"Novembro de 1963. O Benfica vai a Stoke-on-Trent defrontar a equipa local, onde joga uma figura formidável chamada Stanley Matthews. Venceu por 0-1, golo de José Augusto, e mereceu aplausos e elogios
Stanley Matthews: o Feiticeiro do Drible. Nunca é cedo nem tarde para falar de Matthews: poucos ou nenhum foram como ele.
Nasceu em 1915. Em Fevereiro, dia 1. Também morreu em Fevereiro, 23 mas só no ano 2000.
Em Novembro de 1963, estava confortavelmente instalado nos seus 48 anos. Um senhor. Jogava no Stoke-on-Trent, o clube da cidade do mesmo nome, ali no Staffordshire, ligeiramente para norte do condado. A avançada do Stoke era ameaçadora: Stanley Matthews, Dobing, Ritchie, Muddie e Bebbington.
Que dizer da do Benfica? José Augusto, Santana, Eusébio, Serafim e Simões.
Noite de gelo, em Stoke.
Costa Pereira, o guarda-redes vindo de Moçambique, fazia figura de exótica personagem: calças de fato de treino, vermelho bem vivo. Não era nenhum tonto.
O Cruz fazia a marcação ao Feiticeiro do Drible. O Cruz era duro até à protérvia. Caiu sobre Matthews e engasgou todo o lado direito do Stoke. Sem Stanley, o ataque do Stoke tornou-se espasmódico. Às vezes em verdadeiro estado de estupor.
Eusébio também teve direito a um tratamento especial: Kinnel, que acabara de chegar ao Aberdeen, da Escócia, pela ninharia de 27 mil libras, perseguiu o rapaz da Mafalala a pauladas como se fosse uma simples ratazana.
Na primeira parte, o jogo apastelou-se.
Irritados pelo vento que soprava do mar do Norte, os adeptos assobiavam como se, também eles, fossem vento.
Sem motivo. De um lado e de outro, Benfica e Stoke batiam-se sem restrições. Não era jogo, talvez, mas era luta na lama, a de melhor.
Serafim estava endemoinhado. Rematava como se fosse Eusébio.
Aliás, rematava mais do que Eusébio.
Tranquilo, de mãos desnudas, Leslie, o keeper do Stoke, voava por todos os lados. Era um pássaro sem saudades de gaiola.
O tempo arrastava-se. Tempestuoso. A tempestade era de assustar rinocerontes.
Cães ganiam ao longe com medo. Os morcegos procuravam abrigo.
Houve a hipótese de cancelar a disputa, mas iria servir como recolha de fundos para crianças com deficiências.
Czeizler, o húngaro que treinava o Benfica, deu a ordem: 'Joga-se e joga-se mesmo. Foi para isso que cá viemos. E respeitaremos o compromisso'.
Stanley Matthews agradeceu: 'O Benfica é um clube de cavalheiros'. Depois foi resolver os seus problemas com a Cruz. Ou, melhor, não resolveu nenhum. O Cruz enfiou o Feiticeiro no bolso. Grande Cruz!
Aos 52 minutos, Serafim desgraçou o defesa que lhe saiu ao caminho e deixou-o pregado ao relvado, com as pernas cada uma para seu lado, centrou com a certeza de um medidor de ângulos, assim a régua, esquadro e transferidor e tudo e tudo, e José Augusto meteu a bola na baliza de Leslie com a precisão própria de um especialista.
Eusébio, com as orelhas a arder com a chato do Kinnel a persegui-lo até ao intervalo e mesmo a ficar à porta do balneário do Benfica para não deixar o benfiquista sozinho nem um milésimo de segundo, não saiu das suas tamanquinhas e deixou jogar os outros.
Pelo contrário, o resto da equipa foi para cima do adversário com um apetite de Pantagruel e Gargântua juntos. Devoraram os pobres defesas do Stoke como se fossem um molho de brócolos. O público, entusiasmado, aplaudia os portugueses até que as mãos lhe doessem. O Benfica saiu do Britannia Stadium envolto no carinho que fizera tudo para merecer.
'Estes portugueses são do melhor que já vi', esbaforia Matthwes no fim. 'Belíssima equipa. Não admira que tenham sido vencedores da Taça dos Campeões nestes dois anos. Ainda bem que cá vieram. O nosso público merece ver as equipas do topo...'
Em seguida, tomou o caminho de casa, logo ali ao lado.
O Benfica seguiu para Sunderland, onde as coisas não correram tão bem.
A águia voava para todos os destinos. Sobretudo para o destino de ser universal."
Afonso de Melo, in O Benfica
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