"Dizem que os resultados são a garantia de estabilidade e continuidade ao serviço de um clube. Mais de continuidade do que estabilidade, sejamos honestos, mas ambos os conceitos acabam por ser indissociáveis.
Mesmo sabendo que ao mais alto nível tudo acaba por apontar ao mesmo objectivo macro (alto rendimento) e ao mesmo objectivo micro (cumprimento de objectivos), defendo e acredito que há sempre algo mais para lá dos resultados a poder segurar, manter e projectar um treinador dentro daquele que é o seu contexto.
Não descurando a importância de uma Direcção capaz de ser escudo e porto de abrigo quando os resultados tardam em aparecer, penso que a peça-chave mais importante desse algo mais é o treinador e a sua equipa técnica.
Pela forma como continuam a acreditar no processo quando as vitórias surgem em menor número do que o desejado. Pela maneira como se mantêm fiéis aos seus ideais e princípios mesmo quando interna e externamente a pressão começa a atingir níveis insuportáveis. Pelo modo como são intelectualmente honestos, para dentro e para fora, a propósito do que está bem e menos bem, do que já evoluiu, do que estagnou ou do que regrediu. Pela convicção de seguir o rumo traçado e o caminho idealizado, mesmo quando tudo parece apontar para o fim da linha.
Surge isto a propósito de Ruben Amorim e César Peixoto. Dois treinadores portuguesas de uma nova geração de líderes que acreditam em si e nos seus, no matter what. Dois treinadores de convicções firmes e fortes, que outrora foram rotulados de flop, mas que souberam manter-se fiéis a si mesmos, acabando agora por colher os frutos de uma sementeira difícil, mas (creio) prazerosa.
Findo um ano terrível em Inglaterra, Amorim foi recentemente agraciado com o prémio de Melhor Treinador do mês de Outubro na Premier League. Um marco na carreira de um homem que até há bem pouco tempo estava bem cotado nas casas de apostas britânicas como um dos potenciais treinador a conhecer a demissão na liga mais espectacular do mundo.
O que mudou no Manchester United nas últimas semanas para que Ruben Amorim e a sua equipa técnica fossem reconhecidos pelos seus pares? À primeira vista, apenas e só os resultados. Os quais foram positivos de forma contínua e consistente, uma raridade nos red devils desde que o treinador luso deixou Alvalade para rumar a Old Trafford.
Essa consistência contínua é o reflexo natural da melhoria individual e coletiva do United. Mas é muito mais a consequência natural da confiança e da fé inabalável de Amorim na sua Ideia e no seu Modelo de Jogo. Nos seus princípios morais e técnico-táticos. Na sua liderança. Na sua inteligência emocional. Na sua comunicação. No estoicismo com que suportou os meses menos vitoriosos da sua carreira.
Quanto mais dúvidas as derrotas do United suscitavam aos adeptos, aos pundits e aos jornalistas de todo o mundo, mais certezas Amorim teve de estar no caminho certo. Sem hesitar e não obstante as derrotas, manteve o barco dentro da rota traçada.
Não alterou o sistema táctico, raiz de todos os males da era Amorim, segundo 99% das pessoas que acompanham o ex-clube de Sir Alex Ferguson. Não abdicou das suas estruturas e sub-estruturas tácticas com e sem bola. Recuperou Casemiro, Maguire, De Ligt e Shaw. Confiou em Bruno Fernandes e Mason Mount. Ainda não aportou onde deseja, mas navega em mares muito mais serenos.
De Inglaterra para Portugal, da Premier League para a Liga Portuguesa, de Ruben Amorim para César Peixoto…
Tal como o homólogo agora em terras de Sua Majestade, também César Peixoto foi coroado Melhor Treinador dos Meses de Setembro e Outubro no principal escalão de futebol em Portugal. Uma distinção rara numa realidade competitiva em que a maioria dos prémios do género são endereçados aos treinadores dos crónicos candidatos ao título. Uma distinção ainda mais rara na curta carreira de Peixoto.
Ao contrário de Amorim, César Peixoto não teve uma ascensão de carreira meteórica enquanto treinador. Nem em termos de títulos e conquistas e muito menos em termos de aceitação pública do seu ADN futebolístico ou do seu discurso.
Quantas vezes não ouvimos dizer que as ideias veiculadas por Peixoto eram de equipa grande, logo, desadequadas aos clubes por onde passou? Quantas vezes a qualidade futebolística apresentada não era superior aos resultados obtidos e mesmo assim acabou convidado a deixar projectos a meio ou pouco depois de os iniciar?
Quantas vezes César não foi criticado pelo discurso incisivo, assertivo, pouco subserviente ao suposto poderio dos adversários? Ou pela coragem de demonstrar desagrado quando não havia perguntas sobre a sua equipa ou só havia interesse em vésperas de jogo com os grandes do nosso futebol? E pela mesma coragem como afirmava estar satisfeito com a exibição da equipa mesmo quando a vitória escapava?
Em todos os clubes por onde passou, o atual timoneiro gilista mostrou tudo aquilo que agora lhe reconhecem. Personalidade, convicção, crença, confiança, ideias proativas de um futebol enleante, envolvente, associativo. Um futebol que valoriza os jogadores em primeira instância para que depois seja o coletivo a ser ainda mais valorizado.
O que mudou em César Peixoto nestes dois últimos meses enquanto treinador do Gil Vicente? À primeira vista, apenas e só os resultados. Os quais foram positivos de forma contínua e consistente, algo pouco visto ainda na carreira do ex-jogador do FC Porto. Porque de resto, tal como Amorim, Peixoto continua igual a si mesmo. Fiel a si mesmo e aos seus. Mais experiente, obviamente, mas ciente de que o caminho que o trouxe até aqui é o mesmo que iniciou há alguns anos."

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