"Na sua quase centenária história, nunca o Mundial de seleções teve um jogo com 10 golos de diferença - andou lá perto no Hungria-El Salvador de 1982 (10-1). O Mundial de Clubes precisou de 120 minutos. Ao segundo jogo, o Bayern Munique estraçalhou por 10-0 um grupo de simpáticos barbeiros, professores e vendedores de Coca-Cola que se reúnem ao final do dia para formar a equipa do Auckland City, na Nova Zelândia onde o râguebi é que é rei. E logo ao segundo dia, o projeto pessoal de Gianni Infantino deu de caras com a dura realidade e com as idiossincrasias que dificilmente largarão esta empreitada: na sua imensa globalidade, o futebol é mais global para uns do que para outros, escreveria Orwell se fosse vivo.
Não me entendam mal: o Auckland City, 13 vezes campeão da Oceania, merece estar no Mundial de Clubes. Merece mais do que, por exemplo, o Inter Miami, que até teve honras de abertura porque Messi. O que ainda não é líquido é se o Mundial de Clubes merece existir, pelo menos neste formato ultra-ambicioso de 32 equipas, um mês de duração e em pleno final de época para a força motriz do futebol mundial, que é a Europa.
Paradoxalmente, essa será, porventura, a única piada deste torneio ignorado durante meses e meses pelos broadcasters tradicionais, enxertado depois pelos muitos milhões vindos da Arábia Saudita e que para já não tem sido mais do que uma engraçada digressão semi-turística de fim de época: perceber se, face ao cansaço das equipas europeias, será possível uma gracinha vinda do outro lado do oceano, uma pedrada no charco do eurocentrismo. O Palmeiras travou o FC Porto - que ainda assim não é exatamente um gigante europeu -, o Botafogo entrou a ganhar e tem ambições. Na América do Sul, os confrontos intercontinentais assumem uma importância que vale bem menos para quem se prepara um ano inteiro para ganhar a Liga dos Campeões. Infantino odiaria, seguramente, um vencedor não europeu - embora fosse, curiosamente, o melhor que poderia acontecer a uma prova que busca escrever uma qualquer história -, mas quem patrocinou uma competição em que uma equipa ganha 10-0 a outra tem de estar preparado para várias bizarrias.
Até porque a matéria prima do futebol continua a não ser a excêntrica cerimónia de abertura em Miami, em que se ouviram gritos egocentrados de “Viva la FIFA”. O desporto, quando é bom, vale por si - ou acreditam que os manda-chuvas do ténis estão preocupados porque a final de Roland-Garros entre Alcaraz e Sinner durou cinco horas e meia? E a matéria prima do futebol não está toda radiante por estar nos Estados Unidos a praticar horas extraordinárias porque Gianni Infantino quer mais poder e os clubes quearem mais dinheiro, que é, para já, a única coisa que o Mundial de Clubes tem para oferecer. André Villas-Boas teve a coragem para constatar o óbvio e o que muitos outros presidentes não querem perder tempo a refletir, porque há muito dinheiro a ganhar: os jogadores do futebol europeu não querem estar no Mundial de Clubes. “Testámos o mercado com a janela especial para o Mundial e foi incrível ver que muitos jogadores preferem descansar para começarem a nova época frescos”, revelou no podcast norte-americano Men in Blazers.
Se os jogadores protestam como podem contra as loucuras do calendário, os adeptos também não parecem para já hiper-entusiasmados com o evento. Por cá, a TVI transmitiu o PSG-Atlético Madrid no domingo e nem assim foi a estação mais vista do dia. Por lá, várias semi-borlas terão salvado o embaraço de se verem clareiras de cadeiras vazias no jogo de abertura, mas o MetLife Stadium, que recebeu o Palmeiras-FC Porto, teve sem qualquer rabo sentado quase metade dos 82 mil lugares. E nem com a equipa da casa a jogar frente ao Botafogo, o Lumen Field de Seattle conseguiu chamar mais do que 30 mil pessoas, para um estádio que leva quase 70 mil almas. Ajudará pouco que o Mundial de Clubes se realize num país em que o grande amigo de Infantino, Donald Trump (acredita ele, pelo menos), acossa imigrantes nos seus locais de trabalho, dificulta a entrada de estrangeiros na fronteira e diga abertamente que não gosta deles. Os adeptos de futebol são loucos, mas não tanto assim.
É natural que, mais para a frente, o Mundial de Clubes ganhe tração. No meio do caos, os jogos tenderão a ser frenéticos, o que pode ter a sua graça. Mas que lastro deixará uma competição que não entusiasma adeptos nem jogadores e que cheira a cobiça e a relações pouco saudáveis com chefes de estado ainda menos democráticos? Talvez só daqui a algumas décadas haja uma resposta. Não nos esqueçamos que até a Taça dos Campeões Europeus foi ignorada pelos clubes ingleses na sua primeira edição. Mas, nos anos 50, o futebol era uma pedra preciosa que surgia apenas aqui e ali no garimpo. Agora, vivemos em overdose, sem tempo ou espaço para ter saudades.
O que se passou
Depois de uma grande exibição frente à Polónia, a seleção nacional sub-21 só precisa de um empate para seguir em frente no Europeu.
Na Fórmula 1, nem McLaren, nem Red Bull. Foi o Mercedes de George Russell o primeiro no GP Canadá.
Já nem parece notícia, mas Mondo Duplantis bateu novamente o recorde mundial do salto com vara.
O Benfica é tetracampeão nacional de basquetebol."
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