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terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Os erros e os méritos de Sérgio Conceição

"Se há característica que é uma raridade nos adeptos de futebol é a ponderação. Num clube grande, ganha contornos fatalistas a máxima de que um treinador está sempre à distância de duas ou três derrotas da demissão.
Ainda assim, não deixou de causar espanto a forma como Sérgio Conceição colocou o seu lugar à disposição após a segunda derrota numa semana frente ao Sp. Braga – perdendo a Taça da Liga depois de comprometer o campeonato.
Divisões internas não se resolvem em público. No entanto, evocando-as, há que ser explícito. Uma mensagem dúbia deixa margem às mais diversas interpretações.
Há críticas, naturalmente.
A equipa do FC Porto joga muitas vezes de forma previsível, assente na dimensão física dos jogadores e no ataque à profundidade, num futebol de combate cujo exemplo máximo é Marega. Mesmo quando chega com facilidade ao último terço, revela carências na definição. Mostra também dificuldades em lidar com as transições ofensivas dos adversários, tornando-se evidente o vazio deixado por um central veloz e implacável no desarme, capaz de cobrir amplos espaços, como era Éder Militão. Sacrifica o seu jogador mais criativo (Corona) ao lugar de lateral-direito, apesar de em época e meia ter contratado quatro jogadores para a posição sem que nenhum se aproximasse minimamente do rendimento de Ricardo Pereira. Para lá disso, mais recentemente, a equipa parece voltar a apostar num meio-campo a diesel, sobretudo quando junta a Danilo, limitado fisicamente, Sérgio Oliveira.
Estes e outros erros poderão ser apontados (ou não, consoante as opiniões) a Sérgio Conceição, tal como outros – da posse de bola estéril à incapacidade de chegar a zonas de finalização – o foram a Nuno Espírito Santo, Lopetegui ou Paulo Fonseca.
Em todo o caso, mesmo deixando já de parte as duas épocas anteriores (cuja análise foi feita aqui), noutro prato da balança têm também de pesar os méritos inequívocos do treinador.
O FC Porto terminou a primeira volta com 41 pontos, em linha com o que o Benfica alcançou nos três últimos campeonatos que conquistou: 40 em 2015/16, 42 em 2016/17 e 39 em 2018/19.
Em termos de impacto negativo nos resultados, tanto desportivos e financeiros, o grande desaire aconteceu em Agosto, na pré-eliminatória da Liga dos Campeões frente ao Krasnodar. Uma derrota com um rombo potencial de 80 milhões de euros abala qualquer estrutura e marca de forma profunda, no mínimo, o resto da temporada.
Quanto ao resto, o FC Porto encaminha-se para pela segunda época consecutiva estar nas finais das duas taças nacionais – embora não seja de menorizar a forma como as tem perdido.
Posto isto, o grande problema para Sérgio Conceição é que o Benfica de Bruno Lage está a fazer um campeonato absolutamente anormal (51 pontos, 48 no fim da primeira volta), tendo perdido apenas um jogo, precisamente para os dragões. E o ainda maior problema para o FC Porto é o de não ter as mesmas armas do que o Benfica, que, por exemplo, pode permitir-se a contratar a meio da época um médio ao Borussia Dortmund por 20 milhões de euros.
Um dos grandes méritos de Conceição é o de ter recuperado a identidade de equipa ultracompetitiva. Um grupo onde exigência e compromisso não faltam e que se mostra capaz de disputar diversas frentes, mesmo depois da saída de meia equipa titular, como aconteceu no início da época.
Outro dos méritos de Conceição é a inequívoca identificação com o ADN do clube, algo sublinhado pelo próprio presidente Pinto da Costa com a recente comparação a José Maria Pedroto.
Mesmo o adepto mais crítico valoriza como Sérgio Conceição coloca os interesses do FC Porto acima da preservação de uma boa imagem ou lhe descortina uma preocupação indisfarçável com os próximos passos da sua carreira, ao contrário do que era perceptível em quem lhe antecedeu.
Aliás, em Conceição mesmo alguns dos excessos são enquadrados como a encarnação de um lema escrito nas paredes do Olival, qualquer coisa como «Adoramos os que detestam perder».
É também por isso que uma eventual rotura, sobretudo no momento actual, deixaria ambas as partes a perder.
Num momento em que não dispõe das mesmas armas do que o grande rival, o FC Porto não pode dar-se ao luxo de prescindir de competitividade e identidade.
No fundo, com um futebol umas vezes mais avassalador, outras mais claudicante, essa garantia Sérgio Conceição sempre deu."

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