"- "Quero ver se o jogador que correu para distrair tirou o adversário da frente, ou se não teve efeito. A minha decisão inicial é ensaio, sim."
A inquirição é de Nigel Owens, que está calmo, não levanta a voz, a postura e os gestos são casuais, fala como se privasse com amigos em casa, no chá das 17h, e a conversa fosse sobre o que lhes apetece comer mais tarde, para o jantar.
- "Tenho o numero 6, de branco, claramente não em posição para apanhar a bola e bloqueia o adversário."
A resposta ouvida é de Marius Jonker, imagino-o também colector de toda a sua paz de espírito e serenidade, sentado numa sala, com monitores à frente e uma espécie de painel de instrumentos nas mãos, a rebobinar, abrandar e revirar os ângulos à jogada em que Tom Curry corre, parece pedir a bola, não a recebe, ultrapassa a linha do fora de jogo e choca contra o neozelandês que impede de tentar placar Sam Underhill, o inglês que marcou o ensaio que acabaria por não o ser.
- "Portanto, há obstrução. Não é ensaio."
Nigel Owens viu o que eu, você que me lê, as pessoas que estavam no estádio, em Yokohama, e toda a gente com uma televisão na sala ou internet no telemóvel também viu e ainda pode ver no Inglaterra-Nova Zelândia, das meias-finais do Mundial de râguebi. Ele era o árbitro e olhou para o ecrã gigante do recinto para assistir às repetições da jogada, como qualquer adepto, e ouvimo-lo a discuti-la com o vídeo-árbitro e, depois, a explicar o não-ensaio a Owen Farrell, o capitão inglês que escutou e aceitou, porque tinha preso à camisola essa fabulástica invenção da modernidade que é um microfone.
Depois de dois minutos e dezassete segundos de jogo - e relógio - parado, tomou-se uma decisão sem alaridos porque o râguebi também já conseguiu, há muito, chegar ao espantoso avanço da modernidade que é a transparência.
E um pouco de noção.
Foi bem menos tempo que os três minutos e trinta e dois segundos sem jogo, mas com o relógio a trabalhar, em que se viu Bruno Fernandes a chocar contra João Miguel Silva, a cair e a desencadear acções do mais futebolístico que hoje pode haver: o capitão do Sporting passou-se com o guarda-redes do Vitória, incendiou uma mini-zaragata, refilou com o árbitro, os adeptos em Alvalade assobiaram e ninguém no estádio viu o que o árbitro e o vídeo-árbitro foram ver.
Muito menos ouviram o que eles disseram um ao outro, pelos auriculares; quais os ângulos que escolheram para reverem a jogada; que opiniões tinham, que argumentos trocaram, como interpretaram o que viram.
Enfim, como sempre, ficámos do lado de fora do manto de opacidade que existe sobre as decisões e quem as toma, para o qual se criam programas, painéis, comentadores e carrinhas de canais de televisão com tecnologia para escrutinar o que se começaria a resolver, simplesmente, com uma atitude: lá está, a transparência.
O râguebi não a tem sozinho (a NBA é outro exemplo), mas, agora que tem o seu Mundial a jogar-se há mais de um mês, é boa altura para lembrar que quão maior for o silêncio e sigilo auto-imposto às decisões de quem arbitra, maior será o ruído a ser gerado à volta delas.
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