Últimas indefectivações

domingo, 9 de outubro de 2016

Carta ao Toni

"E a tua vida é uma vida cheia. É e será. Por muitos e muitos anos. De luta e não de fuga. De entrega e de fidelidade. De doação e de paixão.

Meu caro e Bom Amigo,
Na próxima sexta feira comemoras setenta anos. Linda idade. Há trinta entraste nos enta. Como outros e outras. Que também aqui felicitamos. Escrevo-te na noite desta sexta-feira. A uma semana de um dia relevante da tua vida. Acabámos de golear Andorra, a Suíça de ganhar na Hungria - muito cuidado com a Suíça que apenas defrontamos de amanhã a um ano... - e Cristiano Ronaldo marcou quatro golos em Aveiro. O que importa registar e sublinhar. Como felicitar vivamente, também aqui, António Guterres pela sua designação para Secretário Geral das Nações Unidas. Acabei de te falar e dizias-me que quase estás no teu regressado à infância. Quase à lareira do teu passado. Estás nas tuas origens, no teu centro, no teu espaço originário. E tendo presente a muito justa homenagem, importa registar e sublinhar, que a nossa Federação de Futebol suscitou, antes do jogo frente a Andorra, ao saudoso Senhor Mário Wilson, recordei, a partir de horas de fraterno convívio com o Doutor João Rodrigues, a as estórias da tua contratação pelo Benfica e vieram-me em simultâneo à lembrança outras histórias que em múltiplos momentos tive o privilégio - sim o privilégio! - de te ouvir contar. Algumas no Lisboa à noite. Outras na Tasca do Manel. Outras no velho e outras já no novo Estádio da Luz. Entre outros locais e paragens. Neles, nesses relatos, estão figuras e factos, prazeres e dores, lugares e jogos, momentos e circunstâncias, golos e falhanços, disputas e leituras, prantos e lágrimas, convívios e até dívidas. E também, digo eu, enganos e desenganos. Mas nelas, nas histórias e nas estórias, sempre está o jovem estudante de Direito da Universidade de Coimbra de 1967. e também o finalista do INEF, o antecessor da actual Faculdade de Motricidade Humana. Mas sempre está também a jovem da Académica, uma equipa única, de uma fraternidade singular. Como igualmente o cidadão comprometido, socialmente empenhado. Como Vítor Manuel, com a sua energia única e a sua imensa memória, nos relembra e ensina em permanência. Recordo que o saudoso Senhor Meu Pai me dizia, e escrevia, maravilhas acerca dessa equipa e guardo religiosamente um exemplar dos Estatutos da ATAC - Associação dos Teóricos da Académica de Coimbra - que estabelecia nos seus bem elabirados artigos algumas preciosidades que bem úteis seriam, em luta terrível de audiências, neste tempo de convulsão nas análises e nos comentários contemporâneos. O artigo primeiro era eloquente: «Dizer sempre bem da AAC/OAF». O segundo, em curtas alíneas, bem sugestivo: «Nunca estar de acordo com o treinador e seus adjuntos e também os jornalistas desportivos». E o terceiro na sua alínea e) consagrava um principio de todos os tempos: «Dizer sempre mal dos árbitros que eram sempre»! Creci, ali em Viseu, para lá da Serra do Caramulo, nesta síntese entre a Académica e o Benfica. Entre a forte equipa dos estudantes e o grande Benfica europeu. E com o saudoso Senhor Meu Pai a liderar, com orgulho, o Viseu e Benfica. E relendo um guardado artigo de Eduardo Lourenço, como sempre a partir de Vence, confessando-se do Benfica mas proclamando que nessa época quando o Benfica vinha a Coimbra o meu dilema era ficar neutro. Os intelectuais e as suas confissões... desportivas! Ora a tua neutralidade, como a do nosso saudoso Velho Capitão, foi sempre, no limite, e como outras, uma neutralidade colaborante. Do Benfica e colaborando com a Académica. No sentir e no servir. E são estas imensas relíquias de afectos e também de saudosas lembranças em relação ao saudoso Senhor Mário Wilson que me fez reler Alain que nas suas Considerações sobre a Felicidade nos ensina que «quanto melhor se enche a vida, menos se tem medo de perdê-la». E a tua vida é uma vida cheia. É e será. Por muitos muitos anos. De luta e não de fuga. De entrega e de fidelidade. De doação e de paixão. De inocência e de necessidade. De personalidade e de oportunidade. Também digo oportunidades. De reputação e de reconhecimento. «Chamam-me Toni-do-Benfica e isso para mim não tem preço»! Não tem preço mesmo, acredita. E a tua rica história de vida é a história de quem de Mogofores a Lisboa, de Coimbra ao Egipto, de Portugal ao Irão profundo vive sem qualquer sombra assombro da morte. Da morte que esta semana nos levou, com o reconhecimento geral, o Senhor Mário Wilson, aquele que te considerava o seu filho branco. E ao escutar, bem comovido, na passada sexta feira, o seu querido filho Mário Wilson Júnior, o mais velho dos seis filhos do Velho Capitão, do querido Buda, recordei um poema singular de um dos maiores Poetas - sim em letra maiúscula! - portugueses vivos, Manuel Alegre, em honra do teu Pai moçambicano, que termina assim:
«... E então o impossível era possível
ele era o capitão
para mudar não só o jogo mas a vida»!
E é esta vida, com múltiplas venturas e muitas alegrias - és, recorda, o único treinador português a levar o Benfica à final de uma Taça dos Campeões Europeus! - que vamos saudar. Que queremos saudar! E o nosso saudoso Velho Capitão, já no Céu que decerto o acolheu e penteando e afagando a sua linda e sugestiva barbicha, não deixará de te cumprimentar, na próxima sexta feira, ali bem perto do final do jogo da Taça de Portugal que o vosso - e nosso - Benfica disputará com o 1.º de Dezembro, como o capitão democrático - sim tu foste eleito capitão do Benfica por voto dos jogadores e alcançaste uma vitória bem esmagadora (95%) - e dizer-te, numa palestra bem mais curta, para leres Séneca e o seu Da vida bem aventurada e, em particular, este pedaço delicioso: «Uma felicidade que nunca foi maculada há-de sucumbir ao mínimo golpe; mas quando chega o momento de defrontar dificuldades interessantes, a provação passada fortalece-nos, oferecemos o peito a todos os males e, ainda, que estrebuchemos, mesmo de joelhos continuamos a lutar». Sempre a lutar. É um dos teus lemas. Como bem nos recorda, a cada instante, o nosso comum Amigo, e como tu também ilustre patriarca, Joaquim Barbosa. Lutar e não fugir. E foi o que tu sempre fizeste, meu Bom Amigo. Sabendo sempre amar e também perdoar. Combinando sempre simplicidade com sinceridade. Com verdadeira autenticidade. Com verdadeira autenticidade. Mas sempre, sempre mesmo, com imensa e intensa vontade de viver. Na próxima sexta feira comemoras, com os que te são mais Queridos, setenta anos. Que vitória meu Caro e Bom Amigo! Que grande vitória! Que imensa alegria! Aceira já hoje um abraço bem apertado do...
...Fernando Seara."

Fernando Seara, in A Bola

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