Últimas indefectivações

sábado, 16 de dezembro de 2023

O João Ratão


"Bem sei que não será fácil tirar da cabeça dos adeptos do Benfica o fantástico golo de calcanhar do tão fustigado Arthur Cabral - depois do calcanhar de Madjer, este fica, para já, certamente como o segundo mais badalado calcanhar do futebol português… -, mas creio que valerá muito a pena perder algum tempo a relembrar o monumental passe do miúdo João Neves, no fundo na origem da grande celebração encarnada, que disfarça (mal, mas disfarça) a pobre presença da equipa da Luz nesta edição da Champions, depois dos quartos de final na duas últimas temporadas.
Ao minuto 90+2 do jogo em Salzburgo (onde é que já ouvimos falar do 90+2’?…), num momento, pois, em que restava já pouca cabeça aos jogadores e lhes sobraria apenas alma e coração, foi com um passe magistral, a levar a bola muitos metros pelo ar, que o pequeno, mas monstruoso, João Neves descobriu a entrada, pela direita, do inesgotável Aursnes, e permitiu que o norueguês, com apenas um toque, colocasse o esférico (como dantes se ouvia designar-se o principal objeto do jogo) à mercê dos finalizadores, no coração da área, onde apareceu, como que saído divinamente dessa espécie de purgatório inesperado, um Arthur Cabral com um calcanhar de magia e um pé de redenção.
Compreendendo a opção tomada agora, em Salzburgo, por Di María como figura do jogo que deu ao Benfica a passagem à Liga Europa (veremos com que preço a pagar numa equipa que tem revelado tanta instabilidade estrutural, emocional e mental), porque o talento e a excecional qualidade técnica de Di María quando fazem a diferença fazem mesmo a diferença.
A verdade é que voltou a ser, a meu ver, o garoto João Neves (ele não se importará, pelo menos por agora, de assim ser tratado) o maior monstro do desafio. Se o tão jovem médio das águias continuar a evoluir ao ritmo que tem vindo a evoluir - não esquecer que ele tem, na verdade, mais coisa, menos coisa, apenas meia dúzia de meses de altíssima competição!… -, se continuar a melhorar e aperfeiçoar a visão de jogo, o passe longo e a chegada à área para conseguir ter mais golo, então virá a Europa a estar perante um caso muito sério de um portentoso jovem que, arrisco, dentro em breve nada ficará a dever, por exemplo, ao talentoso Enzo Fernández, que muitas saudades, pelo que fazia em campo, deixou, como se compreende, na Luz. Volto ao jogo da Áustria para sublinhar (depois de já o ter escrito a meio da semana) que foi tão justa a vitória do Benfica na belíssima cidade de Mozart como, de novo, assustadoramente sofrida pela inacreditável falta de eficácia na hora de meter a bola na baliza adversária, o que pode traduzir a instabilidade emocional que gera desconfiança.
Na verdade, o que tinha conduzido a equipa de Roger Schmidt ao tão contestado empate, na Luz, diante do Farense, voltou, no essencial, a revelar-se perturbadora doença da águia que quase voltava a deixá-la sufocada e sem passaporte para a Liga Europa, tão desejada por presidente, treinador e jogadores encarnados (veremos, porém, a que preço, numa temporada cujo objetivo principal, para qualquer dos grandes, não pode deixar de ser o campeonato). Não é, evidentemente, agradável de ler (ou ouvir), mas uma equipa que desperdiça tantas oportunidades de golo como, nos últimos dois jogos, desperdiçou a equipa do Benfica, criando muito ataque mesmo sem conseguir grandes exibições, justifica ver-se condenada a algum insucesso. O que lhe valeu na Áustria, diante de uma jovem e promissora equipa do Salzburgo, foram, sobretudo, os momentos de altíssima qualidade individual de alguns talentos como o genial Di María ou os competitivos e tão completos João Neves e Fredrik Aursnes ou ainda, com brilho fugaz, mas muito cintilante, o improvável herói em que se viu subitamente transformado o tão contestado Arthur Cabral. Não fora, ainda assim, o teleguiado passe de João Neves para Fredrik Aursnes e a decisão de Aursnes de executar de primeira, ao contrário de alguns companheiros que, em situações semelhantes, quase sempre optaram por dominar primeiro para executar depois, e muito provavelmente, a esta hora, veríamos Schmidt a chorar, mais uma vez, sobre o leite derramado. Bem sei que o futebol é momento e o momento acabou por ser de sucesso encarnado. Mas o caminho, como gostam os treinadores de definir, deve ser proposto para reflexão dos diferentes responsáveis da águia, sob pena de, muito pior do que errar, poder ver-se o futebol da equipa repetir o erro. Um erro muitas vezes repetido será sempre mais incompetência do que acaso.

A conta que Deus fez
Os 5-3 com que o FC Porto despachou, por fim, os sofridos e aplicados jogadores da equipa ucraniana do Shakhtar confirmam a aptidão dos azuis e brancos para bem competir no principal palco do futebol europeu e a vocação para conduzir uma equipa à superação de um treinador já com histórico sucesso nos dragões. À sétima tentativa, é a quinta vez que este treinador leva o FC Porto aos oitavos de final da Liga dos Campeões A triunfante noite europeia do FC Porto ficou, porém, igualmente marcada pelo grotesco episódio do primeiro golo do Shakhtar, quando alguns defensores portistas pareceram deixar correr o marfim ao verem o árbitro auxiliar levantar a bandeirola assinalando um fora de jogo que o árbitro nunca validou. Protestaram, sem razão, os azuis e brancos, porque nenhum jogador deve desistir de uma jogada sem que o árbitro apite. A bandeirola levantada não determina interrupção no jogo e o golo que acabou por acontecer foi, por fim, confirmado, como lhe competia, pelo recurso à vídeo tecnologia do VAR.
Questiona-se: como podem grandes e experientes profissionais de futebol contestar tão acertada decisão do árbitro? Já agora, e a propósito de atitudes inapropriadas, julgará o treinador dos dragões que lhe fica, porventura, bem o gesto (típico de quem parece estar a vingar-se) que pareceu dirigir ao banco do adversário logo após o segundo golo da sua equipa, também assinado por Galeno, um dos grandes em campo, sempre capaz de fazer explodir qualquer jogo? Apesar de parecer estar relativamente mudado para melhor, depois do triste e lamentável episódio que em agosto protagonizou na Supertaça com o Benfica, continua o treinador portista a parecer, no entanto, incapaz de resistir em campo a um bom pretexto para tornar a coisa mais picante, e basta recordar as imagens da transmissão televisiva, logo após o 2-1, para se confirmar aquela tendência do líder da equipa azul e branca para se tornar, aqui e ali, protagonista e, como se tem visto, nem sempre pelas melhores razões. O que é sempre uma pena!

Vida e obra
Com o golo apontado no início da semana na Taça da Arábia Saudita, Cristiano Ronaldo acaba de chegar aos 50 golos no ano civil de 2023. É o primeiro jogador da história a consegui-lo aos 38 anos (e a menos de dois meses de completar os 39) e, para já, iguala Erling Haaland, de 23 anos, no topo dos melhores marcadores do ano. É a oitava vez em vinte anos de vida profissional ao mais alto nível (CR7 trocou o Sporting pelo Manchester United em 2003) que Cristiano Ronaldo consegue somar 50 ou mais golos no mesmo ano civil. Impressionante! Este ano, os 50 golos a que acaba de chegar (40 pelo Al Nassr e 10 pela Seleção Nacional) terão o acrescido valor proporcional à dimensão das críticas que deram Cristiano como acabado no momento em que optou por jogar na Liga da Arábia Saudita.
Incondicional fã que sou da vida e obra de CR7 (mesmo com todas as imperfeições), muito me chocou, por isso mesmo, vê-lo há dias, em pleno relvado e à vista de todos, dar o péssimo exemplo de acusar um árbitro de estar comprado pelo dinheiro do adversário (o Al Hilal de Jorge Jesus e Rúben Neves). Espero que a grandeza de Cristiano o tenha levado a arrepender-se. Queiram ou não, são as grandes figuras públicas que podem influenciar, para o bem e para o mal, o comportamento dos que os seguem. Não se trata de lição, trata-se de sermos capazes de reconhecer o erro. E trata-se de pedir desculpa. Pedir desculpa, como, por exemplo, foi o benfiquista Arthur Cabral capaz de pedir (e não há razão para duvidarmos dessa sinceridade), é sempre melhor do que não pedir. Mesmo que nem sempre venha do coração e, por isso, nem sempre seja um pedido de desculpas verdadeiramente nobre!

PS: São conhecidos os árbitros para os dois grandes jogos da jornada que aí vem da Liga. Luís Godinho volta esta época a apitar o Benfica (3.º jogo, incluindo Supertaça) e também o SC Braga (também 3.º jogo). Nada que possa estranhar-se. Estranho é só mesmo, depois da Supertaça e da rábula com o treinador portista, Luís Godinho não mais ter voltado a apitar um jogo do FC Porto. Isso, sim, pode estranhar-se."

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