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sábado, 22 de setembro de 2018

Manchester City, PSG e a impossibilidade de comprar a nobreza

"A nobreza não se compra. Eis um provérbio que desde criança me habituei a ouvir da boca da minha avó. Dizia-o sempre que queria referir-se a pessoas que se haviam tornado arrogantes com o excesso de dinheiro ou ansiosas por exibir a riqueza recente com gestos excessivos. A minha avó queria dizer que a verdadeira nobreza (a de espírito), mas também a que vem por tradição, não é um bem comercial que possa adquirir-se no mercado, nem há dinheiro que a conquiste. Essa adquire-se ao longo de muito tempo e deve ser reconhecida pelos outros sem necessidade de a ostentar.
Recordo este lema depois do final da primeira jornada da Liga dos Campeões. Entre os muitos resultados, destacam-se as derrotas do Manchester City e do Paris Saint Germain, ainda assim dois resultados a tomar em consideração de formas distintas, porque aconteceram contra adversários diferentes e em circunstâncias igualmente diversas. É aceitável a derrota dos franceses na deslocação a Liverpol, mas bem mais grave a dos ingleses, em casa, com o Lyon. Mas não é na avaliação dos dois resultados (além do mais amplamente remediáveis) que quero deter-me. Interessa-me mais o facto de as saídas de campo das duas equipas terem tido em comum um certo sentimento de fatalismo, que rapidamente se espalhou pelo ambiente geral dos clubes. Um fatalismo que aparece sempre e que arrisca transformar-se num vírus auto-imune: aparece sempre que é preciso demonstrar algo na Champions, a competição que por fim coloca um clube no Olimpo do futebol europeu e mundial, o último degrau a subir para se chegar ao estatuto de lenda. É nesse degrau que o Manchester City e o Paris Saint Germain continuam a tropeçar. E a ideia que fica é a de que os tropeções sucedam mais devido à ansiedade do que por demérito. Como se cada adversidade fosse um sinal do destino e não um problema que é preciso remediar.
Este estado de espírito afecta da mesma forma dois clubes com vários pontos em comum, a começar no facto de ambos terem proprietários árabes e de terem entrado apressadamente na elite do futebol europeu graças à sua exagerada potência económica. Tanto o Manchester City como o PSG demonstraram poder vencer – ou melhor, arrasar – os seus campeonatos nacionais, que por isso mesmo se tornou, aos seus olhos, uma prova quase de segundo nível. Sobretudo para os franceses, que na Ligue 1 só perdem se adormecerem, como lhes sucedeu há duas épocas. Agora toca ao Manchester City e ao PSG demonstrar que são grandes também no plano internacional. E para o conseguirem continuam a gastar verbas gigantescas no mercado de transferências, apesar dos travões postos pelo Fair Play financeiro decretado pela UEFA. Reforçam plantéis que, para competirem nos torneios domésticos, não necessitariam de retoques particulares, mas fazem-no para poderem escalar aquele último degrau. Mas continua a ser insuficiente e a frustração alarga-se como uma nódoa.
Era bom que se aconselhasse uma só coisa aos proprietários e aos adeptos destes clubes: relaxem. A Champions não se vence pensando obsessivamente nela. Afirmar-se numa prova de tão alto nível é uma coisa complicadíssima e pede algo mais do que a qualidade dos jogadores e a disponibilidade económica. Falta a mentalidade de nível superior, uma espécie de treino para competir e vencer no topo. Numa palavra: tradição. Que é algo que não se consegue de um ano para o outro nem está disponível no mercado. Adquire-se por etapas, passando até por algumas desilusões profundas. O Manchester City e o Paris Saint Germain não têm esta tradição de grandes clubes europeus. Os ingleses até são bastante recentes no estatuto de grande clube nacional: esforçarem-se para acelerar o percurso será apenas a base para mais frustrações.
Estes dois clubes deviam seguir o exemplo de um outro que entrou recentemente na elite europeia graças ao poder do dinheiro: o Chelsea. Em dada altura da sua história, também os “blues” arriscaram ficar esmagados pela ansiedade de ganhar a Champions. Mas depois venceram-na no ano mais improvável, quando nenhum dos seus adeptos em tal apostaria: em 2011-12, com um treinador de emergência no banco (Roberto Di Matteo, chamado a assumir o lugar de André Villas-Boas) e uma equipa que parecia desgastada. Muitas vezes, as grandes vitórias chegam quando se põe de parte a ânsia de as procurar a qualquer custo. E têm ainda mais sabor."

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