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terça-feira, 8 de outubro de 2019

Saco para bater à vontade

"Quando o ambiente deveria estar mais carregado para Conceição, por ter deitado janela fora 50 milhões de euros, é Lage que está a ser julgado no tribunal de rua

Se as duas principais referências do futebol do Benfica neste momento, Rafa Silva e Pizzi, na Selecção apenas detêm o estatuto de suplentes pouco utilizados, sobretudo o segundo, é porque algum défice qualitativo haverá no plantel encarnado, além de constituir prova inequívoca de ligeireza como foi abordada e substituição de dois elementos que há um ano desempenharam papel muito relevante na concretização de reconquista, Jonas e João Félix, ambos em meia época, mas que, no conjunto, valeram 26 golos.
Há, nitidamente, uma dependência excessiva daqueles jogadores e isso é preocupante por espelhar a dificuldade do colectivo em apresentar alternativas de acordo com as suas ambições desportivas.
Empolgado pela soberba afirmação futebolística do miúdo Félix, Lage ter-se-á iludido e não deu ouvidos ao que a prudência lhes sussurrou: miúdos há muitos, mas não como este, uma rara preciosidade, pelos golos que produz e pela arte que exibe, suscitando a eterna discussão sobre se deveria ficar mais um ano ou se, pelo contrário, o valor da sua venda foi argumento irrecusável. Claro que foi. O problema residiu, quanto a mim, na reorganização do plantel em função das saídas das peças mais talentosas e diferenciadoras. Essencialmente, o Benfica perdeu engenho e classe e ao tentar compensações na força e no músculo, adquirindo ou promovendo artífices de duvidosa aptidão, além de opção muito discutível, abusou da sorte e abriu antena ao ruído da discussão inútil.
Juntar no pilar central um Taarabt voluntarioso e trapalhão a um Fejsa vagaroso e limitado, em que cada qual jogo para si, é meio caminho para as coisas correram mal, como se tem verificado. Acrescentarei mesmo tratar-se de um equívoco completo porque o sérvio já não devia estar e o marroquino, além de não ser nenhum talento, aos 30 anos, já esbanjou tempo demasiado na sua carreira.
Admito que Lage veja nele chave para uma dificuldade concreta, mas deve moderar o entusiasmo quando se refere ao seu Adel, muita parra e pouca uva, ao mesmo tempo que continua a ostracizar Samaris, esse sim, o cimento de que foi construída a trave mestra do campeonato 38, primeiro com Gabriel e depois com Florentino. Isto, os adeptos sabem, porque viram, foram testemunhas dessa revolução triunfal e legitimamente interrogam-se: será que o grego treina-se mal? É rezingão? Provoca mau ambiente? Talvez um pouco de tudo, mas como quem tem a obrigação de explicar escolhe o silêncio é natural que se sujeite a comentários depreciativos que podiam muito bem ser evitados.
E a respeito de Zivkovic? Outro mistério, por se ver nele, com aquele prendado pé esquerdo, condições favoráveis para mais satisfatoriamente responder às adaptações que Lage já experimentou e fracassaram à nascença, exemplos de Gedson e Taarabt no apoio a Seferovic, outro que mantém uma conversação difícil com a bola.

Bruno Lage não vai cometer o erro de transformar o Benfica numa equipa de adaptados, nem recusar as mudanças que se impõem. Por isso, encaro mal esta vaga maledicente que pretende transformá-lo num saco no qual se pode bater à vontade sem receio de reacção, embora reconheça que foi um lapso de avaliação grosseiro pensar que saíam Jonas e Félix e tudo se resolveria com Tomás e Vinícius, sem mais nada.
Em relação à última época, por esta altura, nenhuma diferença significativa existe em comparação com o principal rival, FC Porto. Há um ano o Benfica tinha mais dois pontos, agora estão a par, mas a questão central é outra e quando o ambiente deveria estar mais carregado de nuvens para Sérgio Conceição, por ter falhado a entrada na Liga dos Campeões, deitando janela fora 50 milhões de euros coincidentemente com o maior investimento de sempre feito pelo dragão, como li em A Bola, na ordem de 60 milhões, para recuperar a hegemonia perdida para o Benfica, é o trabalho de Bruno Lage que está a ser julgado no tribunal de rua.
O treinador encarnado foi apanhado na corrente de ar provocada pelos que cobiçam o poder na águia - abro aqui um parêntesis por causa das mais recentes declarações do treinador da equipa B, desmesuradas e merecedoras de rápido e total esclarecimento interno - e tropeçou nas suas próprias dúvidas, o que é absolutamente normal, em relação às opções a tomar, ao nível da filosofia, da estratégia ou da táctica. Venceu, todavia, na batalha da comunicação. Conseguiu fazer prevalecer as suas regras, é verdade, mas exagera na teorização do conhecimento académico, a que o adepto comum liga pouco, em vez de se aproveitar dele na valorização da prática diária e virar o discurso na direcção dos temas que os destinatários querem ouvir: causas, responsabilidades e soluções, sem máscaras.

Fernando Santos - Cada caso é um caso. Em obediência a esse princípio, Fernando Santos fez bem em respeitar as suas convicções e convocar Rúben Semedo, apesar de tudo. Selecção que representa um país civilizado não é albergue obrigatório de todos os futebolistas sobretotados. Primeiro está a sociedade, os títulos vêm a seguir. A França deu o exemplo ao Mundo com Benzema. Sem ferir este princípio, Portugal privilegia igualmente a reinserção, objectivo capital de todas as políticas sociais: para Fernando Santos, primeiro estão os homens, os resultados vêm a seguir."

Fernando Guerra, in A Bola

2 comentários:

  1. Neste texto, escrito com a argúcia que lhe é peculiar, TUDO o que Fernando Guerra escreveu sobre as causas do atual (mau) momento da equipa principal do Benfica , faz vir ao de cima o que muita gente já há muito analisou...menos a maior parte dos que comentam na BTV. Claro que numa Televisão de clube é da praxe usar de uma certa deontologia , que faz com que se evite de "pôr os nomes aos bois", em direto. Mas não seria má ideia, entre comentadores da BTV, debater entre eles, após LEITURA do do seu texto.

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  2. O Guerra deu apenas a opinião dele. Por vezes acerta, outras nem por isso. Mas tem de escrever algo para manter a geringonça a funcionar.

    Aquela de escrever que "Rafa Silva e Pizzi, na Selecção apenas detêm o estatuto de suplentes", tentando provar a sua falta de qualidade, é de principiante, o que Guerra não é. Até porque é uma mentira grosseira. Que ele está farto de saber.

    Mas como tem de escrever algo e a imaginação não chega para mais…
    Os critérios e o estilo dos treinadores assim como as diferentes formas de jogar das equipas de repente deixaram de ser importantes.

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