"Na Holanda, os clubes tiveram uma tendência especial em ir buscar nomes aos heróis da «Ilíada» do grande Homero. Um deles fará sempre parte da história do Benfica e, não por acaso, esteve presente na Luz para mais uma «Taça Eusébio».
Ajax: Amsterdamshe Football Club Ajax. Chamaram-lhe os Godenzonen, Os Filhos de Deus. Só a camisola é mítica. Aquela risca vermelha em fundo banco encantou a minha adolescência. No corpo de Cruyff, balançava como uma cobra, hipnotizando adversários e voava depois como uma flecha em direcção aos golos.
Filhos de Deus: filhos dos deuses do futebol. Filhos de judeus, também, mas não logo desde a origem, em 1900, mais depois de o clube se ter mudado para o bairro judeu de Amesterdão, Amsterdam-Oost.
Convidado do Benfica para a «Taça Eusébio» desta época, o Ajax ficará para sempre ligado à história dos Filhos da Águia de Lisboa, sobretudo após duas extraordinárias eliminatórias da Taça dos Campeões Europeus, a primeira em 1969, que obrigou a um jogo de desempate em Paris (depois de o Benfica ter ganho por 3-1 num campo de neve na Holanda e ter perdido na Luz pelo mesmo resultado), a segunda em 1972, nas meias-finais, com 0-1 lá e 0-0 cá. De alguma forma, foi a passagem de testemunho. A melhor equipa da Europa dos anos-60 dava passagem à melhor equipa da Europa dos anos 70 - opinião de quem escreve, lá está, privilégio de rabiscador de linhas...
Ajax: filho de Telamon e Periboea. Personagem inesquecível da «Ilíada» (ainda se lê nas escolas?), heróis da Guerra de Tróia, a fatal vingança do rapto da bela Helena.
Era grande, enorme, colossal! Pelo menos assim o descreve Homero, já que o cinema lhe deu a cara de Tyler Mane. O maior dos Aqueus. Era de tal cepa que nunca foi ferido em qualquer das batalhas em que se envolveu.
E Hércules! E Esparta! Xerxes!
Foi no herói de Homero que o Amsterdamsche Football Club Ajax se inspirou no momento da sua fundação. E era precisamente aqui que eu queira chegar. O mestre de combate de Ajax foi Chiron, o centauro. O mesmíssimo Chiron que treinou Hércules, ou Heracles (calma que também o filme está quase a chegar...), e Peleus, pai de Aquiles, que teve mais sorte no que ao universo feminino diz respeito e ganhou a cara de Brad Pitt.
Na mesma semana que o Benfica defrontou Ajax, o Sporting defrontou Aquiles. Companheiros da Guerra de Tróia e companheiros do Futebol holandês. Sim, porque esta coisa de heróis gregos, para os holandeses e para o seu Futebol tornou-se uma espécie de mania.
Pois o Achilles '29 está na segunda divisão holandesa mas já foi um clube com peso no país. O nome não deixa dúvidas. Foi tirado de Aquiles, o personagem principal da «Ilíada», filho da ninfa Thetis e do já falado Peleus, rei dos Mirmidões. Vencedor de Heitor e morto por Paris com um golpe no único ponto vulnerável do seu corpo imbatível - o calcanhar, pois claro!
Podem ter sido os únicos heróis gregos a defrontar os dois grandes de Lisboa na mesma semana, mas a Holanda tem outros para oferecer. Se Hércules, ou Heracles, foi um semi-deus filho de Zeus, o Heracles é um clube filho da cidade de Almelo e fundado em 1903 e que milita na primeira divisão da Holanda e já foi até campeão. Por isso, não podia faltar aqui nesta pequena crónica greco-luso-holandesa. E, já agora, não esqueçamos outro histórico clube dos Países Baixos, o Sparta de Roterdão, um dos poderosos do início do século, criado por um grupo de estudantes admiradores da história de Esparta, cidade-estado rival da antiga Atenas.
Para que tudo não se resuma a figuras da velha Hélade, também Roterdão viu nascer o RFC Xerxes, em 1904, tendo como inspiração o sucessor de Dário, rei da Pérsia, e pai de Artaxerxes.
Um gosto especial por gente especial. Vinda do mundo fantástico das lendas ao qual o futebol é sempre grato."
Afonso de Melo, in O Benfica
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