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terça-feira, 16 de abril de 2019

O quão difícil é ser previsível em Portugal

"No preciso momento em que inicio este texto tenho duas certezas dentro de mim: muitas serão as vozes da discordância e poucas serão as vozes da concordância. Mas isso não me impede de prosseguir com este artigo, o qual, uma vez mais, não pretende agradar ninguém, mas antes propor um exercício mental que nos leve a um debate inteligente e elevado de ideias.
Depois de mais um fim-de-semana desportivo, dei por mim a conversar com um treinador amigo meu a propósito da previsibilidade e imprevisibilidade patente no futebol, tendo chegado a um ponto em que acabei por admitir que algumas equipas são, de facto, previsíveis em termos de futebol praticado.
Até aqui, nada de novo, dirão os leitores, mas talvez importe elucidar aquilo que eu considero como previsibilidade e imprevisibilidade em futebol, pois se ao segundo termo eu associo a aleatoridade na forma como atacam, ao primeiro termo associo claramente a organização e o pensamento estruturado em função dessa mesma organização.
Uma equipa que procure sair a construir com bola desde trás, procurando chegar à fase da criação de forma interligada para, a partir daí, encontrar os melhores caminhos para alcançar a fase da finalização é uma equipa organizada. Penso que não existem dúvidas quanto a isto. Mas pode ser igualmente uma equipa previsível.
Não na forma, certamente, mas sim no conteúdo, pois o que está aqui em causa não é a quantidade de movimentações trabalhadas em treino que se aplicam e replicam em jogo, antes a ideia/trave-mestra que sustenta todo o processo de construcção+criação+finalização: sair com bola controlada a partir do guarda-redes e dos restantes jogadores de campo que procuram criar linhas de passe para que a equipa “não queime etapas” e procure chegar junta e de forma (inter)ligada ao último terço do terreno de jogo.
Os leitores podem discordar quanto a este conceito de previsibilidade, mas eu considero este comportamento não só como sendo padrão, mas também como sendo previsível. Uma vez mais, não nas movimentações em si, porque existem milhares de dinâmicas diferentes para se sair a jogar desde trás, mas sim na forma como tudo se inicia.
Uma equipa que saia sempre com pontapé longo para a frente, seja em pontapé de baliza, seja quando a bola chega aos seus defesas ou médios, por exemplo, é uma equipa muito mais imprevisível, na minha opinião. Porque no pontapé longo para a frente existe sempre um lado aleatório que não existe no processo de quem procura sair apoiado desde trás.
Essa aleatoriedade chama-se...duelo individual. Quem consegue adivinhar quem vai ganhar uma bola chutada para o ar que paira numa vertical ou numa diagonal de 50 metros? Quem consegue adivinhar quem vai conseguir ficar com uma bola que, por vezes, chega a ser disputada (dividida) por quatro jogadores ao mesmo tempo (dois de cada equipa)?
Não é fácil, pois não? E não é preciso descer às divisões distritais para vermos exemplos como os supracitados. Basta ver 90% dos jogos da Liga NOS. Infelizmente é o que vemos semana após semana, fim-de-semana após fim-de-semana. Equipas cada vez mais imprevísiveis na forma como atacam...
No entanto, não falo da imprevisibilidade aliada à técnica individual, à velocidade, à envolvência táctica colectiva. Falo do pontapé para o ar, falo do “estica na frente”, do “bacalhau”, do “bota no ponta de lança”, da enorme aleatoridade presente em todas estas expressões que são, cada vez mais, o “pão nosso de cada dia” nos relvados nacionais.
Todos se querem distinguir, mas poucos ousam seguir caminhos que lhes permitam essa distinção. É mais fácil procurar a sorte num lance digno de matraquilhos do que trabalhar arduamente para criar e construir algo sustentado, algo mais coerente e algo mais seguro. No fundo, algo mais previsível. 
Para os mais desatentos, eu, previsível, me confesso. Na forma como gosto de ver o futebol, na forma como gosto de ver treinado e jogado o futebol e na forma como escrevo os meus artigos sobre futebol. Não há nada de errado nisso, embora saiba de antemão que, tudo o que é previsível, acaba por ser imprevisivelmente incompreendido..."

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