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terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Uma lua cor-de-rosa


"Estes começos de noite, estes fins-de-tarde, são macios e brandos aqui na varanda da Vila Leonor, montanha fabril-febril sobre Lisboa. As luzinhas em amarelo-torrado começam a abrir, uma a uma, nos lampiões das ruas, nas cozinhas, nos táxis, nas lojas de conveniência. Quatro focos rodeiam um campo de futebol nos Mártires da Pátria, devidamente enredado para a bola não cair em desvario de remate pouco certeiro na marquise de uma velhinha que limpa a solidão às flores. Vejo rabiscos de um rosa-luz nos céus dos telhados e estende-se, longilíneo, do Hospital dos Capuchos ao Miguel Bombarda, um fio invisível de loucura por cima de nós.
Uma cúpula aponta uma cruz para um avião que passa demasiado veloz, demasiado devagar, em direcção à Trafaria onde irá permanecer exactamente vinte e três segundos, virando depois lá ao fundo, quase em Sesimbra, para um regresso em curva à base que é a manta de retalhos que é Lisboa de fim-de-tarde, quase noite. Nas janelas das casas e prédios altos vão-se acendendo fogões e tachos com comida, sons de novelas e notícias com confirmações de muitos defuntos e ainda mais feridos. É branda e mansa esta hora que percorre os olhos e tritura docemente os cantos das coisas - leva e traz um aroma a gaivotas perdidas que se esqueceram de voltar ao mar.
Há sempre alguém que assobia no princípio da noite, como se estivesse chamando os lobos e os bêbados para os baixios desta maré. E outro assobio que responde, anunciando a presença. Levantam-se vozes entre as janelas e o jardim, gente que constrói histórias sobre o fim do dia e da noite que vem já a seguir - tudo isto sob a presença de deuses estranhos que se imaginam no levantar de uma nuvem ou naquele ramo de hortênsia que, sem razão aparente, se mexe e flutua no ar. Vidas disto, a toda a hora, a todas as horas. Homens e mulheres crespusculares lançados para uma vida gigante na qual se passeiam cheios de saudades do futuro.
Oiço uma bola aos saltos e uma voz de criança. "Tu és o Messi, eu sou o Cristiano Ronaldo, corre que eu vou chutar para ali!", e, talvez devido ao imberbe crescimento dos pés do jogador, a bola acaba em cima de um caixote do lixo que o craque, sempre oportuno, se apressa a colher nos braços e a levar para golo. Não sei a que propósito deixaram as crianças entrar aqui, neste universo de coisas pontiagudas e importâncias de marquises. Mas elas correm e riem, imaginam, fantasiam, deliciam-se, tão distantes do assobio a chamar para a tasca ou da conversa engravatada de elevador que sobe e desce e traz mais uma previsão equivocada sobre a meteorologia do amanhã.
Uma rua e um passeio servem para baliza, entre as rodas do carro está o golo, os vidros não devem existir porque não há o perigo de acabarem partidos e as vozes que se levantam neste fim-de-tarde, agora já quase-quase noite, devem perder o fulgor assim que homens e mulheres estrategicamente se vão sentando-deitando em sofás a olhar na televisão histórias que remetem para lágrimas amargas de corações que, sem saber, vão alugando a vida aos bochechos.
Não sei a que propósito - se há algum - joga o Messi no Ronaldo uma bola de praia enquanto mais um assobio vem do outro lado da rua e os cães conversam entre prédios uns com os outros em simbologias de latidos indecifráveis ao pobre observador. A felicidade do Messi quando atira para golo com efeito mesmo juntinho ao pneu traseiro-direito do Opel Corsa vermelho que é de um senhor que não conhecemos e que a esta hora deve estar sozinho a aquecer uma lasanha num micro-ondas ao lado de uma planta de plástico que não precisa de ser regada.
O Cristiano Ronaldo é mais bruto, remata em potência; a bola ataca ferozmente a jante e o grito metálico ecoa pelos prédios e sobe aos céus, galga a lua cor-de-rosa: "ao poste, ao poste!" e não sei descrever as alegrias e os risos histéricos que o Messi levou para casa quando a mãe o chamou para jantar e lhe puxou injustamente as orelhas por andar sem maneiras a atirar a bola contra a matrícula nova do carro do Senhor."

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