintais de relva mais à esquerda.
Nas suas chuteiras que tanta sola pisam na bola o Benfica acorrentou o Santa Clara em 40 metros de campo, aos 16’ foi do argentino o pequeno passe a rasgar a linha defensiva que lançou Grimaldo para um cruzamento rasteiro e uma finalização trademark de Gonçalo Ramos, que atacou a zona do primeiro poste para marcar com um ligeiro desvio. Ele ainda remataria, pedalando sobre a bola com um defesa na sua cara, enganando-o e batendo contra o guarda-redes Gabriel Batista; nele e na baliza Julian Draxler não acertou apesar de sozinho na área a cruzamento de Bah; e de pé esquerdo João Mário tão pouco encontraria o alvo.
Na génese ou após uma breve bola perdida, essas tentativas beneficiaram do contrário que faltava ao Santa Clara, entre os jogadores do Benfica havia pressão intensa aplicada às receções dos adversários e os açorianos sofriam, não conectavam três ou quatro passes seguidos. À meia hora o recente Jorge Simão, chegado a Ponta Delgada há duas semanas, trocou MT, acrónimo pelo qual Matheus Nunes Fagundes Araújo se auto-nomeia na camisola, por Ricardinho e a toada só mudou perto da hora de jogo. As pistas foram três cantos seguidos e um remate desviado de Gabriel Santos, quando Gonçalo Ramos já se isolara na pradaria das costas dos defesas e não atinou o remate com a baliza.
A dezena de minutos entre os 60’ e os 70’ seriam as melhores dos anfitriões, por fim encostaram as suas posições nos adversários, não o deixaram tocar na bola à vontade e nutriram as participações de Bruno Almeida e Ricardinho nas jogadas, os dois criadores de ideias antes de Gabriel Silva se confirmar como o rematador de serviço: aos 68’, bateu fortemente a bola que apenas a cabeça de António Silva impediu de entrar na baliza. Mas a inflação do Santa Clara na partida estava umbilicalmente ligada à presença do jogador do diminutivo: quando o azar tocou no substituto e uma lesão o virou em substituído, os açorianos murcharam de volta ao seu estado inicial.
A um ritmo mais de esticões quando a lentidão das jogadas pensadas não imperava, os últimos 20 minutos foram de rearrumação do Benfica, ainda à boleia da simplicidade certeira de Enzo quando a pressão na bola amansou nos adversários e ele teve o tempo, o espaço e o passe para encontrar um retornado na área. Chegado na quinta-feira à casa que abandonou há seis anos, Gonçalo Guedes encarou um adversário na área, orientou a bola para o centro e rematou, sempre a correr como em 2016 zarpou para fora nem com duas épocas completas de equipa principal.
O remate desviado do filho tornado à sua naturalidade deu o terceiro golo ao jogo, em tempos idos houve um vídeo pandémico nas visualizações onde um cidadão prestes a estatelar-se na mata por ir tão veloz em cima de um skate teve em “sai da frente, Guedes” as célebres últimas palavras, nos descontos o Guedes do Benfica ainda teve outro remate para sair na frente dos marcadores da partida em que os encarnados regressaram às vitórias, fechando tudo com pacatez, tranquilidade e tempo para todos jogarem à vontade. Deixarem que Enzo Fernández o faça continuará a ser meia obra feita para cada posse de bola do Benfica virar uma tormenta a quem os enfrente."

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