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quinta-feira, 28 de março de 2019

A conclusão que se impõe sobre a seleção: tanta qualidade não pode continuar a ser desperdiçada em pontapés e bolas para o quintal

"Dois empates em dois jogos numa Luz-talismã e perante os rivais mais fortes: soa o alerta na Selecção, precisamente no início da caminhada para o Euro 2020 – ou a meio, se considerarmos que a probabilidade de depender do “play-off” da Liga das Nações torna-se agora bem forte, ainda sem sabermos o que vai dar o caso Júnior Moraes para o lado ucraniano. Mais do que o resultadismo que parece já não garantir… resultados, e apesar de ainda ser possível trilhar um caminho que ficou mais íngreme, interessa olhar para o futuro imediato: é este o futebol que se adequa ao talento existente? 

Deixámos que fizessem o que queriam: defender com todos os homens atrás da linha da bola. Tínhamos de tentar tirar alguns de lá, o que não conseguimos, e depois aparecer aí no espaço intermédio a tentar desequilibrar no 1x1, num lance individual, com um drible ou um passe de ruptura. (…) Tinha dito aos meus jogadores que para apostar no jogo exterior não bastava cruzar, era necessário definir bem. Acho que esta foi a questão central.” As palavras são de Fernando Santos, dizem respeito ao primeiro jogo do último Europeu, frente à Islândia (1-1), e estão datadas de 16 de Junho de 2016. São de há quase três anos, portanto.
Desde que Bjarnason anulou os efeitos do golo inaugural de Nani, cinco minutos depois do intervalo em Saint Étienne, a Selecção foi de empate em empate, desempatando-se no prolongamento ou nos penáltis, até à meia-final em que bateu Gales e Gareth Bale e sagrou-se depois campeã da Europa, em novo prolongamento. A final foi o que todos se lembram: Sissoko a dar problemas, Griezmann a falhar, Patrício a defender, Raphaël Guerreiro a acertar na trave e Eder a acreditar com uma fé incomensurável que podia ser Ronaldo, nem que fosse apenas por um dia.
Portugal terminou depois a Taça das Confederações no 3º lugar e o Campeonato do Mundo nos oitavos, uma espécie de mínimo olímpico para um campeão continental. Está agora na final four da Liga das Nações, já com a garantia de um “play-off” que pode ser salvador, contudo não escapa a estar a viver, nesta precisa altura, o pior momento da era Fernando Santos, com quatro igualdades consecutivas (Itália e Polónia nos dois jogos mais recentes na nova prova de selecções e agora Ucrânia e Sérvia) e com o peso histórico de apenas por uma vez se ter qualificado depois de dois empates seguidos no arranque: aconteceu na rota do Euro 2012, mas só depois de repescado ao vencer um último duelo a duas mãos com a Bósnia.
É verdade que quando as coisas parecem ficar negras surge sempre uma estrelinha a iluminar o caminho de Fernando Santos. Quem não associará as alegações da utilização irregular de Júnior Moraes frente a Portugal e Luxemburgo – que podem retirar quatro pontos à Ucrânia e dar mais dois ao seleccionado luso – ao golo sem necessidade de Trautason no quarto minuto de descontos do Islândia-Áustria e que atirou a Selecção para o lado bom do calendário do Europeu em detrimento da própria equipa? Todos reconhecemos que o seleccionador e a felicidade andam há muito de mãos dadas.
Acreditar, no entanto, que o Euro 2016 aproximou mais o país das conquistas será apenas verdade, eventualmente, no lado psicológico da questão. A eliminação na Rússia perante o Uruguai tem, apesar de tudo, um travo amargo. Era esperado mais de um grupo cada vez mais talentoso, tal como também agora, depois do tiro de partida para a corrida a nova prova continental.

O que não mudou (e não é necessariamente bom)
A ideia e as dinâmicas da equipa pouco ou nada se modificaram, tal como os problemas e as dificuldades com que se deparam e depararam. Em pleno Euro 2016, Santos privilegiou a solidez defensiva e a verticalidade e objectividade. Ganhou contra todas as expectativas à França, em França, e depois, na fase de apuramento para o Mundial, entrou de peito feito na Suíça e perdeu.
O técnico voltou a fechar-se em si mesmo e nas suas ideias, uniu o grupo e apurou-se ao ganhar todos os jogos que faltavam, mas o Mundial que garantiu no trajeto esteve longe de ser feliz. Nesse jogo específico de quem é mais matreiro e traiçoeiro os uruguaios não deixaram espaço para discussão.
O pós-Rússia amanheceu diferente, sem o capitão Ronaldo e sem Moutinho, e o 4-4-2 virou 4-3-3, com ideias novas no meio-campo – um posicionamento mais alto de William, que recuperava também Rúben Neves – e Bernardo Silva a aproveitar, sobretudo quando no meio, o período sede vacante. A verdade é que chegaram Ucrânia e Sérvia e Portugal falhou.
Depois de um ou outro sinal positivo, Portugal regrediu. Do discurso de há três anos após o jogo com a Islândia recupero a mesma incapacidade para desestabilizar, retirar os jogadores adversários das posições de conforto e a insistência em cruzamentos sem definição. Demasiados.

As opções com a Ucrânia
Além do regresso de Cristiano e de Moutinho, titulares com a Ucrânia, as substituições feitas durante o decorrer da partida não pareceram ir ao encontro do esperado. Rafa foi a aposta pelo momento de forma que atravessa, mas acabou lançado num contexto em que não tinha espaço para acelerar (bloco baixo ucraniano). Dyego Sousa virou uma referência mais para a insistência nos cruzamentos.
Já João Mário tornou-se a derradeira tentativa de ligar tudo isso com alguma lucidez, sem que se valorizassem no outro prato da balança as dificuldades que o médio continua a atravessar: apenas 12 jogos em 28 a titular e um golo e três assistências, tudo conseguido no mesmo encontro, em Novembro, na recepção do Inter ao Génova. Pizzi, que tinha alimentado o triângulo do meio-campo nos desafios mais recentes com uma boa dose de criatividade, não saiu do banco.
A Portugal faltou jogo interior. Empurrado para a largura pelo duplo-bloco montado por Sheva, acertou apenas cinco cruzamentos em 35 - 25 foram feitos desde a direita e 11 vieram de João Cancelo (dados GoalPoint). Números que sublinham a ideia de que a Selecção continua com os problemas de sempre. Pelo menos desde o início do Euro, como reconhecia na altura Fernando Santos.

As pequenas melhorias com a Sérvia
Portugal ia ter mais espaço no segundo encontro, era um dado adquirido ainda antes do pontapé de saída. Primeiro porque a Sérvia não se remete apenas à defesa, assume períodos de posse de bola com qualidade para desenhar ainda transições velozes e mortíferas, o que também destapa caminhos para a própria baliza.
O 11 com Danilo (e William) seria, em teoria, uma forma de libertar os laterais para uma maior projecção nos flancos, permitindo também uma presença mais frequente dos alas Bernardo Silva e Rafa (agora titular em vez de Moutinho) no corredor interior. Além do aspecto defensivo de proteger os centrais, claro. Só que é curiosamente Danilo, pressionado por dois rivais, quem entrega a bola para a transição sérvia na jogada do penálti, com Tadic a brilhar intensamente no passe de rotura. Depois, a maior presença em terrenos centrais não significou obrigatoriamente melhor e maior jogo interior, por falta de uma maior verticalidade no passe – terá Fernando Santos acreditado que William e Danilo estariam capacitados para tal? – e porque faltaram apoios e movimentos de rotura entre as linhas sérvias.
Houve mais acerto nos cruzamentos, com seis em 19 a chegarem ao destino, contribuindo Pizzi – ele que entrara para substituir Cristiano ainda na primeira parte, depois de não ter saído do banco com os ucranianos – para melhorar o registo do lado direito, assinando quatro boas decisões. Só que tudo somado foram 54 cruzamentos em dois jogos, o que nos diz que Portugal centra para a área como se lá estivesse Jardel. O goleador, claro, aquele que não falhava com a cabeça.
O envolvimento melhorou um pouco com a Sérvia. Os cruzamentos já não foram feitos de tão largo, mas mais perto da linha final e, por vezes, tentaram-se paralelas interiores à procura de segundas vagas de finalização, com passes atrasados. Não chegou para o golo, é verdade. Já se sabe que não há nenhum Jardel na Selecção, apesar de esta estar viciada nos cruzamentos face aos movimentos verticais que procuram imediatamente Cristiano e André Silva ou Dyego Sousa. O jogo mais directo, assente em passes longos ou cruzamentos, há muito que domina e a equipa parece não saber muito bem o que fazer quando a estratégia, objectiva mas demasiado crua, não resulta.
Se sempre se discutiram as diferenças de performance de Ronaldo no clube em contraste com as da Selecção e muitas vezes até com injustiça, em breve podem os adeptos estar a dizer o mesmo de Bernardo Silva, a fazer uma temporada brilhante no Manchester City e a ter sérias dificuldades de explanar o seu futebol na equipa das quinas. No entanto, se sempre foi possível canalizar a “fome” do capitão, também os restantes jogadores conseguirão ajudar o outro génio do conjunto a encontrar o caminho e a iluminá-lo com a sua arte. Terão de ir ao encontro de Bernardo através de um futebol mais associativo. A equipa terá obrigatoriamente de evoluir se quiser retirar o melhor dos seus melhores jogadores.

O tal problema da eficácia
Portugal podia ter vencido mesmo assim? Claro que sim. Só nesta segunda-feira fez 28 remates contra 10, dos quais seis saíram enquadrados com a baliza (contra três) e 17 foram desferidos de dentro da área (contra sete). A Sérvia também teve as suas oportunidades, mas a selecção de Fernando Santos, a jogar em casa e apesar das dificuldades evidentes na construção, somou mais.
O mesmo aconteceu perante a Ucrânia, embora a oportunidade de Júnior Moraes tenha sido talvez a mais flagrante de todas já ao cair do pano. Os argumentos podem ser válidos para um ou dois jogos, dificilmente serão para uma qualificação inteira. Ou para uma fase final, apesar do que nos mostrou o Europeu de há três anos. Um Europeu “one in a million”, embora teimemos em olhar apenas para a conquista final. Portugal tem de melhorar o seu processo ofensivo, não se pode fiar que todos os deuses do futebol voltem a apontar para o mesmo lado. O seu. Isto se quiser ter realmente hipóteses de defender o título que ostenta.

Enquadrar o talento
Portugal perdeu na Suíça em Setembro de 2016 e teve de correr atrás desses três pontos para estar na Rússia. Aconteça o que acontecer com Júnior Moraes e a Ucrânia, já sabe que terá de recuperar o que perdeu, embora agora no terreno dos adversários. Olhando para o que a Selecção tem jogado, torna-se evidente que terá de evoluir numa altura em que tem cada vez mais talento a aparecer.
Notou-se na lista a falta de Gelson Martins, por exemplo, pela capacidade de desequilíbrio no 1x1 e até por estar cada vez melhor a pisar terrenos interiores, agora a jogar com frequência e a ser decisivo no Mónaco de Leonardo Jardim. João Félix terá feito algum sentido na segunda parte frente à Ucrânia pela capacidade de pisar entrelinhas como poucos e será ainda necessário dar continuidade ao que Bruno Fernandes e Pizzi têm acrescentado respectivamente no Sporting e no Benfica. Há Diogo Jota, pode haver Rafael Leão, Dalot, Florentino, Gedson, Ferro, entre outros, em breve.
Só que estes nomes não fazem de todo sentido na actual ideia de futebol vertical, que obriga a velocidade e agressividade na luta pelas segundas bolas ou a cruzamento atrás de cruzamento, como tem sido o denominador comum nos últimos encontros.
O futuro está aí e falta saber para onde vamos agora. Talvez seja a altura certa para parar um pouco e pensar e analisar quando o resultadismo já nem resultados parece garantir. É que, sendo um país a quem sempre pareceu faltar alguma coisa, desta vez não será certamente uma eventual falta de talento em alguma posição que estará em causa. Portugal está cada vez mais completo e profundo. E tanta qualidade não pode continuar a ser desperdiçada em pontapés para frente e bolas para o quintal."

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