Últimas indefectivações

domingo, 6 de março de 2016

Tias Alice e Matilde

"1. À quarta foi de vez. De vez mesmo. O Benfica ganhou em Alvalade e assumiu a liderança da nossa Liga. Foi uma vitória muito importante. Determinante que não decisiva. Rui Vitória ganhou, desta vez, a Jorge Jesus. Jesus não soube, desta vez, parar o bicampeão e, também, o grego. E Mitroglou voltou a marcar, desta vez de forma determinante, após um extraordinário momento individual de Jonas. E Rui Vitória ganhou no momento e no tempo oportunos. O Benfica ganhou indiscutivelmente. Soube parar o Sporting de Jorge Jesus. E Rui Vitória mostrou que sabe montar equipas. Uns jogam alegremente. Outros jogam, como sempre, para serem campeões. Agora para serem tricampeões. E para que haja razões para comemorarmos. Desde logo em restaurantes que marcam e nos marcam!
2. Há dois restaurantes para mim emblemáticos. Pela simpatia e pela generosidade do acolhimento. Pela relação com os proprietários e pela ligação ao futebol. Um é a Tia Matilde e com o querido senhor Emílio e suas carinhosas filhas a mostrarem, sempre, a todos - a todos mesmo, mesmo aos ateus do futebol... - a disponibilidade aberta e a excelente garoupa com gambas. E sem esquecermos o gesto sublime de a mesa do nosso querido e saudoso Eusébio estar sempre pronta para o receber! E com todos, todos mesmo, do professor Eduardo Barroso ao amigo Manuel Serrão, a sentirem-se bem, muito bem mesmo, com o Luís e a dona Isabel, o Vasco e o nosso Tio Emílio. E com o Benfica a naturalmente dominar as atenções e a recordarmos, com saudade, o querido Eusébio permanentemente. Mas sportinguistas, portistas, bracarenses, vimaranenses, boavisteiros e tantas e tantos outros amantes da vida, e de alguns dos seus prazeres, a deliciarem-se com os sabores de uma cozinha singular. E a simplicidade dos homens e das mulheres que nos servem com um permanente e largo sorriso.
3. Um outro restaurante que me marca é a Tia Alice. Em Negrais. Com o seu leitão único. E com o seu arroz de miúdos que me delicia. E com a dona Alice, o senhor António e a expressiva Dona Silvéria a serem exímios na arte, aqui bem saloia, de receber. Com esmerada cortesia. Ali em Negrais, mesmo no adro de uma comunidade que se afirma permanentemente, sente-se o cheiro do leitão a assar. Entra-se na cozinha e vê-se um internacional do futebol português a ajudar no fabrico de uma iguaria que identifica um lugar, que provoca sã concorrência entre famílias e que busca sempre mais e diferentes mercados. Falo do Marco Caneira. E já com os filhos mais velhos - que são netos e bisnetos - a ajudarem na arte de bem servir e de melhor receber. E falo de uma casa esta Tia Alice, onde para alguns há a vontade verde de vencer e para outros o sentimento encarnado de triunfar. Na diversidade e sempre com hospitalidade singular!
4. Para mim cada jogo entre Sporting e Benfica é, também, e tal como na Tia Alice, um momento diferente. É rivalidade mas é igualmente partilha. É vontade imensa de vencer mas é, ao mesmo tempo, uma sensação de deixa andar. As unhas não são atacadas nem as minhas pernas se mexem tanto. Consigo olhar, apenas nestes jogos, os lances divididos de forma mais serena e os erros dos árbitros - que os há naturalmente - estão sujeitos a um barómetro acrescido de desculpa. Se ganho sorrio. Não gozo. Se perco, em silêncio cúmplice, aceito a piada. A mensagem irónica. Não me melindro. Em cada um destes confrontos, é o Pai de um lado e o Filho querido e único, do outro. E no meio por vezes o sabor ao leitão com aquele arroz que me delicia. Não é o Pai Fernando contra o Filho Alexandre. Nem, porventura, o Marco contra o António. É o Alexandre e o Fernando juntos nos estádios umas vezes ou sentados nos sofás. Mesmo que seja uma distância próxima a ou, como nos últimos anos, aquela distância imensa que vai de Lisboa a Luanda.
5. O Alexandre, o meu querido Filho, ajudou-me, desde o princípio deste milénio a olhar para cada clássico de Lisboa de forma diferente. Ele foi o verdadeiro embaixador do desportivismo! E cada um de nós interioriza, em cada confronto, que qualquer que seja o resultado final, o dia seguinte é a essência - que não o mercado! - do nosso prolongamento vivencial. A nossa tribuna de honra foi o jogo. Apenas o jogo. Já ganhei e já perdi. Como ele já ganhou e já perdeu. Já discutimos, a sério, lances e opções técnicas e tácticas. De muitos treinadores. Sempre transitórios já que as instituições é que são permanentes. Já discutimos decisões e omissões. Declarações e provocações. Mas nunca proclamámos a superioridade, fosse as sentidas verdades fosse o sentido de algumas mentiras. Nunca nos violentámos nas palavras e, em regra, tent(á)amos partilhar a tristeza daquele que saiu derrotado, particularmente naquelas circunstâncias mais dolorosas. Que já as houve. Sabendo que ontem foi o 298.º confronto entre dois emblemas que marcam a história do desporto e do futebol português. Nunca suscitámos a maldade mas não minimizamos o fervor. O fervor do triunfo. O sabor de uma vitória. E tendo mutuamente sempre presente aquela frase do extraordinário Ferenc Puskas no momento da derrota, em 1954, da forte Hungria frente à Alemanha: «Nós jogamos alegremente. Eles jogaram para ser campeões»!"

Fernando Seara, in A Bola

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