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terça-feira, 21 de julho de 2020

«Deixa-me triste ver o Benfica a passar por esta situação, em que não se vê a liderança»

"Directamente de Londres, Great Britain, fala com o Bola na Rede uma das torres de Loulé. Idalécio Rosa, defesa central que fez carreira no futebol português, abre a porta para muitas histórias que têm como protagonistas figuras bem conhecidas do nosso futebol. Do duelo com Giuly e companhia no calor do Algarve à mudança para frio do Minho, das instruções do “capitão” Ivo Vieira na Madeira às lições a Fábio Coentrão em Vila do Conde, sem nunca esquecer um título da Segunda Liga que…não celebrou. O Idalécio ganha esta Bola nas alturas e cabeceia para o fundo da Rede.

– A torre de Loulé no rumo ao Estrelato –
«Acordava cedo e arriscava chegar e levar umas cinturadas, mas o gosto pelo futebol sempre se sobrepôs»

Como é que tens vivido a pandemia?
Para já, agradecer mais uma vez a oportunidade de estarmos aqui à conversa, e depois dizer-te que este período de pandemia, que nos afectou a todos, tem sido de preocupação e apreensão pelas notícias que vieram a público, pelas mortes que foram sendo notícia, sem sabermos muito bem o que era, como era, alguns produtos que temos nos hipermercados estavam esgotados. Depois, foi ter o cuidado, uma vez que o lockdown aqui não foi obrigatório. Aqui, as pessoas sempre puderam andar à vontade, mas não havia máscaras e luvas, e optámos por ficar em casa e ir só ao supermercado. Sempre que íamos às compras, íamos com a sensação de estar a entrar num sítio contaminado, foi complicado e continua a ser porque não sabemos onde o vírus está e temos de ter os cuidados necessários.

Têm sido tempos distintos.
Os nossos trabalhos fecharam a 20 de Março e ainda não regressamos. Não sabemos quando vamos voltar, nem eu nem a minha mulher. Estamos num plano do Governo, em que somos apoiados em 80%, o que não é bom nem é mau. Sabemos que há pessoas em muito piores condições que nós, temos de dar graças a que tudo esteja a correr dentro da normalidade. Quanto ao vírus, não sabemos se o tivemos ou não. Antes de entrar em lockdown, estive com tosse e falta de apetite, que são sintomas, mas nunca foi feito nenhum teste, nem se fala em fazer testes. Temos passado o tempo em família, fazemos vídeos juntos para o Tik-Tok e vemos muita televisão e muitos filmes.

Durante toda a tua carreira, não sofreste o impacto das redes sociais que os jogadores actualmente sofrem, com as suas vidas expostas todos os dias. Como vês esta interferência das redes sociais no futebol?
De facto, na altura não havia o acesso às redes sociais e a facilidade que há hoje. Tem a sua coisa positiva, em termos de promoção dos atletas e de visualização, mas cada um tem que ter mais cuidado, uma vez que têm sido vários os episódios em que eles, enquanto profissionais, têm celebrado situações em alturas que não o podem fazer, e publicam essas fotos e vídeos, o que lhes tem trazido muitos problemas.

Como o caso do Mirko Antonucci, do Vitória FC.
Eles alegaram que tinha que ver com isso, com o caso dos Tik-Toks no hotel. Acho que isso acaba por ser um motivo de distracção, mas a distracção tem de ser bem gerida. Isto é viciante e giro, mas há toda uma profissão onde os jogadores têm de se salvaguardar e proteger para não serem apanhados em situações dessas. Eu acho imensa piada às redes sociais, uso para me divertir, não é para me gabar nem armar. Mando uma boca, os meus amigos em Portugal mandam outra, e é assim. Mesmo no restaurante, eles diziam que eu publicava demais e bloquearam-me, mas depois eram os primeiros a incentivar-me a tirar as fotos.

Tu começas a tua carreira profissional no Louletano.
Eu sou natural de Alcochete, do Montijo. Com 12 anos, os meus pais separaram-se e eu já praticava futebol 7 no Atlético do Montijo, num gimnodesportivo, além do futebol nas ruas, na calçada. Nunca tive muito o apoio do meu pai, queria que fosse médico e advogado, mas a minha mãe foi-me encobrindo um bocadinho, e lá acordava cedo e arriscava chegar e levar umas cinturadas, mas o gosto pelo futebol sempre se sobrepôs. Então vou para Loulé com a minha mãe, e começo a jogar em iniciado de segundo ano. Já tinha ingressado no Montijo como federado, assinei o contrato de formação com 11 anos, então, no Louletano, tive de esperar. Estive um ano só a praticar, fiz lá a minha formação toda até chegar aos seniores. Com 18 anos, idade de júnior, assinei contrato profissional de três anos, em que fui emprestado, uma vez que os juniores do Louletano estavam na distrital, não havia competição nacional, e fui convidado para ir para o Almacilense, da terceira divisão, para disputar o campeonato nacional com os seniores.

Durante toda a tua formação foste defesa central?
Sim, talvez pela estatura, pelas características. Eu sou da opinião que, na formação, devemos experimentar várias posições. O treinador faz essa análise, ou deveria fazer, tendo em conta características físicas, técnicas, e então a posição que me foi atribuída, embora tivesse alguma técnica, foi defesa central. Adaptei-me e foi por ali que fiz o meu percurso no Louletano.

E ficou uma grande torre em Loulé.
Sim, sempre me destaquei dos outros por ser muito alto, e, a partir daí, nomearam-me uma das torres do Louletano. Na altura, nos seniores, eu, o João Carlos e o Pagani éramos as três torres louletanas. Eu jogava mais do lado esquerdo, tive a oportunidade de jogar a defesa esquerdo, já que os defesas centrais eram muito fortes e experientes, e isso permitiu-me crescer muito e aceitei isso de bom grado. O importante era estar no onze e é isso que muitas vezes os jovens não entendem, amuam e perdem oportunidade de dar continuidade às suas carreiras por essa falta de humildade e espírito de sacrifício. Falta em alguns deles ambição, as coisas vêm tão fáceis hoje em dia. Antigamente era uma guerra para ter umas sapatilhas para jogar à bola, hoje em dia têm, é normal pela evolução dos tempos, e querem ter tudo do bom e do melhor, e esquecem-se que os pais fazem sacrifícios enormes para lhes poder dar isso, e depois não se sacrificam. É a opinião que eu tenho, e que eu vejo, e por ter passado pela formação.

Tu falaste na adaptação ao balneário, que era completamente diferente antigamente do que é agora, mas também há a questão da adaptação à posição. Tiveste de te adaptar a defesa esquerdo, uma posição que mudou em relação aos dias de hoje, em que o defesa esquerdo é mais um ala, enquanto que antigamente era muito posicional. Tiraste vantagem disso talvez, mas o teu sucesso derivou dessa adaptação, concordas?
Exactamente, temos de nos adaptar às necessidades da equipa, do treinador, e pôr em prática as nossas características, reconhecendo as dificuldades que cada um de nós tem, mas tentando aperfeiçoá-las em cada treino, em cada jogo, em todos os momentos que tenhamos essa oportunidade. Jogando como titulares ou cinco minutos, essa sempre foi a minha mentalidade, dar o meu melhor e adaptarmos as necessidades do treinador e da equipa.

Depois vais para o Farense, e aqui eu gostava de destacar a tua primeira experiência na Europa. Podes contar-nos como foi?
Foi extremamente positivo. O Farense vinha de várias excelentes épocas, mas aquela com o apuramento para a Taça UEFA foi espectacular. Houve uma razia no plantel, até porque havia muita qualidade na equipa, e devido às dificuldades financeiras do clube muitos jogadores foram embora com rescisões e para clubes melhores, mas vendas não foram concretizadas. A única que foi concretizada foi o Jorge Soares, que foi para o Benfica, mas continuou por mais um ano, e houve a entrada de algum dinheiro, mas foram muitos os jogadores que saíram sem que entrasse nenhum dinheiro.

Mesmo assim, formaram um grupo muito competitivo.
Assim sendo, o mister Paco Fortes teve a necessidade de recorrer a alguns jovens que estivessem pela zona do Algarve, e, em conjunto com jogadores bastantes experientes, Cacioli, Paiva, Djukic, Hajry, depois trouxe Pedro Miguel, defesa central, Carlos Costa, formámos uma excelente equipa. Mas, para lutar frente a um Lyon cheio de jovens talentos de muito valor, onde se destacavam o Giuly e o Maurice, era complicado. Foi muito bom, foi uma grande experiência, tive a oportunidade de realizar os dois jogos, foi um motivo de grande orgulho, mas foi tudo muito rápido. É tudo muito rápido, chegas à primeira divisão, começas a jogar, tens a oportunidade da Taça UEFA, para um jovem é muito gratificante, e tenho muito orgulho de ter feito parte do Farense dessa época e de ter participado nesses jogos da Taça UEFA.

Foste tu que lidaste directamente com o Giuly?
Não, com o Maurice. O Giuly tinha mais alguma liberdade, o Maurice era um avançado mais fixo.

Mas já se destacavam pela classe e qualidade que viriam a mostrar mais tarde?
Sim. O Giuly depois acaba por ter um percurso de grande destaque no Mónaco, Barcelona, mas o Maurice nem tanto. Acabou por fazer em França, e foram internacionais franceses, o Giuly foi o que atingiu o patamar mais elevado. O Lyon já era fortíssimo na altura e foi uma experiência incrível, o Estádio de São Luís com os nossos adeptos foi lindíssimo e jogar em Lyon foi também muito gratificante.

Aproveito, já que estamos a falar do Farense, o clube vai estar na Primeira Liga para a próxima época. Achas que pode fazer uma “gracinha” à moda de Famalicão?
Eu gostava. Estou muito feliz e até tive a oportunidade de falar para a SportTV e dar os parabéns ao Farense e ao Nacional, curiosamente dois clubes que eu representei, que este ano lhes foi atribuída a subida, embora tenha sido da forma que foi, com a interrupção do campeonato e consequente subida conforme a posição que atravessavam no campeonato. Mas muito feliz por isso e por saber as dificuldades que o clube atravessou, a chamada travessia no deserto. Sei que está muito bem estruturado, com um bom presidente, uma pessoa muito séria e que gosta muito do clube, não quer dizer que os outros não tivessem gostado, mas houve muitos anos em que as direcções levaram com muitos problemas. Oxalá que consigam encontrar o caminho que lhes permita fazer tão bem como o Famalicão ou que lhes dê o equilíbrio de permanecerem muitos anos na primeira divisão, é o que os adeptos gostam e merecem, não só os do Farense, mas todos os que conseguem subir à primeira. Espero que consigam ficar por muitos anos, que consigam fazer uma gestão equilibrada e com resultados positivos, sei que estão a trabalhar muito bem a formação, não é de agora, e pode ser um clube muito interessante no futuro a nível de jovens valores a aparecer.

– O RP do Minho –
«Sei que não são a Santa Casa da Misericórdia, mas não esperava mais sair do SC Braga pelo percurso que tinha feito lá»

Voltando à tua carreira, sais do Farense e vais para SC Braga, e temos aqui dois factores nesta transferência: a mudança para o Norte do país, que antigamente era mais difícil, também a pressão dos primeiros lugares, de um SC Braga que era quarto classificado. Como se deu essa chegada?
Deixa-me dizer-te que o SC Braga não era aquilo que é hoje. Era um clube que vinha com alguns problemas, o mister Cajuda já lá estava, tinha feito uma boa época, com jogadores desconhecidos. Eu tinha alguns problemas de salários no Farense e pedi ajuda ao Sr Manuel Barbosa para encontrar um clube melhor, e o SC Braga organizou-se para fazer um trabalho sério, não prometia muito, mas prometia pagar a tempo e horas. Fui ao escritório, a Lisboa, e assinei contrato, foi quando conheci o presidente, estava eu e Leonel, defesa esquerdo. Eu sempre fui considerado algarvio, chamavam-me torre do Algarve, porque fui para lá muito novo, mas muitos jogadores não tinham conseguido essa transição do Algarve, do sol, do futebol com mais espaços, com menos pressão, mais lento e menos agressivo, para o norte, que é exactamente o contrário: frio, chuva, mais agressividade, as equipas são mais combativas, se calhar devido ao clima também, tinham uma preparação mais forte. 

Adaptaste-te bem?
Felizmente, tive um grupo de trabalho e equipa técnica que me souberam receber e preparar para todos esses obstáculos, ainda era novo, tinha 22 anos, não era o clube que é hoje, mas foi um bom percurso. Nesse ano ficamos em quarto lugar, com um plantel competitivo, mas o importante foi ter cumprido sempre que tive oportunidade de jogar, dei o meu melhor. Só assinei por um ano, depois por dois anos e depois por três anos, foi um percurso de confiança e gratidão da minha parte, sempre suei a camisola, fui profissional e humilde para respeitar as decisões e acontecimentos do que é a nossa profissão enquanto jogador de futebol.

Disseste que na tua primeira época no SC Braga atingiram o quarto lugar, depois ficaram em nono e décimo nas seguintes. O que foi fora do normal? O quarto lugar ou o nono/décimo?
Definitivamente foi o quarto lugar. Não sei se te lembras, mas entre os três grandes havia sempre Boavista e Vitória de Guimarães, que eram fortíssimos nessa altura, acho que o que foi extraordinário foi o quarto lugar, não o resto. Depois, com a exigência dos adeptos e da direcção, a partir do momento em que ganhas alguma visibilidade, tens de te reforçar mais. Tens mais custos, depois tudo isto traz-te mais competitividade, acaba por existir o “este ganha mais que eu”, é uma guerra de conflitos que acaba por acontecer, muitas vezes os jogadores que já lá estavam viam os que vinham de fora, sendo que os estrangeiros eram vistos com bons olhos, e isso gerava conflitos na cabeça de muitos. Eu preocupei-me só comigo, devemos preocupar-nos connosco e deixar essas decisões para quem as toma. Mas equipas começaram a conhecer-nos melhor e a criar mais dificuldades também.

Tu eras um jogador com um ego alto ou um apaziguador do balneário?
Tentei sempre ser um elemento de boa disposição no balneário, apaziguador, se tivesse de dar uma palavra de incentivo, numa situação menos agradável para algum colega, dava. Sempre tive conforto e procurei sempre ser um elemento saudável no ambiente de trabalho. Para brincadeira, vinham desafiar o Idalécio. Procurei sempre ajudar quem chegava, punha-me sempre no lugar desses jogadores que chegavam a um país diferente, e muitas vezes os directores diziam-me: “Idalécio, eu não posso ir, vê se podes ir com o teu colega às finanças ou ao supermercado”, e muitos colegas brincavam comigo e diziam que eu era o Relações Públicas (RP) do clube.

Fizeste 12 jogos na primeira época, três épocas com 26 jogos e depois, em 2000/2001, fazes sete jogos pela equipa B. Que aconteceu?
O clube começou a ter expectativas muito grandes, a haver uma competitividade muito grande, jogadores de muita qualidade. Salvo erro, o Odair faz 11 golos nessa época, era Odair e Artur Jorge a dupla de centrais, e a equipa B surge num período em que era difícil sermos convocados, em entrar nos 18. Era preferível ir para a B do que ficar sem jogar. A equipa B estava com algumas dificuldades também, era bom para todos, só não o era para os jovens da equipa B, que não iam jogar porque íamos nós lá jogar, era uma oportunidade para nós, que não éramos convocados. Foi uma boa gestão do clube, também levamos experiência para a equipa B, que precisava de resultados. Se calhar, nem todos aceitariam bem a decisão, mas para mim foi gratificante, tinha contrato com o clube, tive de aceitar.

Depois sais para o Nacional, para a Madeira. Foi uma mudança amigável?
Foi uma mudança inesperada. Não esperava mais sair do Braga pelo percurso que tinha feito lá. Sei que não são a Santa Casa da Misericórdia, mas o problema foi que o presidente João Gomes Oliveira sai, e o clube fica um bocado perdido, com elementos sem capacidade para gerir, antes da chegada do presidente Salvador. Não foi só comigo, aconteceu com muitos outros colegas essa situação, acabámos por sair. O senhor que ficou a presidente era um elemento que me elogiava, estava sempre à conversa comigo, isto enquanto era elemento de direcção, mas depois, quando foi para renovar contrato, pôs-me à conversa com a pessoa que era contabilista. Queriam oferecer-me três anos pela mesma quantia que já vinha a ganhar há Três anos, e eu queria melhorar as minhas condições. Não pedi uma fortuna, sei que andaram a dizer que fui ganhar uma fortuna para o Nacional mas isso é mentira. Foi uma má gestão, foi inesperado, mas tive de dar continuidade ao meu percurso. Queria vingar e tive a oportunidade, a partir do Óscar Dias, o empresário, de resolver a situação com o SC Braga. Antes de sair, ainda se ouviu falar da hipótese de ir para o estrangeiro, para o Bolton, Coventry ou Celtic, mas nunca se concretizou, não sei se era apenas especulação para promoção dos empresários, não sei se chegou uma proposta ao clube. Se calhar, eles pensaram que os agentes estavam a jogar com a direcção e deu-se então a oportunidade de ir para o Nacional da Madeira, com o mister José Peseiro.

Como foi a experiência na Madeira?
O Nacional tinha acabado de subir, o José Peseiro vinha de um excelente trabalho à frente do Nacional, com várias subidas de divisão. Foi um orgulho ter representado o Nacional e ter sido treinado pelo mister Peseiro, na altura um treinador jovem muito admirado por todos, onde aprendi também muito. Assino por três anos, formou-se uma grande equipa, entre eles o Adriano, o avançado, que esse destacou, o Rossato, defesa esquerdo, integramos uma equipa onde havia Jokanovic, Hugo Carreira, Hugo Freire. Integramos essa estrutura, uma equipa jovem considerada uma das melhores a jogar bom futebol, mas a precisar de algo mais. Esse algo mais chegou em dezembro, Paulo Assunção, que depois faz um percurso tremendo. Chega, nessa época, mal fisicamente, irreconhecível para o que foi depois o seu percurso. Depois, mais no final, atingiu a forma e foi um sucesso, um jogador de uma humildade e de uma capacidade tremendas. Eu depois acabo por sair, só fiz uma época, por causa de uma situação de saúde do meu pai.

Não ficou nenhum ressentimento com o SC Braga?
Eu estou de consciência tranquila completamente, por aquilo que fiz, pelas amizades, pelo profissionalismo, nunca ficou nenhuma situação de mágoa. Se eles a têm para comigo, acho que não, porque fui convidado a participar num programa do clube e conversar com uns colegas a recordar o 1º de Maio. Tive pena de não apanhar o presidente Salvador, ou até não, até podia ter sido pior, mas em função do crescimento que o presidente trouxe ao clube, gostava de ter podido fazer parte desse crescimento. Foi um choque sair de Braga e passar a viver numa ilha, mas tinha a família por perto, nunca foi um problema. Não podíamos ir de carro, mas podíamos ir de avião, saí apenas pelo estado de saúde do meu pai.

– Aconselhar e ser aconselhado –
«Todos no Rio Ave pensávamos que o Fábio Coentrão se ia perder»

Falaste no Nacional, onde jogaste também com um jovem Ivo Vieira. Como o vias enquanto jogador e já lhe reconhecias alguma qualidade e visão para ser treinador?
O grande Ivo era nosso capitão. Tinha sofrido uma lesão no joelho, ainda estava a recuperar dos ligamentos, mas foi um elemento sempre importante no plantel, um elemento que já transmitia muita maturidade. Ele é que nos dava as boas-vindas, passava a mística do clube, tinha um enorme carácter. Jogasse ou não, dava já muitas indicações na altura, não sei se alguém levava a mal, eu não levava, mas ele já tinha esse intuito de orientar e equilibrar alguns colegas que precisavam, sendo sempre com o mister Peseiro como líder, mas ele, pelo que representava para o clube, sempre foi um elemento que demonstrava uma capacidade de liderança, de forte carácter e de bom futebol. É com muito agrado que vejo o sucesso que ele tem alcançado, o percurso que tem tido. Há pouco tempo tive a oportunidade de lhe dar um abraço quando ele veio aqui jogar com o Arsenal.

Falaste ainda no Paulo Assunção, que veio a ser um craque autêntico do FC Porto. Como disseste, já vinha a fazer isso no final de época do Nacional.
Sim, ele dá nas vistas logo a partir do momento em que atinge a melhor forma dele. Aliás, ele marcou um golo ao Paços de Ferreira, que ficou como o melhor golo da época, onde ele dribla vários adversários e faz um golo tremendo. Veio a confirmar todo o seu valor, era engraçado que ele parecia que nem transpirava, era o que chamávamos a formiguinha do meio-campo. Poucas faltas, mas com grande capacidade física e técnica muito grandes, e fico muito feliz de poder ter sido colega dele e ter visto o seu percurso em ascensão, e mereceu sem dúvida. E os filhotes dele são uns craques. Esta época tem sido muito positiva para o Gustavo no Famalicão, vai ajudar certamente a ter uma carreira brilhante, oxalá.

Devido aos problemas familiares, voltas para o continente, e para um Rio Ave que tinha alguns colegas conhecidos no panorama nacional.
Sim, fui integrar uma equipa que vinha da Segunda Liga, com o Carlos Brito, que foi um treinador com quem tive grande prazer em trabalhar. Tive a oportunidade de agradecer a chance que me deu, isto porque na altura comecei a ligar directamente para os clubes para arranjar clube. Não havia a necessidade de ter um empresário porque já toda a gente me conhecia. Então liguei directamente para o Carlos Brito, tinha saído o Peu e sabia que faltava um elemento com alguma experiência e tive a felicidade ele me dizer: “Idalécio, se conseguires resolver com o Nacional, acertas com o Rio Ave e será um gosto ter-te aqui”. Foi assim. Cheguei a acordo com o Nacional para rescindir, sem qualquer contrapartida, com alguns acertos por fazer da direcção para comigo, e fui para o Rio Ave.

Mais uma mudança.
Mais uma mudança, chegar e ter de demonstrar quem tu és, o que consegues fazer, mas deu um gozo tremendo e foi um prazer. Não fui logo titular, havia Franco e Bruno Mendes, que tinham feito grandes épocas e em quem Carlos Brito confiava muito. Depois, fui conquistando o meu espaço e acabei por ter um percurso interessante, enquanto ele foi treinador. Ele quis levar-me para o Boavista quando foi para lá, no ano seguinte, só que o Boavista não pagava qualquer indemnização ao Rio Ave, o Rio Ave não me queria deixar sair, disseram que era um elemento muito importante na defesa e tudo mais, e acabou por não se concretizar a ida para o Boavista. Apesar de todos os problemas que teve, o Boavista ainda era um clube muito interessante de representar e teria sido um orgulho ter podido representar o Boavista, mas acabei por ficar no Rio Ave, com o míster António Sousa. Foi mais um treinador, com quem eu tive também muito orgulho de ser treinado e de aprender, mas não houve resultados nem a união que tinha havido nos dois anos anteriores. Se calhar foi por causa das mudanças de ego, e é culpa de todos. A determinada altura, deixei de ser opção e acabei por respeitar e sair da equipa, até que infelizmente acabamos por descer de divisão.

No primeiro ano no Rio Ave, apanhas jogadores como Vandinho, Paulo César, Mozer, que vieram a ganhar grande notoriedade no Braga.
Foi uma agradável surpresa porque não os conhecia. O Mozer sim, já tinha sido meu colega no Braga durante vários anos. Se calhar ele acabou por ter alguma influência na minha ida para o Rio Ave junto do mister Carlos Brito. Mas depois todos esses foram surpresas para mim. Também o Jaime, o Niquinha, que era uma grande referência, nunca saiu do Rio Ave, fez um percurso brilhante em termos do clube. Um profissional e pessoa espectacular. Evandro, que se destacou em termos de golos, mas já lá estava…

E um jovem Fábio Coentrão na segunda época.
Sim, o Coentrão na segunda época, já muito irreverente, e que todos nós pensávamos que se ia perder. O Carlos Brito deu uma grande ajuda e tentou motivá-lo de forma a que isso não acontecesse, e mesmo no grupo de trabalho recebemo-lo de braços abertos, mas ele esteve quase a ficar pelo caminho.

Era a personalidade?
Sim, era a personalidade irreverente. O chegar atrasado, se és miúdo e chegares atrasado não é muito bom. Houve algumas situações que foram resolvidas pela equipa técnica e por nós. É normal, quando és novo, aquela transição de juniores para seniores, nunca sabes bem, e ele já tinha muita qualidade, já fazia a diferença. Não sei se achava que era o melhor da rua dele, mas chegando ali ao clube é diferente, apanhas jogadores mais velhos e mais experientes. Fico muito feliz pelo percurso que ele teve, e ver onde ele chegou, aos patamares a que chegou, as exibições que fez, é sempre gratificante ver que jovens com tanta qualidade têm as oportunidades que desejam e merecem.

– O lado negro do futebol –
«Os directores disseram-me que, se não rescindisse, a equipa técnica ameaçava pôr-me a treinar à parte no início da época»

Depois sais do Rio Ave e vais para o Trofense, onde, na segunda época, eles vencem a Segunda Liga, mas tu estás no Gondomar. Como viveste essa época e como celebraste o título estando emprestado?
Aí se calhar é um dos períodos, não digo negros, porque acho que não tive períodos negros, mas de recordações, de comportamentos pouco dignos, inesperados. Isto para dizer que, quando termino contrato no Rio Ave, o João Eusébio, que já tinha sido durante alguns meses e ia ser ele o treinador principal na época seguinte, disse-me que não estava nos planos do Rio Ave. Custou, mas foi frontal, e amigos à mesma e lá fui eu. Depois, o que acontece no Trofense não. Eu não era um miúdo para brincarem com a minha vida ou com a minha dignidade. O que acontece é que a primeira época com Daniel Ramos fazemos uma temporada brilhante, e depois, no ano seguinte, porque havia dinheiro que não era dos directores que andavam lá no clube, mas que era do presidente, do Sr Rui Silva – que tive uma pena tremenda da situação em que ele se viu ali envolvido – era só jogadores de Primeira Liga a chegar ao clube: Pinheiro, André Barreto, Milton do Ó, Valdomiro, Paulo Sérgio. Aquilo era o Real Madrid lá da zona, a juntar a nós que lá estávamos da época anterior, e que tínhamos feito uma época boa, mas a ideia foi investir para subir.

O que correu mal?
A única coisa que me desagrada nisto tudo é que aguardei pela minha oportunidade, sempre calado, como profissional. Tive essa oportunidade em dezembro, de realizar vários jogos. Num desses até fiz um golo da vitória ao Feirense, e nunca o Trofense tinha atingido o primeiro lugar, tínhamos ido ganhar a Gondomar, que era um adversário dificílimo, nesses jogos tinha havido lesões e castigos dos meus colegas meus e eu aproveitei as oportunidades. Depois, uma vez que eles estavam todos recuperados, e disponíveis para a equipa, eu pensei que já não ia perder o meu lugar, porque estava a jogar e bem, a merecer continuar a jogar, mas depois o treinador, na altura, chamou-me e disse-me: “Parabéns pelo que tens feito, outra coisa não seria de esperar (…) mas vou optar pela equipa que vinha a jogar”, e eu respondi: “você é o treinador, você é que sabe, não me peça para ficar satisfeito, não vou ficar satisfeito”.

É algo complicado de ouvir.
Saí porta fora, a partir daí as coisas não ficaram fáceis, eu não era nenhum menino, ele era uma pessoa que eu já conhecia de outros caminhos, de outro percurso da minha carreira em que eu o tinha ido ajudar enquanto jogador, e começam clubes a ligar-me a saber se eu queria ir emprestado. Da segunda B, da segunda, e eu disse: “não, eu tenho contrato com o Trofense, não sei nada dessa conversa, o meu clube é o Trofense, quero ficar aqui e dar o meu melhor para atingir os objectivos do clube, que é a subida de divisão. Por isso, se isso acontecer, terão de ser os responsáveis do clube a comunicar-me, não é você por telefone, que diz que é do clube tal, desculpe lá, agradeço, mas falem com o clube e entendam-se”. E assim foi. As coisas começaram a tomar um rumo com um não muito bom ambiente, e começaram a tentar sacudir-me dali para fora, sendo que eu tinha contrato durante mais um ano.

E surge o Gondomar.
Respeitei a situação de empréstimo, sabia que o Gondomar estava em situação de descida de divisão e disponibilizei-me. A partir do momento em que houve um acordo para salvaguardar as minhas condições financeiras, porque isso não ia abdicar, não era responsabilidade minha tomar aquela atitude, aceitei, até porque me sentia bem e há sempre aquela coisa de querer continuar a jogar. Via o Gondomar como a possibilidade de poder continuar a provar o que eu gostava de fazer e continuar a jogar.

E como foi essa estadia em Gondomar?
Foi um clube com umas condições completamente diferentes das do Trofense, na altura. Bem mais humildes, mas com uma seriedade, com um presidente, o Álvaro Cerqueira, com quem tenho uma grande amizade e respeito pelos anos que está à frente do clube. O que ele tem feito não é fácil, um clube como o Gondomar sobreviver todos estes anos sem entradas de fundos e de vendas de atletas e tudo isso. Foi giro, apanhei uma equipa com Fernando Aguiar, Feliciano, Vítor Fróis, Rómulo...

Zequinha, que joga agora no Vitória de Setúbal.
Sim, o Zequinha também. Foram seis meses de grande experiência. O treinador era o Nicolau Vaqueiro, um treinador com quem tive muito gosto em trabalhar, também já com uma história grande no futebol. Foi gratificante chegar ao final e salvarmos a equipa da descida de divisão. No final da época, o Nicolau vai para o Moreirense, e mal ele sabe que vai para o Moreirense convida-me: “Idalécio, como é a tua situação lá no Trofense?”. E eu disse-lhe: “mister, não sei, eu tenho mais um ano de contrato com o Trofense, vamos disputar a Primeira Liga, tenho contrato com a equipa, tenho as condições, não sei o que vai acontecer, ficamos em contacto”. Então, regressei ao Trofense. Apesar de ter jogado, não fiz parte das celebrações do título, naturalmente, porque tinha saído naqueles seis meses de lá. Fiquei à espera de notícias, contactaram-me para ir lá a uma reunião durante o período de férias, acabei por me deslocar. Queriam rescindir comigo, o treinador não contava comigo, e eu disse-lhes: “se o treinador não conta comigo, que me diga na cara”.

Mas o treinador ainda era o Daniel Ramos?
Até me dá arrepios dizer, mas era o António Conceição, ele é que pegou na equipa no segundo ano para subir.

Vejo-te mais exaltado a falar neste assunto.
É triste haver pessoas assim no futebol, é o que eu acho. Porque cada um tem os seus gostos e preferências, mas homenzinhos todos devemos ser, e eu não era uma pessoa qualquer, tendo em conta o meu percurso. Não que eu seja mais que ninguém, mas pronto. Deu-se essa situação e ofereceram-me um valor irrisório para rescindir, que eu naturalmente não aceitei, porque queria permanecer no clube, e tinha a possibilidade, para a qual eu achava que tinha contribuído, do regresso à Primeira Liga, embora não tivesse ficado lá naqueles meses. Andamos ali embrulhados até ao início da época, sem qualquer palavra por parte do treinador. As propostas continuavam, numa de gozo, eu comecei a ver o filme, não era parvo, já tinha alguns anos daquilo, e começou-me a gerar alguma revolta, alguma situação de mal-estar, passar por aquilo, onde os directores me disseram que a equipa técnica ameaçava pôr-me a treinar à parte no início da época, quando começassem os trabalhos. Eu começo a tratar de salvaguardar o futuro e falo com o Louletano, no sentido de pegar na família e irmos para próximo dos nossos, sentir aquele apoio familiar, que começávamos a precisar, e por achar que era melhor para as miúdas.

Mas com a proposta do Moreirense, porque não decidiste aceitar?
Como te disse, essa conversa foi no final da época no Gondomar, com o mister, e depois de muito falar com a família e tomar a decisão de ir para baixo para próximo da família, e chegando a acordo com o Louletano, salvaguardando aquilo que eram os meus interesses, achei que podia ser útil para o Louletano. Não fui para tirar o lugar a ninguém, fui para ser útil e sempre valorizei o facto de ter feito lá a formação, mas uma coisa é o que eu acho, outra é o que as pessoas acham ou te dão a oportunidade de fazer. A partir do momento em que falo com a família, é ir embora, mudar tudo para o Algarve, desfrutar da praia, do sol, da família, e a partir do momento em que tomei a decisão, nem quis ouvir Moreirense nem propostas. O objectivo foi: “vamos e vamos à procura do que vai ser melhor para nós”.

E como ficou a situação no Trofense?
O Trofense, uma vez que não chegávamos a acordo, pediram para me apresentar. Tiro sangue, faço os testes médicos, reunião logo de seguida e mediante aquilo que eram as minhas exigências para sair, chegamos a um acordo. Tendo a salvaguarda do Louletano, abdicando do que tive de abdicar, e cheguei a acordo, as pessoas da direcção do Trofense foram espectaculares a cumprir o acordado, não tive de meter em tribunal nem nada, mas foi uma situação triste, que estamos sujeitos a que aconteça, que não estava a espera que acontecesse no meu percurso profissional, mas fui muito agradecido para o Louletano. Fui treinar com o mister Balela, que já tinha sido meu treinador na Segunda B.

Queria só fazer-te uma pergunta ainda em relação ao Trofense. Tu coincidiste com um jovem Fábio Paím, que podes dizer dele?
Tive o prazer de apanhar o Paím. Fizemos muitas amizades, muitos convívios, era uma das pessoas que tentava aconselhá-lo, vendo sempre que faltava algum apoio familiar. Ele ouvia-me quando conversávamos, mas depois eu ia para casa para junto da família e ele já estava numa situação diferente, ao estar sozinho ou com a namorada, e se calhar os comportamentos já se mudavam. Ele tinha de facto muita qualidade, era um miúdo que, quando tu és líder, treinador, tens de ter um comportamento para com os jogadores, e no Trofense acho que também lhe faltou essa pessoa para lhe dar apoio, e depois lamento o percurso que ele acaba por ter, desde aí do Trofense.

Ainda tem algumas oportunidades.
Sim. Aliás, ele depois do Trofense tem muitas oportunidades, o Jorge Mendes ainda lhe dá muitas oportunidades. Foi para o Paços de Ferreira, ainda vai para o Chelsea, estava Scolari lá, para a equipa B. Apesar de tudo isso ainda tem um percurso onde podia ter agarrado boas oportunidades, mas depois o empresário também se cansou das situações que foram acontecendo no percurso dele como atleta e acaba por “desligar” e é pena para o Paím, pelo potencial que tinha. Felizmente, as últimas notícias têm sido muito positivas, tem mais uma oportunidade e espero que a agarre, tem uma família lindíssima, com dois filhotes, a esposa, a Patrícia, e oxalá ele consiga encontrar o caminho certo.

– Hora de voar –
«Não havendo projetos nem coisas interessantes, decidi emigrar. Foi um grande risco»

Tu depois vais para o Louletano e acabas a carreira.
Vou para o Louletano, faço a época toda, subimos de divisão e depois chega ao final e a direcção não conta comigo para ficar. Eu pretendia jogar por mais um ano, tínhamos atingido a Segunda B e queria continuar a jogar. Ali no Algarve fica difícil, e o Farense queria fazer uma equipa para subir da Terceira para a Segunda B, fizeram-me o convite como amadores, para treinar à noite, e, no Farense, os adeptos eram incansáveis, mesmo na distrital. Foi bom reviver todas as memorias que tinha vivido em 1995.

Como foi voltar ao São Luís?
Voltar àquele estádio foi bom, com condições muito inferiores às que eu tinha encontrado antes, mas foi um orgulho representar e fazer parte do projecto que culminou com a subida de divisão. Eu pretendia continuar, também não me convidam para continuar e surge o Quarteirense, e com 37 anos acabo lá. Termino a carreira com quatro subidas, sendo que a mais significativa foi a do Trofense, já que garantiu um lugar na Primeira Liga, mas todas as outras foram muito gratificantes.

Belo resumo.
No Quarteirense termino e fico como coordenador. O treinador tinha-me convidado para ficar mais um ano na terceira divisão para subir para a segunda B, mas depois ligou-me a dizer: “desculpa lá Idalécio, mas afinal não vai dar para ficares”, e depois a direcção convidou-me para ficar como coordenador da academia de formação do Quarteirense.

Acabaste a carreira aos 37 anos, como vês por exemplo um Pepe na Primeira Liga, ao nível a que está, com a idade com que tu acabaste a carreira? Tempos diferentes, condições diferentes ou apenas depende da fisionomia de cada um?
São tantos os factores a juntar a isso… acho que em termos de mentalidade mudou um bocadinho, porque na minha altura, em Portugal, aos 30 anos éramos velhos, enquanto em Inglaterra se via 35/36, e em Itália também. Em Portugal, felizmente essa mentalidade mudou, mas também mudou a mentalidade dos treinadores. Alguns sentiram-se ameaçados pela pessoa que eu era, e quando falo de mim, falo de outros que passaram pelo mesmo que eu na carreira, e o medo dos treinadores era que lhes fôssemos tirar o lugar. Isso agora já não acontece porque é preciso ter a formação, antes não, essa possibilidade podia acontecer num estalar de dedos e dependia de ti, se estavas preparado para a agarrar. Mas acho que os erros de alguns treinadores e presidentes levaram a que muitos não tivessem uma continuidade na sua carreira como treinadores.

Tu depois acabas por emigrar para Inglaterra. Porque emigraste e como tem sido a tua experiência?
Em Portugal, aqui há uns anos, o período era difícil de oportunidades de trabalho, de abrires negócio, de salários. Investias para estares a pagar impostos aos políticos, isso não. Não havendo projectos nem coisas interessantes, decidi emigrar. Foi um grande risco, mas calculado, porque primeiro vim eu, fiquei com o meu cunhado que já estava cá, e tive um sítio para ficar, que era o mais difícil. Então vim à procura de trabalho e depois veio a minha mulher e as minhas filhas, quis que viessem estudar cá e que lhes abrisse outras portas, o que em Portugal não estava a acontecer. Essencialmente procurar alguma estabilidade que não tinha em Portugal.

Depois trabalhaste num casino, num restaurante e agora num hotel.
Agora estou no hotel como Concierge, é uma posição completamente diferente das áreas dos restaurantes. Quando cheguei, andei na rua a distribuir currículos. Passado um mês, arranjei emprego no Casino, e depois estive lá seis meses. Os horários eram nocturnos, eu aceitei porque era uma melhor posição, sempre fui uma pessoa de desafios ao longo da minha vida. Muito derivado ao futebol, uma vez estava no autocarro a ir embora e um homem reconheceu-me e dirigiu-se a mim: “você é o Idalécio, que jogava no Braga”. Encontramo-nos várias vezes e ele disse que trabalhava num sítio, que era um café-restaurante, que precisava sempre de staff. Eu fui lá fazer um trial, que é obrigatório, e decidiram que me queriam lá, e que me iam ajudar. Eu disse que não sabia se o nível de inglês seria suficiente, mas que ia dar o meu melhor, e estive lá. Subi várias posições até chegar ao management.

Um exemplo para muitos.
Depois, tu começas a ter a noção que à tua volta há outras oportunidades onde podes crescer mais, então fui para outro restaurante. Estive nesse durante três meses, mas depois surgiu a oportunidade do Novikov, um projecto melhor onde acabei por estar durante quatro anos. Comecei por baixo, temos sempre de começar por uma posição inferior e demonstrar o nosso valor, e foi um projecto onde conheci muitos portugueses, muitos estrangeiros, fiz muitas amizades. Mas tive de mudar, tive de ir à procura de novos desafios diários, noutra profissão, e assim saí da restauração. Estou como Concierge, ou seja, trabalho na recepção do hotel, trato de toda a bagagem, recomendar e arranjar bilhetes para espectáculos, continuo a ser um bocadinho um Relações Públicas [diz Idalécio enquanto solta uma gargalhada].

No restaurante, encontraste muitos jogadores conhecidos. Tens algum episódio caricato?
O mais caricato foi com o Evra, que, apesar de ser uma pessoa de um trato espectacular, acho que nos foi visitar numa altura em que não devia, ou que não podia. Então fomos tirar uma fotografia juntos, ele aceitou, mas disse: “Vocês não vão publicar essas fotos”. E eu tirei com um colega italiano no telefone dele, e ele ficou com tanto medo daquela conversa que nunca me mandou a fotografia. Não sei se era a brincar a conversa, mas o meu colega nunca me chegou a mandar a foto.

– O adepto Idalécio –
«Deixa-me triste ver o Benfica a passar por esta situação, em que não se vê a liderança»

Enquanto adepto e apreciador de futebol, como viste a chegada do Bruno Fernandes aí a Inglaterra?
Dentro daquilo que nos é possível, pelos horários, tenho acompanhado, não com grande assiduidade, os jogos de futebol. Prefiro estar com os amigos. Em relação ao Bruno, já sabíamos da qualidade dele em Portugal, víamos também que o Sporting CP começava a ser pequeno para o seu futebol, havia a necessidade de aposta de um clube estrangeiro. Essa aposta demorou, não foi se calhar também pelos valores que o Sporting CP merecia, mas sem dúvida é um orgulho ver o Bruno e outros que cá estão a fazer um percurso com a qualidade que ele demonstra, e aquilo que ele já representa para a equipa. Parece fácil para quem está lá em casa, mas tem muito mérito pela sua qualidade, pela sua mentalidade, porque não é fácil vir do futebol português para o inglês, a questão do clima, a exigência do novo clube. Tem um mérito tremendo, está de parabéns e merece o nosso apoio.

Tu, que és um assumido benfiquista, como tens acompanhado o clube e o que tens a dizer da situação que o SL Benfica vive?
Sim, eu sou benfiquista assumido, nunca o escondi. O SL Benfica sempre esteve presente em casa com os familiares, mas como profissional sempre soube dar o meu melhor em campo em prol dos clubes que representei. Tenho visto com alguma tristeza, aquilo que parecia a construção de um grande clube, com boas vendas de jovens com muito valor, a cair agora nesta situação, onde o discurso do presidente era de mais conquistas a nível da Europa e tem-se verificado o contrário. Não é fácil suportar os salários e a exigência desses jogadores que se destacam, mas deixa-me triste ver o SL Benfica a passar por esta situação, em que não se vê a liderança, onde se vêm muitos jovens. O Sporting CP já passou por isso, quando se quer conquistar, ter muitos jovens pode ser mau, e de facto isso tem vindo a verificar-se, pelas dificuldades que o clube tem atravessado. Oxalá que se venha a organizar o mais rápido possível para que os adeptos possam voltar a celebrar.

Por fim, que central no futebol actual é mais parecido contigo?
Eu costumo dizer, em jeito de brincadeira, que não há outro Idalécio…

Se calhar o Mathieu, pela estatura e o pé esquerdo?
Sim, pela sua tranquilidade, por exemplo. Era discreto, eficaz. Acho que acertaste porque não há muitos outros com o pé esquerdo a jogar actualmente que sejam calmos. Se calhar também me assemelho um bocadinho ao Ferro, no seu período bom, mas o Mathieu é o mais próximo."

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