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terça-feira, 16 de junho de 2020

O dia em que o futebol português perdeu a sua essência

"Com o advento da 1ª Grande Guerra, muitos desportistas foram para a chacina das trincheiras, enquanto em Portugal, o futebol tornava-se irremediavelmente uma modalidade em que o importante era ganhar.
Perante esta avidez em vencer a qualquer custo a imprensa desportiva, nomeadamente o quase hegemónico O Sport de Lisboa escandalizava-se, por entender que o futebol deveria ser uma forma de educação e não somente física e uma escola de virtudes. Aliás, o próprio celebre capitão encarnado, Cosme Damião e outros seus contemporâneos, viam no futebol uma escola de trabalho, porque conservava a saúde, o vigor do espírito e ensinava o método, a precisão, a ordem e mais que tudo confirmava a premissa que são os pequenos esforços conjugados que realizam as grandes obras. No entanto, este olhar puro do futebol que não era em função do resultado, era cada vez mais uma utopia. Ainda não era uma realidade o profissionalismo, demoraria ainda mais cinco décadas, mas os valores do desportivismo e fair-play dos primórdios da modalidade perderam-se pelo caminho em detrimento de um novo futebol, mais emotivo e sedento por vitórias. Em 1916, o Benfica e Sporting já dominavam o futebol lisboeta, que no fundo simbolizava que dominavam o futebol em Portugal. No que diz respeito ao Sporting nestes anos revelava até mais que o Benfica, uma conduta no futebol mais “resultadista”. Cobiçava os melhores jogadores das equipas do campeonato regional lisboeta (incluindo do seu rival) que era fácil, verdade seja dita, em virtude de não haver vínculos contratuais. Deste modo tanto o Sporting, como o Benfica, mas principalmente o primeiro, conseguiam facilmente atrair os melhores jogadores da época devido às suas condições materiais superiores, pela sua capacidade de lutar por títulos e até mesmo com um aliciante extra, isto é, as remunerações encapotadas.
Entretanto, numa final da Taça de Honra que contou com a presença do Presidente da República e outras figuras ilustres, enfrentaram-se os rivais do costume: Sporting e Benfica. Esta partida, no entender dos especialistas da época deveria ser um exemplo excepcional das melhores equipas lisboetas ao Estado Português, que se fez representar, no entanto não se veio a verificar. Pelo contrário, o jogo foi apelidado de escândalo desportivo pelo fraco nível apresentado por ambas as equipas. De facto, a tarde ventosa de Junho de 1917 não era convidativa para um futebol fluido e esteticamente bonito. Todavia, esta final foi muito mais que um jogo mal jogado. Foi o jogo que hiperbolicamente simboliza o dia em que o futebol português perdeu a sua essência. Após o Sporting colocar-se em vantagem, os seus jogadores começaram a submeter o seu confesso amadorismo numa gaveta e adoptaram alguns estratagemas dos profissionais, entre os quais uns bem conhecidos do século XXI, isto é, o antijogo e o perder tempo. Na segunda parte os jogadores do Sporting começaram a atirar a bola para fora tantas vezes, que o próprio vento deixou de ser o bode expiatório de um jogo mal jogado. Aliás, Jorge Vieira, célebre e mítico capitão leonino, chegou a correr atrás da bola, quando esta estava fora do campo e chutou-a ainda para mais longe. Perante estas práticas o público apupou estes jogadores, pois achariam, com razão, que o preço pago pelo bilhete merecia outro respeito e espectáculo dos amadores futebolistas portugueses. Mas, foi tanta a vontade de ganhar do Sporting, que nos primeiros 29 minutos da segunda parte colocaram a bola fora 49 vezes, o que provocou a ira do público, que invadiu o campo e incentivou a equipa do Benfica a abandonar a partida. Contudo, somente o capitão encarnado Henrique cedeu a essa pressão e abandonou a partida. No final da partida o Sporting acabou por ganhar a taça, mas o futebol perdeu tudo o resto."

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