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sábado, 20 de dezembro de 2025

FC Porto: nem o silêncio é virtude, nem a crítica merece castigo


"O futebol português voltou, esta semana, a ser palco de uma decisão disciplinar que merece reflexão séria. O FC Porto foi sancionado pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol com uma multa superior a 15 mil euros, na sequência de uma participação apresentada pela APAF, tendo por base um comunicado oficial dos Dragões, divulgado após o chamado caso Fábio Veríssimo.
O comunicado em causa - importa sublinhá-lo - não surgiu no vazio. Resultou de um contexto concreto, amplamente noticiado, em que o árbitro Fábio Veríssimo alegou ter sido alvo de uma tentativa de pressão no intervalo de um jogo, circunstância prontamente difundida nos meios de comunicação social. Perante esse enquadramento, o FC Porto reagiu institucionalmente, expondo a sua posição, descrevendo factos, questionando procedimentos e criticando critérios.
Uma leitura atenta do comunicado revela algo que não pode ser ignorado: o FC Porto afirmou expressamente que iria apresentar participação disciplinar junto das instâncias competentes, por entender que determinados comportamentos justificavam apreciação disciplinar. Ou seja, o clube não se limitou a criticar, anunciou o exercício de um direito que lhe assiste, nos termos dos regulamentos desportivos: o direito de participação disciplinar.
Este ponto é absolutamente central. Participar disciplinarmente não é um ato abusivo nem ofensivo; é um mecanismo legítimo de tutela institucional, previsto e reconhecido pelo próprio sistema federativo.
Mais: anunciar publicamente essa intenção não constitui, por si só, qualquer ilícito. Pelo contrário, insere-se na normal transparência da atuação de um clube de dimensão nacional (para o que aqui releva), sujeito a escrutínio público permanente.
Ainda assim, foi precisamente esse comunicado - que descreve circunstâncias, manifesta discordância, anuncia a intenção de recorrer aos meios disciplinares e formula crítica institucional - que deu origem à queixa da APAF e, subsequentemente, à sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina.
É aqui que deve surgir a inquietação no futebol português. Que mensagem transmite uma decisão disciplinar que pune um clube por exercer - e anunciar - um direito que o próprio ordenamento desportivo lhe confere?
A leitura que inevitavelmente se impõe é a de que esta decisão acaba por coartar, de forma indireta, mas eficaz, o direito de participação disciplinar e o direito à crítica, ambos pilares de um sistema que se quer transparente e democrático.
Os árbitros são, convém recordá-lo, seres humanos, falíveis e mortais. Exercem uma função num contexto de enorme pressão mediática e emocional. Isso não os desqualifica - mas também não os coloca numa redoma imune à crítica. O escrutínio faz parte da função. Sempre fez. Sempre fará.
A este ritmo, corre-se o risco de a APAF deixar de ser percecionada como uma associação representativa e passar a ser vista, com inevitável ironia, como a Associação Portuguesa dos Amuados do Futebol - excessivamente sensível à crítica e pouco disponível para aceitar o contraditório.
Mas mais grave do que essa perceção é o papel das instâncias disciplinares que, ao sancionarem este tipo de comunicados, legitimam uma visão restritiva da liberdade de expressão, colidindo com o artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa. A crítica, mesmo firme, incómoda ou contundente, não se confunde com ofensa, nem pode ser tratada como infração disciplinar apenas porque desagrada.
Punir quem critica, descreve factos ou anuncia o recurso aos meios legais disponíveis não protege a arbitragem. Fragiliza-a. Cria um efeito dissuasor, incentiva a autocensura e empobrece o debate público no futebol, um fenómeno que é, goste-se ou não, de interesse geral.
Não é necessário proibir a crítica para a eliminar; basta criar um ambiente em que quem fala sabe que pode ser sancionado. O resultado é o medo. Um medo que já é visível no futebol português. Ainda ontem à noite, após o jogo entre o Santa Clara e o Sporting, o presidente da SAD do clube açoriano rematou, dizendo: «Eu e todos do Santa Clara vamos, por ordem minha, permanecer em silêncio, já que tenho medo de que, se falar o que penso, o nosso clube possa ser ainda mais prejudicado do que já foi.»
A arbitragem não se fortalece com silêncio imposto nem com sanções exemplares. Fortalece-se com competência, coerência, transparência e abertura ao escrutínio.
Não podemos ter árbitros de porcelana."

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