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quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Dos interinos e dos riscos do instantâneo

"A diferença entre um técnico assumidamente a prazo e um técnico implicitamente a prazo reside apenas no advérbio.

Significado de interino:
1) aquele que exerce funções durante o impedimento ou falta do funcionário efectivo;
2) não efectivo, provisório.
Em última análise, a segunda leitura traduz a vida de qualquer treinador de alta competição, independentemente do que estipula o contrato que assinou com a entidade patronal. Do mesmo modo, a primeira definição não descarta a eliminação, a prazo, do carácter transitório para transformar o cargo numa certeza, a certeza possível numa realidade tão dinâmica como o desporto de elite. A diferença entre um técnico assumidamente a prazo e um técnico implicitamente a prazo reside apenas no advérbio.
Olhamos para o futebol actual e facilmente percebemos que a esmagadora maioria dos treinadores tem os dias contados e que essa contabilidade é feita de resultados. Mas nem todos carregam o mesmo fardo, mais que não seja porque o capital de tolerância dos jogadores e adeptos vai sofrendo um processo de erosão em função dos anticorpos gerados num passado recente. Nesse sentido, não, por enquanto Bruno Lage não está submetido ao mesmo rolo compressor de exigências que acompanhou a primeira época de Rui Vitória ou de Jorge Jesus no Benfica, assim como Ole Gunnar Solskjaer terá, até ver, uma margem de manobra mais ampla do que tiveram José Mourinho ou Louis van Gaal no Manchester United.
Não está em causa a desaceleração da obrigatoriedade de ganhar, especialmente em clubes que lutam endemicamente por títulos, mas tão-só o contexto em que os interinos iniciam funções. Chamem-lhes bombeiros de serviço, destinados a extinguir o fogo para que um “arquitecto” possa, mais tarde, desenhar o edifício de raiz; chamem-lhes gestores de fortunas, convocados para reconduzirem as contas das competições ao verde e evitarem a desvalorização dos activos. No imediato, serão sempre uma solução de recurso, um maquinista escolhido já com a locomotiva em andamento, a quem não se pode pedir mais do que evitar o descarrilamento.
Luís Filipe Vieira não quis comprometer-se com uma janela temporal para Bruno Lage. Compreende-se. Assim como se compreende que a direcção do Manchester United tenha tornado público que Solskjaer ficava até final da temporada. Pelo menos... Porque o ainda treinador do Molde está a fazer tudo para complicar a vida aos decisores e para, à medida que vai ganhando jogos e conquistando os sócios (o recente triunfo no terreno do Tottenham contribuiu ainda mais para essa aproximação), inviabilizar o plano A de arrancar 2019-20 com um nome tão consensual quanto possível, para um projecto de médio prazo.
É este traço de transitoriedade, esta habilidade para moldar o significado das palavras, que faz do futebol um universo aliciante. Só à luz desta esquizofrenia é possível aceitar, por exemplo, que um treinador “roubado” a um Campeonato do Mundo, com um contrato milionário de três temporadas, aguente o barco do Real Madrid apenas durante dois meses e meio (estamos a falar de Julen Lopetegui, obviamente), ao mesmo tempo que um treinador interino, chamado de urgência em Março de 2012, concretize, 75 dias mais tarde, o maior sonho da história do Chelsea, ao erguer o troféu da Liga dos Campeões, em Munique (referimo-nos, claro, a Roberto Di Matteo).
É a capacidade de ganhar repetidamente que determina a duração da lua-de-mel, por muito que as direcções dos clubes mais prevenidos tenham na forja casamentos futuros. Que sentido faz puxar o tapete a quem, em situação de emergência, conseguiu levantar uma equipa do chão? Como explicar aos adeptos a decisão de abdicar de um treinador que repôs o barco a navegar contra ventos e marés, somente para obedecer a um planeamento criterioso?
Foi com este dilema que se debateu o Chelsea no arranque da época 2012-13 — e também o Liverpool um ano antes, perante a recuperação operada por Kenny Dalglish, ou o Leicester City em 2017, quando Craig Shakespeare assumiu o cargo. Em comum, muitas destas fábulas (de duração e sucesso variáveis) têm como protagonista um homem da casa, com um passado no clube que permita construir uma ponte sólida com os adeptos.
É uma espécie de fórmula instantânea para consumo imediato, mas que ultrapassa muitas vezes a condição de mero instrumento de gestão corrente das direcções. Uma solução que corre o risco de ganhar vida própria e resgatar as rédeas do próprio destino."

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