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sábado, 12 de maio de 2018

Sabe quem é? No lugar do bêbado - Gustavo Teixeira

"Morte do pai às mãos dos trauliteiros monárquicos fez dele futebolista; Menisco estragado mudou-lhe o destino

1. A estória contou-a Augusto Amaro em A Bola: Luís Costa, defesa do Benfica que estivera na conquista do Campeonato de Portugal de 30/31 ao FC Porto - a caminho de um jogo encontrou amigos em desenfreado que o desafiaram a uma taberna «só para um copito». Um levou a outro e outro a mais outro. O vinho era mais endiabrado do que se imaginara - e, já nas Amoreiras, vendo bola a vir, larga, pelo no ar, largou o grito de socorro a Pedro da Conceição: «Ai que eu vejo duas bolas! Vai tu a uma, que eu vou a outra». O guarda-redes, percebendo-lhe o «desconcerto», não mais deixou de andar à sua beira - para que se ele desse «pontapé na atmosfera», corresse em auxílio e blocasse a bola.

2. Ao dar-se o adeus do Luís Costa, chegou ele ao Benfica - por finais de 1932. Ainda médio fez o campeonato de Lisboa que o Benfica ganhou. Após estrondosa derrota por 8-0 com o FC Porto para o Campeonato de Portugal, Ribeiro dos Reis passou-o a back esquerdo. Foi um espanto, espanto que lhe deu ainda mais eternidade, como defesa antes do seu tempo: capaz de sair com a bola a jogar, não se dando a pontapés para a frente ou a correrias loucas, passando com finura, com finura cortando, marcando golos.

3. Nascera em Vila Real em 1908, chegara a Lisboa por agreste linha do destino: «Aos nove anos, fiquei órfão, trauliteiros monárquicos assassinaram o meu pai, que era republicano. O governo tomou os quatro filhos a seu cargo, a mim e ao António puserem-nos na Casa Pia. Em Vila Real, nunca jogara futebol, nunca vira um desafio. O que sabia bem era nadar, tinha aprendido no Rio Corgo».

4. Foi internacional na natação, antes de o ser o futebol. «Com 13 anos já estava na equipa escolar da Casa Pia. Cândido Oliveira jogava no Benfica mas continuava a aparecer muito pelo colégio, ensinava-nos a marcar os penalties, os livres, os corners, até nos jogos que fazíamos pelo pátio - e lá me levou, também, para o Casa Pia AC»-

5. Em 1928, o Sporting arrancou em digressão pelo Brasil - e, para seu reforço, pediu-o emprestado ao Casa Pia AC. Com «dois pés maravilhosos», fez «golos fantásticos de 30 ou 40 metros». Um jornalista brasileiro tratou-o como Pé de Ouro - e outro tratou-o como Príncipe do Chute.

6. Com Cândido de Oliveira chegara à selecção e jogo com a Bélgica em 1930 foi-lhe cruel: teve de abandonar o campo em braços - por lesão que o deixou largos meses sem jogar. Para voltar a jogar teve de fazê-lo sempre de joelho elástico, havia quem achasse que era superstição, mas não era.

7. Anos antes, ao saber que Jorge Teixeira decidira trocar o Casa Pia AC pelo Benfica - condenou-o, agreste, pela «fraqueza» - «fraqueza» que também o tomou (ou se calhar não): «Estava Ricardo Ornelas como nosso treinador, tive chatice com ele. Havia então, duas facções no clube,uma pelo Ricardo, outro era pelo António Lopes, o 4010. Ganhou a facção do Ricardo e eu, por solidariedade, com o 4010, decidi deixar o futebol - até porque o sofrimento que trouxera de Antuérpia não fugia de mim. Era o menisco, não se sabia nada disso, não se fazia a operação, jogava, inchava, aplicava apenas areia quente até quinta-feira, desinchava, tornava a jogar, a doer...»

8. Ribeiro dos Reis não deixou que  adeus se fizesse tão prematuro, convenceu-o ir para o Benfica: «Como me mostrava renitente, deram-me 8 contos pela assinatura». (6 contos era o que custava, então, rádio de salão) «No Benfica passei a ter massagista, o Dionísio Hipólito tratava-me do joelho estragado em Antuérpia como uma flor de estufa. Não fora isso e não teria sido nada do que fui...».

9. Tinha, além do fulgor do jogo, um carisma impressionante. Por isso, ainda com Vítor Silva em acção, para capitão de equipa o puxaram. «Castigo oficial não apanhei nunca, em 14 anos de bola. Bogalho multou-me uma vez. Por termos perdido com o Belenenses, castigou a equipa, a mim só me multou por o capitão ser eu».

10. Sempre que via companheiro em dificuldades financeiras, era o primeiro a ajudá-lo do seu bolso. Trabalhava como bancário na Rua do Ouro. Aos 31 anos, o joelho não aguentou mais, abandonou o futebol. Levara o Benfica a tricampeão da Liga, foi o primeiro capitão tricampeão da história."

António Simões, in A Bola

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