Últimas indefectivações

sexta-feira, 28 de abril de 2017

E se você, leitor, for parte da solução?

"O futebol português chegou a um ponto crítico e não há inocentes: todos somos culpados de levar o espectáculo fora das quatro linhas para o canto perverso em que se encontra.
Jogadores, treinadores, dirigentes, adeptos, jornalistas, ninguém pode ser absolvido.
Mas por partes.
Os jogadores, por exemplo, são culpados por cederem o palco a figuras de interesse duvidoso. Basicamente vendem o direito constitucionalmente declarado de liberdade de expressão: um direito defendido até pela declaração universal dos direitos do homem.
Por que o fazem? Naturalmente por dinheiro.
São demasiado bem pagos para não aceitarem as cláusulas que lhes impõem a obrigação de não fazer declarações públicas sem autorização prévia. Entre um bom contrato e a liberdade básica de expressão, preferem o primeiro.
E mesmo quando falam, não dizem o que pensam nem sequer o que querem dizer: dizem o menos possível, para não perturbar a entidade empregadora. É um direito deles.
Enquanto isso, lá está, cedem o espaço mediático a figuras de interesse duvidoso, e com isso acaba por não se falar de futebol: fala-se de suspeição, ódio e conspiração. É pena.
Nesta altura entram nesta equação os dirigentes.
São, em boa parte, pessoas sem formação e que se deslumbram com a faculdade de manipulação das massas que o posto lhes confere. Deixam-se embriagar pelo poder e sentem uma necessidade vertiginosa de estar sempre nas manchetes.
O delírio do poder é tão grande que acabam até por subverter o próprio princípio básico da democracia: para eles o importante não é serem sufragados pelo trabalho que fizeram, o importante é eternizarem-se no poder enquanto for vontade própria.
Para isso enchem os sócios de teorias absurdas, desculpabilizam fracassos atacando rivais, criam teorias da conspiração, enchem o futebol de ódio, rancor e suspeição.
Manipulam as massas de forma a manter a popularidade e garantir uma reeleição. Como? Criando uma barreira entre nós os bons e eles os maus, nós os leais e eles os corruptos, nós os íntegros e eles os violentos. Raramente, portanto, falam com honestidade.
Podemos contar com eles para tornar o futebol um local mais respirável? Claro que não.
Seguem-se os jornalistas, talvez os maiores culpados do ar irrespirável que se sente à volta do futebol português: felizmente dentro do relvado não é assim.
Os maiores culpados por uma razão simples, porque ser jornalista é fazer escolhas. É recusar ser pé de microfone e decidir não publicar o que lhe parece não ser notícia.
Felizmente trabalho num jornal que não tem antigos árbitros a analisar lances, que raramente fala de arbitragens e que não dá voz a dirigentes: não escreveu, por exemplo, uma linha das declarações dos últimos dias de Bruno de Carvalho ou Pinto da Costa, e apenas divulgou uma pequena passagem em que Luís Filipe Vieira falava do dérbi.
A linha editorial é só escrever o que os dirigentes dizem da gestão interna dos próprios clubes. Mas infelizmente não somos a regra, somos a excepção.
 Porquê? Quero acreditar que tem muito a ver com a crise na imprensa.
Ainda há dias a Cofina - do Correio da Manhã e Record - despediu 55 pessoas. Há dois anos foi a Controlinveste, de O Jogo, JN e DN. Para o próximo ano pode ser o Público, A Bola ou o Maisfutebol. Sejamos claro: os jornalistas vivem com a corda no pescoço.
O caso da Cofina é paradigmático. Não despediu 55 pessoas porque teve prejuízo, despediu-as porque caiu 14 por cento nos lucros. Teve um lucro de dois milhões de euros, mas para os administradores isso é pouco, significa que não estão a gerir bem a empresa e por isso a solução é despedir pessoas, cortando nos custos com o pessoal.
O que exigem é que os jornais aumentem os lucros, tendo menos gente para trabalhar. Como isso é possível? Não é seguramente fazendo um melhor jornalismo, até porque têm menos meios para isso. A solução é plastificar: dar mais polémicas e sensacionalismos. 
Vamos culpar os jornalistas por isso?
Vamos pedir ao jornalista que viu o colega ao lado ser despedido - e que sente que da próxima vez pode ser ele -, que discuta com o chefe de redacção ou com o director que o jornal não deve publicar um presidente a lançar suspeições sobre outro?
A pirâmide de Maslow explica tudo isto muito bem: ninguém pensa em roupas bonitas quando não tem comida na mesa. Chama-se instinto de sobrevivência.
O que sobra, afinal?
Sobram os adeptos: não aqueles adeptos que vão a todos os jogos , que têm bilhetes mais baratos, transporte pago pelo clube e espaço na bancada para desenvolver actividades de legalidade duvidosa. Sobra o outro adepto, aquele que não ganha nada com o jogo: a não ser uma alma cheia e um sorriso nos lábios.
Sobra você, leitor, que se me está a ler é porque gosta de futebol, caso contrário estaria a discutir a liga da verdade num fórum qualquer. Sobra no fundo você que recusa ser carne para canhão, recusa ser mais um número para as audiências, recusa ser parte da manipulação de massas.
Você que é pai, ou vai ser pai, e não quer que o seu filho seja educado num ambiente de guerrilha como este: um ambiente pesado, cinzento, depressivo. Não quer, enfim, que o seu filho um dia só saiba discutir futebol pelo prisma da arbitragem, sem perceber a beleza do jogo, porque foi a isso que foi habituado durante anos.
Por isso, da próxima vez que alguém quiser comentar a última provocação de Rui Gomes da Silva, diga que não vê esses programas.
Da próxima vez que alguém quiser discutir uma boca de um dirigente, diga que gosta demasiado de futebol para estar a comentar política: mas que está disponível para falar da surpresa que foi aquele livre de Lindelof.
Que está disponível para dividir um garrafa de vinho em torno das memórias que o levaram a apaixonar-se por um clube, que está disponível para jantar enquanto veem o próximo jogo, que está disponível para celebrar o futebol como a amizade: de espírito livre e alma cheia.
Porque só assim é que o futebol faz sentido: no pedestal de jogo mais bonito do mundo."


PS: Como não podia deixar de ser o 'escolhido' para representar os 'maus-paineleiros', foi o Rui Gomes da Silva... senão fosse ele, seria o Pedro Guerra, e se não fosse ele seria o André Ventura...!!! Estes 'tiques' são difíceis de disfarçar...

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