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quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Em defesa do desinteressante

"Como uma competição abjecta do ponto de vista desportivo e altamente comercial pode ajudar a melhorar o futebol europeu.

Talvez envergonhados pela pouca popularidade com que foi recebida a ideia de um plano para a formação de uma Superliga Europeia e o completo arraso mediático que a competição sofreu, por parte de media e adeptos, rapidamente os maiores clubes envolvidos na situação se demarcaram da mesma. O Bayern Munique, por exemplo, ameaçou mesmo o Der Spiegel com acções judiciais pela disseminação daquilo a que chamaram “fake news”.
As “fake news” são um problema do jornalismo e da sociedade. Sempre o foram. Não é de hoje que os meios de comunicação se escudam na “liberdade de expressão” e no direito à anonimidade das fontes para escrever o que bem lhes apetece. Algo que, enquanto jornalista, me incomoda. O que durante anos de jornalismo não teve propriamente uma nomenclatura ou uma definicação, ganhou nos últimos meses um conceito associado e as “fake news” passaram a ser, realmente, um problema concreto.
O Football Leaks e, por consequência, todos os meios de comunicação que investigaram a nova leva de documentos tornados públicos, porém, em nada estão relacionados com “fake news”. Eles existem e os planos para a criação de uma SuperLiga Europeia realmente aconteceram. Esta não pretende, ainda assim, ser uma discussão relativa a um desafio dos tempos que correm - em muito exponenciada pela Era das redes sociais em que vivemos -, ou uma discussão relativa às práticas do jornalismo. Haverá tempo e espaço para isso noutro contexto.
Dentro do completo desinteresse que tenho pela criação de uma Superliga Europeia, é possível encontrar-se racionalização para que ela exista, de um ponto de vista desportivo, até, mesmo que as razões que a ela levam sejam a ganância financeira dos clubes em questão, há muito em pé de guerra com a UEFA devido aos prémios e vagas atribuídos aos clubes das maiores ligas europeias nas competições do organismo que tutelam o futebol europeu.
Sim, a Superliga Europeia seria uma competição altamente capitalista, mas que até poderia ajudar o futebol europeu no seu todo. E diz isto alguém que nem sequer é particularmente adeptos das competições internacionais, é um fiel defensor das competições nacionais - sejam de que país forem - e mais facilmente se apanha a ver um jogo de um campeonato periférico - principalmente se forem divisões inferiores de Inglaterra - do que um jogo da Liga dos Campeões e, seguramente, do que um jogo da Liga Europa, se assim o calendário permitir.
A Superliga Europeia, porém, mesmo sem a presença dos clubes portugueses, permitiria ao futebol europeu ganhar todo um outro fulgor. Razão principal pelo meu desinteresse pelas grandes ligas europeias é a sua falta de competitividade e total dicotomia entre clubes de topo e clubes de fundo da tabela, que me levaram a procurar outras competições onde o futebol praticado pode ser igualmente bom e cuja valência entre equipas é quase universal. Não é por acaso que o Championship ou a Liga MX, segunda divisão inglesa e primeira divisão mexicana, respectivamente, são as minhas duas ligas preferidas.
Pessoalmente não sinto qualquer fascínio em ver uma equipa campeã nacional durante vários anos seguidos, não sinto particular fascínio no estabelecimento de dinastias, não me entusiasmo com atropelos sucessivos dos grandes clubes sobre os seus concorrentes mais modestos e muito menos me entusiasmo com os constantes “autocarros” estacionados por estes para que tal não aconteça. A competitividade, sim, é o grande desafio do futebol actual e a criação de uma Superliga Europeia e, numa análise racional, permitiria que as principais ligas europeias se tornassem mais competitivas. 
Dificilmente me apanhariam a consumir os jogos dessa competição, é certo, mas ao mesmo tempo o meu interesse por muitas das restantes competições nacionais poderia crescer e é por isso que apesar de não defender propriamente tal alteração tão profunda na estrutura do futebol europeu, até consigo compreender o êxodo dos maiores clubes europeus de um ponto de vista desportivo. Não porque o meu interesse pela competição em si exista, mas por aquilo que pode significar para os campeonatos nacionais.
Não é, sequer, certo, que a perda dos maiores clubes locais para uma liga europeia signifique o colapso financeiro das competições nacionais devido a uma aparente menor atractividade da competição. Estou seguro de que há uma larga parte do público do futebol que se identifica com a minha linha de pensamento, e competições como as ligas desportivas americanas, o Championship e a Liga MX são exemplos comprovados disso. Ligas que fazem da sua competitividade imagem de marca e que prosperam em função dela, tornando-se atractivas exactamente devido a essa competividade. Foi, aliás, assim, que a Premier League se vendeu ao ponto de hoje ser a liga nacional mais popular no Mundo, mesmo que a competitividade desta seja algo ficcional - tal qual a própria Liga dos Campeões. Produtos de marketing, do que verdadeiros sucessos desportivos e competitivos. 
Apesar da cultura do ídolo e da hegemonia, que faz parte do desporto, e do futebol em particular, creio ser a competividade o factor diferencial para o sucesso de uma competição desportiva. Exceptuando Espanha, onde as figuras Real e Barça vendem a liga por si só, é a ausência de competividade que anula a possibilidade da Bundesliga e em especial da Liga Francesa darem o salto definitivo para serem competições verdadeiramente populares a nível internacional. A própria Serie A é um exemplo disto. A hegemonia da Juventus retirou popularidade à competição, além de tudo o resto, e ainda hoje se suspira por aquela Serie A dos anos 90 que fazia dela a melhor liga do Mundo. 
A razão, para isso, era uma: competitividade. É isso que as pessoas querem, que as pessoas ainda procuram e é isso que a criação de uma Superliga Europeia permitiria. Pouco me importa a competição em si, como digo. É o que ela poderia representar para o futebol a nível europeu que me leva a defender o desinteressante. Até lá? Vou-me ficando pelo Championship e pela Liga MX, claro."


PS: Explicar a um jornalista o conceito de fake news não devia acontecer, mas... infelizmente temos que o fazer!
Aquilo que o Bayern chamou fake news, foi a forma como o leak foi retirado do contexto, nas primeiras páginas dos jornais! O relatório existiu, mas o projecto da SuperLiga nunca foi um acontecimento iminente...

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