"A semana desportiva foi dominada pelas ondas de choque da expressiva derrota do FC Porto na Luz, mas também pela polémica em torno da falta de reconhecimento de habilitação profissional do novo treinador do Sporting pela Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF).
A derrota do FC Porto aparece num momento em que o clube precisa de resultados que gerem confiança no projeto desportivo, que possam repercutir-se na melhoria da respetiva situação financeira no médio e longo prazo. O FC Porto necessita de gerar receitas e para isso terá de ter sucesso desportivo, mas sem abdicar da sua vocação de instituição de utilidade pública comprometida com o fomento da prática desportiva de proporcionar meios de recreio e de cultura, tal como está instituído nos seus estatutos, onde também são afirmados os valores do desportivismo, do fair-play e da não discriminação.
Num outro plano, o Sporting, que compete entre os melhores do futebol europeu, vê-se também obrigado a dar uma resposta imediata à perda de um líder altamente valorizado, e escolhe fazê-lo recrutando internamente um treinador que ainda não viu reconhecida a qualificação necessária para o desempenho da sua profissão ao mais alto nível.
É possível ser sustentável, sem abdicar dos seus valores? É possível apresentar competência prática, sem reconhecimento formal de pares, incumprindo regras? Os desafios dos clubes são, em abstrato, o espelho dos desafios societais com que nos vemos confrontados noutros contextos.O FC Porto deu recentemente uma resposta ao primeiro desafio, o da sustentabilidade, sem comprometer aquilo que é o verdadeiro DNA de um clube com a sua grandeza. Com efeito, o espaço InZone, uma parceria entre o clube, a Escola Superior de Saúde do Politécnico do Porto, e uma empresa de apostas desportivas (Betano), foi mesmo distinguido com o prémio de acessibilidade da Associação Europeia de Gestão de Estádios e Segurança (ESSMA). A sala sensorial InZone possibilita que as pessoas com perturbação do espectro do autismo, disfunção do processamento sensorial, défice Intelectual ou doença mental possam assistir a jogos de futebol no estádio.
A relevância de criar espaços como o InZone é validada por vários estudos empíricos e modelos teóricos interdisciplinares que integram a psicologia, a saúde pública, a pedagogia, e estudos de inclusão no desporto, que apontam para a necessidade de ambientes adaptados para atender à diversidade de necessidades. Este espaço adaptado permite que adeptos com necessidades específicas disfrutem do jogo num ambiente confortável, controlado, seguro e com o mínimo de experiências de sobrecarga sensorial.
O Sporting, tudo indica, dará, enquanto não for possível obter o reconhecimento formal da habilitação plena seu novo treinador, uma resposta que cumpre os requisitos legais, colocando formalmente um treinador devidamente habilitado no banco da equipa.
No passado, o problema da deficiência e da doença mental foi abordado com as pseudoteorias do eugenismo, mas também com as fogueiras que procuravam combater de forma radical tudo aquilo que, na ignorância, se pensava ser a expressão do mal. O nosso conhecimento evoluiu, e procuramos hoje dar condições para que todos possam ser incluídos em todas as esferas da vida. De igual forma, em diversos planos, criamos regulamentos e percursos de formação validados, procurando proteger e desenvolver as pessoas, as organizações e a sociedade em geral. É por isso que certificamos médicos e psicólogos criando percursos formativos exigentes, baseados em conhecimento científico, e os preparamos para, com supervisão, ter a melhor garantia de que nos cuidarão naquilo que forem as nossas necessidades de saúde mais prementes. Fazemo-lo para proteger a saúde de cada um e de todos, porque fazemos parte de uma espécie que vive e prospera em comunidade e em cooperação.
A organização do nosso futebol, que investiu em estruturas físicas e formativas de alto nível, traduziu-se em resultados que são reconhecidos em todo o mundo. As nossas equipas de futebol competem internacionalmente com as melhores, porque formam e recrutam os melhores profissionais nesta área. Na procura de soluções de curto prazo, podemos correr o risco de regredir. Não podemos repetir práticas do passado, desvalorizando o conhecimento científico, ou contratando pseudoprofissionais. Veja-se o caso do coaching praticado por não psicólogos, ou das teorias holísticas, que já mereceram o parecer de ameaça à saúde pública por parte da Ordem dos Psicólogos. Precisamos de continuar a investir na criação de condições para que todos possam ter acesso aos espaços de cultura e de lazer, bem como oportunidades de formação que com rigor, e em tempo útil, preparem todos os profissionais que precisamos."
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