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sábado, 15 de dezembro de 2018

Modric, um tipo fiável

"Quando a câmara nos serve um 'close-up', deixa algo muito claro: para Modric o futebol é uma coisa séria. Que se premeie um jogador em vez de uma equipa define estes tempos

Driblando um drama
O River - Boca passou por Madrid e, no dia seguinte, a cidade parecia a mesma e os perdedores não passaram pela guilhotina. Um desperdício de apocalipse. Jogou-se com todas as prevenções tácticas que o medo aconselha, com a tensão inevitável de uma espera louca e numa velocidade acima da permitida, com a bola sempre discutida nas fronteiras do regulamento... Jogo imprevisível, com a ajuda do épico, do emocionante. No meio da batalha, Gallardo colocou Quintero, que se limitou a jogar com naturalidade. A um jogador talentoso e travesso bastou um desalinho para eliminar um rival, a táctica defensiva, o stress, o medo... Desde Garrincha, o dribaldor que tem sido o bobo essencial da corte do grande futebol. Ele ri-se da seriedade com que estamos a condenar este desporto e, se te descuidas, ganha um dramática final continental.

Heróis inesperados
O futebol e os seus paradoxos. Quintero, que tem tendência a ganhar peso, e Dembelé, que teima em não conseguir orientar a sua vida, fizeram-se perdoar graças a um talento singular. Um jogo pode começar por ser desastroso, continuar preso, chegar a um plateau chato e terminar de forma explosiva pela inspiração de um escolhido: Quintero, no River - Boca. Os prodígios aparecem sempre no momento menos esperado. Dembelé, contra o Tottenham, entrou em campo perseguido pelas polémicas e, na sua primeira intervenção, driblou por todos os meios conhecidos quem se cruzou no seu caminho (mudança de velocidade e de direcção, travão e engano, imaginação e técnica) e o campo inteiro foi-lhe entregue num interminável grito de golo. Gosto de acreditar que não é apenas na literatura clássica que a sorte se apaixona pelos heróis. Também no futebol, esse simulador exagerado da vida.

Não sei se me entendem
No grande Milan de Arrigo Sacchi jogavam fenómenos de categoria de Baresi, Maldini, Van Basten, Gullit e Rijkaard e, entre eles, corria como um ardina Angelo Colombo. Uma fraqueza do treinador que não se discute, porque todos os treinadores têm um Colombo ou, o que é o mesmo, uma fraqueza difícil de explicar. Berlusconi, que era um esteta do futebol, tinha-se tornado fã deste profissional gregário. Mas chegou o dia em que Arrigo Sacchi decidiu que Colombo tinha terminado o seu ciclo. «Porquê cedê-lo?», perguntou Berlusconi, «se ganhámos tudo com ele». A resposta é dada pro Arrigo Sacchi no seu livro 'Futebol Total'. «Há três dias que lhe ligo e responde-me o mordomo filipino. Presidente, se Colombo tem um mordomo, é o fim». Lembrei-me da anedota quando vi que Mariano apareceu em Valdebebas com um Rolls-Royce.

Um senhor jogador
Modric é outra coisa. Um daqueles jogadores que pensam e sentem o futebol com uma pureza amadora e que chegam à Bola de Ouro devido a um profissionalismo exemplar. Quando a câmara nos serve um close-up, deixa algo muito claro: para Modric o futebol é uma coisa séria. Que se premeie um jogador em vez de uma equipa define estes tempos em que se individualiza o sucesso e o fracasso. Modric disfarça essa anomalia, porque é uma peça colossal que não esquece a sua principal missão: garantir o funcionamento da máquina. Ele faz sempre o que pode, o que deve e  que é conveniente para tudo melhorar. Trabalha quando a equipa perde a bola, mostra-se quando a recupera, desequilibra quando a tem. Tudo, com uma descrição que transmite segurança aos adeptos porque Modric é, acima de tudo, um tipo fiável."

Jorge Valdano, in A Bola

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