"A face escondida do desporto pode ler-se pela descodificação do suor. O suor é um signo de uma contorção necessária do corpo para a expressão do prazer. O suor das práticas energéticas (maratona, BTT, desportos colectivos, triatlo, etc.) exprime o calor do corpo e a acção que procura vida. Ele exprime o vitalismo e a respiração corporal, que desperta o indivíduo e o sentido. “Molhar o fato, transpirar grande gotas de suor…”, facilitam a circulação de fluidos e a extracção das impurezas interiores.
O suor é um indicador de intensidade, revelando o grau de investimento aceite no esforço. Apresenta-se como a presença de um ingrediente indispensável para as imagens efervescentes. Esta substância visível, que se procura eliminar, não surge como nefasta e inútil, socialmente falando.
A relação dos odores da natureza, dos vegetais, dos objectos (sapatos, saco de ginástica, fogo, etc.) é uma forma sensível pela qual se constrói as trocas entre si, os outros e os espaços de prática.
Recordamo-nos que, em 2004, quando anunciámos que iríamos fazer um estudo sobre o karaté, um investigador nos disse: “vais passar a cheirar muitos balneários”. Sem dúvida! É preciso juntar a esta delação a dimensão do sensível pela qual se constrói os compromissos com uma determinada prática desportiva.
Lembramo-nos também de muitos praticantes de karaté nos dizerem: “se não suar no treino não fico bem comigo mesmo”. É como se o suor fosse um sinal de esforço, reconhecido pelos outros. O homem constrói-se em alteridade com os outros. Magnane, em “Sociologie du sport” (1964, pp. 67-68) conta uma história alusiva ao suor e à sua representação: “Numa tarde em final de Junho, fazia muito calor e nós estávamos a escorrer em suor. Um praticante, de profissão cozinheiro, antes do treino [de judo] já tinha transpirado enormemente no exercício do seu trabalho. Como o vi muito contente em suar, uma vez mais, fiquei admirado. Ele explicou-me: ‘É isto que eu gosto. Se fosse para um estádio, não fazer nada, seria para me divertir. Aqui [no centro de prática], eu venho trabalhar. Mas não é a mesma coisa que o trabalho. O que muda tudo’”.
De facto, o que muda tudo é a liberdade conquistada. Os praticantes vão treinar para suar, mas sobretudo para “trabalhar” na sua disciplina preferida. Nós ouvimos muitas vezes os praticantes de aikido dizerem: “no dojo chora-se [fazendo alusão aos duros e transpiráveis treinos] para depois nos rirmos no campo de batalha [os praticantes aludem a uma possível altercação de rua]”. Convencem-se e são convencidos que são invencíveis. Mas para isso é preciso suar.
Será que os marcadores socioculturais participam na declinação do campo odorífico, segundo os meios sociais de pertença?"
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