"Olá. Hoje falamos com um treinador que está numa situação que afecta muitos treinadores, mas da qual poucos falam. Este treinador terá o nome fictício de «Aníbal», porque, como é óbvio, ele não quer que se saiba que o seu nome verdadeiro é Elísio.
- Olá, Aníbal, obrigado por nos vir revelar o drama que vive.
- Ora essa, menina, não custa nada, até porque tinha pouco para fazer e isto fica em caminho para a taberna.
- Ia afogar as mágoas no álcool, coitado.
- Não, menina. Ia encomendar uns croquetes da dona Filó, que são de comer e chorar por mais.
- No fundo os croquetes são uma maneira de fugir à realidade, não é, Aníbal?
- Acima de tudo são uma maneira de fugir aos cozinhados da minha mulher, sabe. Tudo o que ela faz esgatanha-me o intestino e há dois dias que não como.
- Adiante, Aníbal. Conte-nos então o que o trouxe aqui.
- Ora bem, a verdade é que sou treinador de futebol e sofri uma chicotada psicológica.
- Coitado, é algo de que nunca estamos à espera, não é?
- Quer dizer, eu estava. Até por que nos últimos 10 jogos perdemos 11 e ninguém gosta de perder nem a feijões.
- Desculpe, mas isso é impossível.
- Também foi o que me disse o presidente e como sei que ele tem uma fábrica de feijões, eu aí tudo bem. «Para de discutir, Aníbal, que o homem é um empresário de renome aqui da região e de enlatados percebe ele».
- Não, Aníbal, é impossível perder 11 jogos em apenas 10.
- Pois, e o presidente acrescentou que além de mau treinador, eu fantasio com os números. E aí eu perdi a cabeça, menina. Tudo bem que eu até gosto de números, mas fantasias com eles não é para mim. Ok, experimentei uma vez na Secundária mas nem sequer gostei, fique sabendo.
- O que sei é que está a perder o foco, Aníbal: a chicotada.
- Ora bem, a realidade é que a chicotada psicológica tem mau nome e está mal vista na sociedade
- Mau nome?
- Sim, mau nome. Chicotada psicológica dói só de ouvir a palavra. Mas imagine que era empurrão psicológico. Ou piparote psicológico. Já dá vontade de levar um ou dois, não dá? Aliás, eu e a minha esposa até fazemos uma coisa muito gira com piparot..
- Menos, Aníbal, muito menos. Sofreu uma chicotada psicológica e não foi a primeira. Ao que sei sofreu 8 nos últimos 3 anos.
- Sim, até já me chamam «O Indiana Jones do futebol».
- Há quem lhe chame «mau treinador»...
- Também, mas eu prefiro Indiana Jones.
- Sabe, Aníbal, com tantas chicotadas psicológicas em tão pouco tempo, eu quase que diria que o Aníbal até gosta...
- Quer dizer, se ela for dada com jeitinho, eu até aprecio, não vou dizer que não. Um homem também não é de ferro. O mal é que depois as pessoas abusam e você sabe como é o português, não sabe? Se gostas de uma chicotadinha psicológica então toma lá mais umas quantas. Mas à oitava a coisa já cansa.
- Imagino.
- Não, não imagina. É muito giro ao princípio mas agora já me está a causar problemas com a minha senhora. Ela diz que eu chego a casa psicologicamente todo chicoteado, e o que é que eu andei a fazer, e eu já estou farto de a enganar e dizer que bati com o psicológico na esquina da mesa.
- Na quina da mesa.
- Também. Mas na esquina dói mais.
- Enfim, Aníbal, nos últimos tempos a sua vida não tem sido fácil.
- Nada fácil, menina. Com isto das chicotadas já mal saio à rua.
- Magoa uma pessoa, não é?
- Um bocadinho, mas já estou a tomar Brufen.
- Não, Aníbal, magoa no sentido figurado.
- No sentido figurado por acaso nunca me acertaram. Mas o que não falta é colegas meus que não tiveram a mesma sorte e ficaram com o sentido figurado feito num oito.
- Bem, adiante que isto tem tudo para descambar. O que me parece é que a solução para o seu caso é só uma, Aníbal: arranjar um clube e recomeçar a treinar.
- Nem mais, nem que seja para daqui a uns jogos levar outra chicotada psicológica. Gostava muito.
- Mas disse que já estava farto das chicotadas...
- Não é para mim, menina, é para um amigo.
- Ah, desculpe.
- Então está bem."
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