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quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Assobios e autogolos de bancada


"Há adeptos que precisam de aprender a jogar em equipa. Na última jornada, quando o FC Porto vencia pela margem mínima o sempre combativo SC Braga, a incerteza do resultado no final do jogo, e o receio de empatar de novo ao cair do pano, como acontecera frente ao Manchester United, motivou uma vaia com assobios à equipa. Ainda durante o jogo, Galeno reagiu à atitude impaciente dos adeptos pedindo que parassem com os protestos, e no final, quer o treinador, quer André Vilas-Boas, vieram a público defender os jogadores e pedir a cooperação dos adeptos.
Os assobios podem resultar apenas de alguma dificuldade em gerir expetativas, de alguma dificuldade em gerir as emoções. Daniel Goleman, o reconhecido psicólogo especialista em emoções, afirmou que para se mostrar maturidade emocional precisamos de desenvolver a capacidade de estender o intervalo entre o impulso e a ação. Estes assobios podem ser, por isso, apenas uma dificuldade de contenção, uma dificuldade em saber adiar o prazer, ou em saber como chegar ao prazer, no tempo certo. Como sabemos, isso pode prejudicar as relações. As relações humanas. E os resultados. E com isso a sustentabilidade. E o futuro da equipa e do clube.
Enquanto psicólogo desportivo, partilhei durante alguns anos a sala de reuniões do departamento de futebol juvenil do FC do Porto com André Vilas-Boas. Esperávamos para ser recebidos pelo Coordenador da Formação do FC Porto, o Professor Ilídio Vale, e nesse período, que às vezes era prolongado, preparávamos ou revíamos os assuntos que cada um, separadamente, pretendia abordar. No meu caso, as longas esperas eram recompensadas com a atenção plena do Prof. Ilídio e muitas, muitas perguntas. E isso era importante. Em vez de julgar, o meu interlocutor ouvia-me e fazia-me pensar, alertando-me para aspetos e dimensões que eu não tinha antecipado e tomando decisões mais informadas com as partilhas que obtinha.
Os adeptos também recebem os jogadores na sua sala. E podem escolher como os vão acolher. Podem escolher como vão comunicar e que tipo de relação vão estabelecer com aqueles seres humanos. Podem assumir que são treinadores. Podem assumir que são patrões ou colegas exigentes, apenas focados nos resultados, como aqueles que às vezes encontram nos seus locais de trabalho. Podem assumir que são clientes de um espetáculo, e que merecem uma entrega total dos profissionais contratados para aquelas duas horas de entretenimento. As bancadas são um extraordinário espaço de liberdade.
As evidências científicas mostram, porém, que os adeptos interferem na carga mental dos jogadores e que a natureza da interação afeta positiva ou negativamente, de forma significativa, a sua prestação. E os adeptos não interferem apenas no desempenho desportivo dos jogadores, como têm também potencial para impactar na sua saúde mental e na dos seus familiares.
A propósito da saúde mental, não resisto a partilhar uma reflexão da psicóloga Tatiana Ferreira que, referindo-se ao testemunho da judoca olímpica Bárbara Timo sobre o seu percurso como atleta, valorizou a "sua inspiradora história de resiliência e de compromisso e por trazer à discussão a importância de olharmos para a pessoa, reforçando a necessidade de investirmos, desde cedo, na literacia emocional e na normalização de se cuidar da saúde mental." No dia 10, esta quinta-feira, assinala-se o Dia Mundial da Saúde Mental. Cuidar da nossa saúde mental passa por saber olhar para si e para as suas necessidades, passa por desenvolver competências para ser capaz de enfrentar as dificuldades e os desafios do dia a dia, e tudo isto é mais fácil quando temos apoio. E quando somos capazes de pedir ajuda. Em casa, no trabalho, ou no estádio.
Os assobios de impaciência e as inscrições de protesto nos muros circundantes ao estádio podem nada ter a ver com o que se passa no relvado, podem ser apenas uma reação de descontentamento de alguns pela perda de protagonismo na vida e na gestão do clube. Se quiserem chegar longe, os adeptos portistas, deverão reconhecer que precisam de jogar em equipa apoiando os seus jogadores, e protegendo o seu bem-estar. O que é próprio da espécie humana é a cooperação. Quem não sabe esperar, quem não sabe apoiar, quem apela à divisão, quem pressiona ou intimida, pretende manipular emoções e sentimentos, e isso é marcar golos na própria baliza."

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