"Frederico Varandas disse que “João Pereira não conseguiu ser João Pereira”. Nada mais certo. Em grande medida não foi ele próprio porque tentou ser Rúben Amorim, mexendo o menos possível na herança tática de um antecessor glorificado. Curioso como quase só ouvia pedir a João Pereira que “não inventasse” e foi o que ele tentou. Já Rui Borges foi Rui Borges desde o primeiro dia e quase sem ter podido treinar. E assim “inventou” uma nova estrutura logo num clássico, acelerando os passos do caminho tático que prefere e mais gosta de treinar. E tratando de ser ele próprio, disse, em simultâneo, aos adeptos quem é, aos jogadores o que quer e aos dirigentes aquilo de que precisa em janeiro. Porque faltam no plantel, pelo menos, os laterais certos para a forma de jogar que estreou frente ao Benfica.
Bruno Lage preparou-se para um adversário e saiu-lhe outro, como o próprio confessou após o clássico. O treinador encarnado revela uma obsessão estratégica, de análise dos adversários, que condiciona em demasia a abordagem aos jogos da própria equipa e se nota sobremaneira frente a adversários com mais potencial (Sporting, recentemente com Vitória e Bolonha, expoente máximo na jornada medrosa de Munique). Os jogadores do Benfica passaram de um treinador (Schmidt) que quase não ligava aos rivais para outro que se organiza prioritariamente em função deles. E assim parecem hoje muito mais preocupados em cumprir um determinado posicionamento sem bola do que no que fazer com ela. A equipa não tem melhorado o rendimento coletivo e o processo ofensivo, em particular, não revela particular criatividade. Ao mesmo tempo, o técnico que chegou a prometer “futebol atrativo, ofensivo, que conquiste os adeptos”, surgiu nos últimos tempos surgiu a sublinhar a importância das “vitórias por um a zero”. O problema é que vitórias curtas estão mais próximas de empates, como nas Aves, e até de derrotas igualmente tangenciais, como em Alvalade.
E quem diria, ainda há um par de semanas, que Vítor Bruno chegaria ao fim do ano civil no topo da tabela (a par do Sporting), tendo já visitado os terrenos dos maiores rivais e com o balão da esperança portista a encher para níveis elevados,. Escrevi nessa altura, quando uma multidão vociferava contra a “falta de atitude” ou pedindo “respeito pelo ADN” a este novo Porto, que a perceção estava longe de ser justa face à realidade da época no Dragão, mas que Vítor Bruno precisava de encontrar novos caminhos para chegar a Samu, retirando, por exemplo, mais do miúdo Mora. Fê-lo, no momento que entendeu certo, e assim nasce uma estrela. Assim como percebeu que, por muito que num desenho virtual pareça adequado, a equipa perde em clarividência o que ganha em aceleração quando junta no ataque Pepê, Galeno e Samu. A tática é sempre a base da competência, o acrescento vem da coragem. E Vítor Bruno tem-na tido também, em doses fartas, como ainda agora ao retirar da equipa Fábio Vieira (um craque indiscutível e no melhor momento desde o regresso) para que todos percebam quem manda. E quem ele é.
Sérgio Conceição volta ao ativo pela porta grande, substituindo Paulo Fonseca no Milan. O clube italiano não deu ao agora ex-técnico o plantel de que precisava (a lesão de Pulisic foi quase fatal, por falta de alternativas do mesmo nível) e o tempo que se justificava, não valorizando devidamente a notável carreira na Champions. Mas o futebol é assim, e Fonseca sabe decerto que começou a fazer o caminho das pedras quando comprou várias guerras, primeiro com alguns dos seus mais destacados jogadores, depois com os dirigentes e até com os árbitros. O que mínimo que se pode dizer a quaisquer desses é que se preparem. Porque Conceição leva toda a sua competência e sabemos (pelos primeiros anos do Porto) que até pode ser mais eficaz quando tem de fazer das tripas coração, mas também a sua personalidade singular. É como é, não consegue disfarçar, pelo mais cedo que tarde todos vão ter de perceber quem manda agora nos rossoneri.
Tem sido absolutamente impressionante o que Nuno Espírito Santo está a realizar no histórico Nottingham Forest da Premier League. Não se trata apenas de terminar o ano civil entre os lugares Champions, a sequência impressionante de vitórias seguidas ou ter já mais pontos que em toda a temporada anterior. É sobretudo a confiança tática que a equipa revela, numa organização defensiva impecável que sempre foi a marca de NES, mas com caminhos ofensivos igualmente bem definidos e trabalhados. E depois são os jogadores que crescem para níveis de rendimento difíceis de prever: o genial Gibbs-White à cabeça, mas também Murilo, Elliot Andersson Elanga, Hudson-Odoi. E mais os golos de Chris Wood, no melhor momento da vida do gigante australiano. E um clube em festa como não se via desde os tempos de Brian Clough, o homem que conseguiu em três anos passar da segunda divisão a campeão da Europa. Não há outra lenda assim na história do futebol. E não é possível maior elogio ao treinador atual do que ter de ir buscar as comparações ao tempo do homem que está lá numa estátua à porta do City Gound.
PS: João Pereira merece uma palavra de enorme simpatia, pela dignidade que manifestou ao longo de um mês infernal. Não se queixou das lesões, apesar de terem sido tantas, não se refugiou em erros de árbitros, quando podia tê-lo feito. Assumiu sempre as responsabilidades, mesmo as que não eram dele. E ainda sai sem exigir um cêntimo além dos dias que trabalhou. Não sei se João Pereira mostrará no futuro que é melhor treinador do que agora parece. Mas desejo sinceramente que sim, porque o homem que se revelou merece-o. Ser ou não ser, sempre a questão."
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