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quarta-feira, 9 de março de 2016

Uma fera nos arredores do golo

"O ar pesado e o padrão criativo estrito desviam as atenções de um jogador que, definido a partir de uma envergadura física impressionante (1,90 m e 85kg), alimenta o jogo de toque e progressão participada que caracteriza o Benfica de Rui Vitória - quando pretende futebol mais directo, o treinador opta por Raúl Jiménez, jogador de traços mais largos, que oferece deslocamentos mais amplos e alimenta melhor o jogo longo. Mitroglou é apenas bom exemplo de um homem comprometido à sua maneira com a causa que defende, movido por emoções difíceis de decifrar pelo rosto inexpressivo e também pela voz que, de todo, não chega ao exterior. O grego não nasceu para andar nas bocas do Mundo mas assinou em Alvalade a obra que pode torná-lo herói benfiquista da temporada 2015/16. Os 18 golos que leva na primeira época ao serviço do Benfica (15 na Liga, 2 na Champions e 1 na Taça de Portugal) conferem-lhe estatuto de indiscutível prestígio, sinal de que vale a pena semear esperanças dando o corpo ao manifesto para colher a glória do último toque.
De resto, é um avançado de fácil inserção em qualquer exército, na medida em que dá resposta a qualquer tipo de exigência técnica e tática. Não é a equipa a adaptar-se às características do seu ponta-de-lança, é este quem se esforça por satisfazer o que o coletivo lhe exige. O futebol é o mais democrático dos desportos porque não elimina por físico, habilidade ou temperamento. Exige, isso sim, uma virtude que desequilibre os pratos da balança: tiro, jogo de cabeça, velocidade, astúcia, carisma... O grego atingiu nível internacional sem potenciar qualquer qualidade acima das outras, como exemplo da centenária história de um jogo que foi glorificando pelo tempo fora altos (Van Basten) e baixos (Messi); gordos (Maradona) e magros (Cruyff); ricos (Michael Laudrup) e pobres (Romário); líderes pelo grito (Di Stéfano) e pelo exemplo (Iniesta); rápidos (Futre) e lentos (Zidane); novos (Pelé em 1958) e velhos (Roger Milla); bonitos (Cristiano Ronaldo) e feios (Ibrahimovic).
Mitroglou é um avançado austero, sem qualquer interesse pelo adorno. A participação no bordado que prepara o ataque ao golo obedece mais ao empenho em cumprir com rigor o ofício do que em alimentar divagações líricas para as quais não está vocacionado. Toca pouco a bola mas tem o condão de dar saída inteligente de cada vez que é solicitado. É um futebolista potente, que resiste ao choque, tem ideias claras e raramente comete erros nas decisões que toma. Ao contrário do que parece (porque não é habilidoso) possui técnica evoluída, está apto a jogar a um ou dois toques mas também a guardar a bola o tempo suficiente para a soltar na zona e no momento certos. Sabe agir de costas mas é quando se vira para o objectivo com a bola dominada que se torna ameaçador. Na cara do guarda-redes resolve com frieza, simplicidade, calma e eficácia.
Longe da área alimenta a circulação, contribui para a conquista de espaços mas não é suficientemente hábil ao ponto de funcionar como polo de verdadeira preocupação para os adversários. À medida que se aproxima da baliza, porém, o seu jogo enche-se de argumentos contundentes - as armas que sustentam o seu instinto matador são temíveis e surpreendentes para quem se habitua a vê-lo apenas como alimentador do senso comum. Aos 27 anos, habituado a grandes palcos e já com um longo currículo a suportá-lo, Mitroglou tem aproveitado a etapa ao serviço do Benfica para se dimensionar como ponta-de-lança. Esse é, afinal, o destino de quem se vê na contingência de comunicar e entender talentos como Jonas, Nico Gaitán, Pizzi e Renato Sanches. O grego estará a descobrir qualidades individuais que, porventura, desconhecia. O que acentua o perfil de quem, nos arredores do golo, evolui de futebolista normal para uma autêntica fera."

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