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quinta-feira, 15 de novembro de 2018

É este o problema da análise estatística

"As recuperações de bola por parte de um jogador têm sido um dos critérios mais utilizados por parte dos grupos estatísticos para se definir a influência de um jogador num jogo e, com isso, fazer-se uma avaliação comparativa da performance individual de cada jogador. O problema dessas análises é que elas apenas quantificam e não isolam cada acção para se perceber, de forma qualitativa, de onde aparece cada unidade que se junta ao grupo, e que no final vai permitir uma melhor ou pior pontuação de cada jogador.
Como é que surgem as recuperações de bola?
A questão acima levantada é uma forma bastante simples para se perceber o problema em que estamos metidos quando ignoramos o pormenor e continuamos apenas a somar, sem qualquer tipo de critério de qualidade.
Imagine-se o seguinte cenário: Uma equipa com zonas de pressão bem definidas, que orienta o adversário para o corredor lateral, que faz uma pressão mais horizontal, tirando-lhe tempo e espaço para depois apertar e tentar recuperar a bola ali. Cada um dos jogadores tem uma missão táctica bastante específica e nenhuma delas é menos importante do que outra. O que muda entre elas (missões tácticas) é a maior ou menor proximidade do centro de jogo, sendo que se uma delas não adoptar o comportamento adequado a zona de pressão ficará vulnerável e a recuperação de bola ficará comprometida.
Numa zona de pressão, não são raras as vezes em que o objectivo do jogador que pressiona não é recuperar a bola. Na maior parte dos casos, o foco é colocar um constrangimento tal ao adversário em termos de execução, de tempo e de espaço, que faça com que o gesto técnico e a decisão não sejam as melhores - e que faça com que quem está na cobertura de quem pressiona tenha uma maior facilidade em ficar com a bola.
Claro que ninguém diz ao jogador que pressiona para não tentar recuperar a bola, mas diz-se fundamentalmente para apertar sem ser ultrapassado pelo adversário e provocar o erro para que outro colega fique com a bola mais facilmente. Se quem pressiona consegue ganhar a bola, óptimo; mas não é esse o seu objectivo principal. E é aqui que entra o problema dos números em grosso de recuperações de bola.
Como é que se atribui maior mérito a quem fica com a bola do que a quem provocou o erro do adversário? Como é que se mede, quantitativamente, a acção do jogador que pressionou? Como é que se atribui valores aos outros jogadores que, estando na cobertura, não pressionaram nem ficaram com a bola mas estavam colocados da forma adequada para criar o máximo de constrangimento possível ao portador da bola?
Agora imagine um outro cenário: Uma equipa que faz uma pressão mais vertical, em profundidade, fechando as quatro ou cinco referências nas primeiras linhas da saída de bola, e que obriga o adversário a fazer um passe mais longo e muitas vezes pelo ar. Quem recupera a bola, quem faz o corte, ou quem disputa o duelo, nestes casos, acaba por ser um defesa. E por que motivo os defesas têm mais mérito, do ponto de vista da análise estatística do quem lhes proporcionou uma situação mais favorável para recuperar a bola, fazer um corte, ou vencer um duelo?
Veja também o caso de uma equipa que pressiona assim que perde a bola, obrigando o adversário e decidir mal e depressa, fechando-lhe as possibilidades de passe mais próximas. Tem tão mais mérito assim quem recupera a bola do que quem fechou rapidamente e aproximou para obrigar a errar?
Até pode haver a possibilidade de uma equipa, ou de um jogador, que joga invariavelmente a bola pelo ar para um jogador baixo, que tem perto de si um adversário mais alto. É um mérito assim tão importante ganhar-se a bola por se ser mais alto? E mais quando o adversário é mais baixo e eles optam invariavelmente por colocar-lhe a bola pelo ar. Também há a questão estratégica, que agora está muito na moda, de uma missão atribuída a um jogador que nunca recupera a bola. Se a missão daquele jogador for impedir que a bola entre num jogador de referência da equipa adversária e a bola raramente entrar lá, como é que se quantifica as acções qualitativas deste jogador? E terão essas acções mais importância do que outras para o desfecho do jogo? Porquê que quem fica com a bola tem mais valor?
Estas situações entroncam nas declarações que Fernando Torres fez sobre a sua missão táctica na selecção espanhola, em alguns jogos, que não passava tanto por tocar na bola, mas sim em colocar-se em posições específicas para permitir mais tempo e espaço à outros colegas; ou até nas declarações do Xavi que dizia que adorava pressionar, mesmo que fossem os centrais adversários para os obrigar jogar longo, porque sabia que dessa forma o Puyol e o Piqué teriam mais facilidade em ficar com a bola.
E encontram também paralelismo com muitos outros dados como o número de passes errados (não pode um passe falhado ser um passe certo?), as assistências e os golos marcados (se foram os jogadores por si a criar as situações ou se foram impelidos), etc. Os exemplos são imensos e nenhum deles invalida que o jogador numa acção (em várias acções) possa ter mérito, mas tal só será possível perceber se no lugar da acumulação de acções se fizesse uma análise qualitativa dos factores que contribuíram para o desfecho do lance.
No fundo, as questões que coloco são:
- Como é que se quantifica as acções do jogador para que a avaliação feita seja justa e condizente com aquilo que foi o seu desempenho no jogo?
- Como é que se define que grupo de acções juntas são mais importantes, mais valorosas, do que outras?
E isto é o problema da análise estatística: Pensamos que analisar é olhar para os números em grosso e tirar conclusões, mas não é. Para analisar, correctamente, é preciso ir ao pormenor e perceber o porquê de cada uma dessas coisas. Sempre! Uma análise correcta, das recuperações de bola, mostraria coisas como as que acabei de demonstrar: se foi mérito da equipa ou do jogador, demérito do adversário, ou apenas as circunstâncias que permitiram que se atingissem tais números. E mostraria também que, para aquele jogo, talvez tivessem havido coisas mais importantes do que aqueles dados em que nos focamos para analisar tudo e todos.
Mas, para tal, é preciso fazer uma leitura cuidada de cada um dos números que se retiram dos jogos e que se juntam sem uma análise qualitativa agregada. Por isso é que uma média ponderada baseada num número de acções de sucesso e que se dizem fundamentais será sempre uma análise curtinha, para não dizer falaciosa de desempenho de um jogador. Assim como um tolo, só quem faz fé na religião das calculadoras é que pode achar o contrário: que os números por si só corroboram alguma coisa, de forma insuspeita, nas análises de futebol."

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