"O que dizer da espiral positiva nos encarnados e da negativa para os dragões, depois de duas exibições longe da perfeição, porém com resultados bem diferentes?
E o resto é futebol. Ou o futebol é isto mesmo. Expressões que se atiram com frequência e que nunca caem em desuso quando se trata de tentar explicar o que é inexplicável através de táticas, sistemas, dinâmicas, raça, atitude e desiguais doses de talento. No fim de tudo isto, ainda costuma aparecer o raio do futebol, que na verdade, nesse contexto, é intangível e imprevisível. Disruptivo.
É nesses momentos que se fala de sorte e azar, em que só mesmo o rigor pode diminuir a expressão de ambos, sem nunca conseguir eliminá-los. Mas evitemos o conceito. Digamos que se trata do que há de aleatório e incontrolável num jogo de futebol. E o lado oculto da vitória do Benfica no Mónaco, que muitos titularam como épica e que terá levado uma franja dos adeptos mais sonhadores a voltar a tocar na lua, conta com muito de fortuito, de acaso. Até uma percentagem bem superior à habitual.
É claro que há talento – basta olhar para as assistências de Ángel Di María, que parece ter uma definição que chega para ele e todos os que o rodeiam – e uma força emocional cada vez mais presente, a acumular desde a reentrada de Bruno Lage. Não haja dúvida alguma disso.
Não é, todavia, racional associar o adjetivo épico à forma como os jogadores encarnados se colocaram em campo e abordaram a jogada do 2-1 perante a inferioridade numérica do adversário. Ou em vários outros momentos consentidos à jovem e talentosa frente de ataque monegasca.
Houve o golo do empate caído do céu ou da falta de entendimento entre Caio Henrique e o guarda-redes Radoslaw Majecki, o critério aparentemente desigual na gestão dos segundos amarelos por parte da equipa de arbitragem e ainda dois golos em efeito espelho, após cruzamentos de Di María, por um Arthur Cabral a provar que os minutos a mais dados por Lage diante do Estrela da Amadora valeram a pena, e Amdouni, cada vez mais o suplente de luxo das águias.
É precisamente do incontrolável que os treinadores não gostam, sobretudo aqueles mais obcecados com o pormenor. Pretendem ter tudo antecipado, previsto e respondido nas suas cabeças antes de acontecer. Mesmo que não seja possível, há que tentá-lo. Claro que a reviravolta moraliza, faz crescer a confiança dos jogadores no processo e permite-lhes que, da próxima vez, acreditem ainda mais no talento que têm e que gostariam de ter.
O acumular de vitórias é o outro caminho, paralelo, que acrescenta camadas a um modelo que teve o ónus de esconder o pior e potenciar o melhor de um Di María também mais fresco agora, menos transatlântico, por ter abandonado a seleção.
Olha-se para o que aconteceu no Principado e a exibição do Benfica fica aquém do resultado. Havia um bom Mónaco do outro lado, com talentos como Golovin, Akliouche e Ben Seghir a alimentar Embolo e a si próprios, sustentados pela dimensão física de Camara e Zakaria, e organizados pela argúcia de Adi Hütter, porém foram erros a mais para um 2.º classificado da Ligue 1 francesa. E, mesmo com esses erros, mesmo com a expulsão de Singo a mais de meia-hora do fim, os encarnados estiveram demasiado perto de perder. Ou de não ganhar.
Debaixo da ideia-feita de ter sido um jogo de duas equipas que gostam de atacar (o que não deixa de ser verdade), estiveram, sobretudo, dois conjuntos permeáveis aos ataques contrários, o que torna qualquer partida ingovernável. É esse o passo rumo ao controlo que este Benfica ainda não conseguiu dar na plenitude.
Dragão tenta escapar ao redemoinho
Otávio voltou do nada para o onze do FC Porto, remetendo agora Tiago Djaló para o banco. Não terá sido só isso, porém Vítor Bruno quis melhorias na construção perante um Anderlecht que não foi de pressionar de forma constante, esperando que surgisse à vista desarmada o gatilho certo, como aconteceu no erro de Pepê no empate.
Mas nem foi por aí. Otávio desta vez escondeu os erros num qualquer buraco esquecido no balneário de Bruxelas, porque no inesperado 2-2, assinado por Amuzu, e que contou com desvio do infeliz central brasileiro, ficou mais uma vez à vista a incapacidade da defesa de encurtar e roubar espaço ao avançado.
Ao quarto jogo, depois de três derrotas, surgiu um empate que sabe a desaire numa exibição sem qualquer tipo de controlo. Não iguala recordes negativos com mais de 60 anos, porém estende o momento difícil. Porque estar duas vezes a vencer e deixar-se empatar não é nada comum nos dragões, sobretudo diante um adversário, que mesmo perante o seu público, é inferior. E já não há como negar que é preciso estancar o mau momento rapidamente. No próximo encontro já será tarde.
Villas-Boas arriscou com Vítor Bruno, sobretudo pelo rótulo que dificilmente não lhe colocariam em cima. Numa pré-temporada cheia de dificuldades financeiras, teve de vender para poder comprar, viu-se obrigado a abdicar do seu melhor jogador na temporada anterior por ser filho do treinador que se considerou traído, optou por não renovar com o capitão e, mesmo assim, não geriu as expetativas. A conquista da Supertaça e os primeiros resultados pareciam dar-lhe razão, contudo, agora assumem-se uma precipitação, sobretudo a partir da goleada da Luz. O que poderia ser um ano zero e uma almofada para si e para a equipa se fosse vendido dessa maneira, acaba agora por não criar qualquer barreira a uma contestação sistémica, que não desaparecerá tão cedo e que ganhará reforços se as coisas continuarem como até aqui.
Olhando de uma forma ainda fria, os dragões perderam mais uma vez qualidade no Verão, já depois de terem terminado na terceira posição na Liga. Numa análise que admito que possa ser simplista, Samu, Nehuén Pérez e Francisco Moura não conseguiram anular as perdas e, ao mesmo tempo, colocar o FC Porto ao nível de Sporting e Benfica. E, depois, há dificuldades nas duplas da defesa e do meio-campo, ainda por estabilizar, antes mesmo de se pensar na profundidade que falta ao plantel. Como poderia não ser um ano zero?"
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