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quinta-feira, 29 de março de 2018

Antes da Rússia, Portugal

"Os maiores clubes continuam a acumular dívida com o silêncio ensurdecedor das autoridades financeiras, como a CMVM.

Inter Selecções
Uns dias de pausa no futebol de clubes, preenchidos por muitos jogos amigáveis de selecções que vão ou que gostariam de ir ao Mundial de Putin. Uma oportunidade para mais uma mão-cheia de neófitos internacionais que, de outro modo, nunca lá chegariam apesar da inflação urbi et orbi de seleccionados. E também um momento para fingir pequenas mazelas que impeçam o desgaste de alguns jogadores em jogos a feijão, certamente em implícita coordenação entre os seus clubes e as suas selecções...
Tenho para mim que estes jogos são dispensáveis. Formam-se onzes que nunca serão os titulares nos jogos a doer. Fazem-se experiências que talvez fosse melhor realizar no recato dos treinos. Nestas duas partidas suíças viram-se resultados de tanta fartura experimental. Contra  Egipto (desfalcado do p), ainda tivemos Ronaldo e Quaresma para disfarçar a pobreza do jogo. Contra a Holanda, vieram ao de cima os problemas com a nossa defesa maioritariamente pré-reformada e a notória ausência de um ponta-de-lança matador que, notoriamente, nunca serão André Silva ou Paciência.
Quanto ao contributo do Benfica, registo aqui a presença de 36 atletas formados no Seixal e distribuídos por todas as selecções que actuaram durante estes últimos dias (sub-17, sub-19, sub-20, sub-21 e selecção A). É um impressivo sinal do investimento sustentado e progressivo da política de formação do clube e uma garantia de futuro promissor nos vários escalões futebolísticos. No entanto, quanto à selecção principal apenas o jovem Rúben Dias foi escolhido, sendo, neste vasto lote de seleccionados, algo estranha a não inclusão de Pizzi e André Almeida.

O nosso futebol em pinceladas
Em boa hora, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a consultora EY (Ernest & Young) estabeleceram uma parceria estratégica com vista à elaboração de um anuário sobre a sustentabilidade do Futebol Profissional em Portugal.
A semana passada foram conhecidos os dados relativos à época desportiva 2016/17. Um documento bem ilustrativo e que nos possibilita um enquadramento bastante adequado sobre o panorama do futebol português. Se a este estudo acrescentarmos a comparabilidade com o restante futebol europeu que nos foi revelado num exaustivo documento da UEFA em Janeiro passado, temos um magnífico suporte para analisar e reflectir.
Evidentemente que só a sua leitura mais aprofundada nos dá uma integral fotografia, pelo que, aqui e agora, me limito a chamar a atenção para alguns aspectos.
O nosso futebol profissional (Liga e Liga 2) contribuiu com 456 milhões de euros para o Produto Interno Bruto, ou seja, 0,25% da riqueza nacional, por via de infra-estruturas, emprego e impostos directos. Este valor significa um notável acréscimo de 44% relativamente à época anterior. Claro está que seria largamente superior se a ele adicionássemos os impactos indirectos, em sectores como o turismo, os transportes, a comunicação e as apostas desportivas. Em qualquer caso, é apreciável o seu quinhão para a felicidade nacional bruta a preços de mercado e o facto de ser um actividade em que exportamos, com qualidade, vitórias, jogadores e técnicos.
As SAD geraram 680 milhões de euros em volume de negócios, o que significou um aumento de 31% face à época anterior, em fatia importante devido ao substancial aumento dos direitos de transmissão e à presença do SLB nos quartos-de-final da Champions. A disparidade entre os dois campeonatos é enorme: a Liga foi responsável por 97% do, o que evidencia o fosso que a separa da Liga 2 (3%), malgrado a intensa competitividade desta última.
Quanto a algumas dessas receitas, o quadro é ilustrativo e fala por si:

Receitas (em milhões de euros)
Liga: 157 (Direitos dos Atletas); 120 (Direitos Televisivos); 72 (Participação em Competições); 67 (Actividade Comercial); Total = 416
Liga 2: 6,7 (Direitos dos Atletas); 4 (Direitos Televisivos); 1,3 (Actividade Comercial); 1,1 (Estado e outros); Total = 13,1
Direitos dos Atletas: 163,7; Direitos Televisivos: 124; Participação em Competições: 72; Actividade Comercial: 68,3; Estado e Outros: 1,1; Total = 429,1

Olhando para a assistência aos jogos, a média na Liga foi de 11726 espectadores, o que traduz uma ocupação de 48% da lotação global dos estádios. Evidentemente que esta média não revela o brutal desequilíbrio entre os grandes, a que se juntam num plano seguinte o Vitória de Guimarães e o Sp. de Braga, face a todos os outros clubes. Registe-se a posição do Benfica que, segundo o relatório da UEFA, atinge o 9.º lugar europeu com uma média de 55952 espectadores, à frente de clubes como o Manchester City, Liverpool, PSG, Atlético de Madrid e todos os clubes italianos.
Já na Liga 2, a média de espectadores por jogo apenas chegou a um valor reduzido de 1081 pessoas, ou seja, 20% da utilização dos estádios.
Benfica, FC Porto e Sporting concentraram 76% da globalidade das receitas totais e 79% das despesas globais. Esta assimetria tem-se acentuado em todos os vectores. Aqui apenas destacaria a enorme diferença entre os seus direitos televisivos que são 14,9 vezes maiores dos que os que são detidos pelos clubes a meio da tabela, conforme nos indicou o relatório da UEFA a que atrás aludi e que pode ser explicado no gráfico em anexo.

Receitas de TV dos grandes clubes 'vs.' clubes médios
Áustria: 1,3x
Inglaterra:1,3x
Suécia: 1,8x
Suíça: 1,9x
Roménia: 1,9x
Polónia: 1,9x
Bélgica: 2,1x
Alemanha: 2,3x
Rússia: 2,3x
Noruega: 2,3x
França: 2,4x
Escócia: 2,5x
Dinamarca: 2,7x
Turquia: 2,8x
Itália: 3,3x
Holanda: 3,7x
Grécia: 3,8x
Espanha: 4,x
Chipre: 4,7x
Portugal: 14,9x
- Em Portugal os principais clubes ganham quase 15 vezes mais que os outros emblemas.

A dívida total das SAD (empréstimos obrigacionistas obtidos) chegou a 1203 milhões de euros (cerca de 0,7% do PIB), mais 14% do que na época anterior. O custo com os juros atingiu 43 milhões de euros, dos quais 96% dizem respeito aos 3 maiores clubes.
A despesa total aumentou 6% e atingiu 585 milhões de euros, muito influenciada pelo pagamento de salários mais elevados a atletas, treinadores e funcionários dos clubes, com os três grandes e serem responsáveis por 79%.
A rubrica de gastos com pessoal subiu 12%, o dobro do aumento da totalidade da despesa. O salário médio mensal que resulta da divisão do valor anual por 12 meses na Liga foi de 16460 euros, valor com um elevadíssimo desvio-padrão em razão da sua concentração nos principais clubes. Já o salário médio mensal dos treinadores foi de 8366 euros e o dos funcionários de 3104 euros, também bem acima da média nacional.
O rácio de solvabilidade teve uma evolução positiva, passando de -2% para 31%, tendo 15 das 18 sociedades apresentado resultados líquidos positivos durante o período, num total agregado de €58 M.
Apesar desta boa notícia, que bom seria que não fosse meramente conjuntural, os maiores clubes continuarem a acumular dívida e passivo ou a antecipar proveitos futuros (algumas vezes, bem para além do mandato eleitoral), com o silêncio ensurdecedor das autoridades financeiras, como a CMVM. Houvesse rating e, por certo, ver-se-iam gregos (até mais do que portugueses) na escala das letrinhas que, implacavelmente, as agências de notação lhes assinalariam.
Em suma, assuntos para reflectir profundamente num tempo em que o poder nos clubes ainda se alimenta de quimeras, emoção e do chutar para a frente as dificuldades. E quem se atreve a exprimir um assomo de maior racionalidade e sã contenção arrisca-se a ser proscrito pela sofreguidão da impaciência do resultado do jogo seguinte.

Contraluz
- Aposta: Os jogadores dispensados da Selecção por lesão estarão aptos no fim de semana. Formidáveis recuperações por milagrosa receita!
- Feito: Gibraltar
Desde que, artificialmente, foi admitido na FIFA em 2016, o rochedo britânico alcançou a sua primeira vitória. Venceu por 1-0 a báltica Letónia! Água mole em rochedo duro, tanto dá até que ganha.
- Disparate: A ideologia do género...
... prossegue na sua onda patética de confundir a essência da igualdade de oportunidade com a mesquinhez de anular tradições ou formalismos dos quais não vinha nenhum mal ao mundo. As grid girls da Fórmula 1 foram banidas. As jovens que estavam no pódio das etapas do Tour de França acabaram. Não sei se na nossa Volta irá acontecer o mesmo... É o insuportável politicamente correcto! Que mais se irá jogar?
- Homenagem: A Germano...
... grande jogador do Atlético e do Benfica, onde se sagrou bicampeão europeu e que vi muitas vezes jogar com a sua classe e serenidade. Foi justo e comovente e reencontro na Tapadinha de glórias e memórias de um futebol que se jogava apenas com bola e sem palavreados dispensáveis."

Bagão Félix, in A Bola

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