"Vejo, por motivos profissionais, ao longo de cada ano, centenas de jogos das ligas inglesa, italiana, espanhola e francesa, mais partidas das Ligas dos Campeões e Europa, e ainda múltiplos jogos entre seleções nacionais.
Ao longo dos anos, os organismos internacionais que gerem o futebol têm motivado e estimulado campanhas sobre fair play (não apenas financeiro…) e respeito. A palavra Respect, de resto, surge na publicidade estática dos estádios e até nas braçadeiras dos capitães de equipa.
O respeito será sempre o que dele quisermos fazer dele, enquanto prática. Mas, como conceito que baliza o comportamento, abarca todos os agentes do futebol, responsabiliza-os e deixa, até, um rasto para memória futura, em termos de atitudes e comportamentos dentro e fora dos retângulos de jogo.
Passa de geração em geração como exemplo mas, mais marcante ainda, serve como exemplo para gerações de jovens (praticantes ou não), que sempre se procuram rever nos role models que elegem. E essa é uma responsabilidade adicional que nenhum ator do futebol, sobretudo os dos grandes palcos, deve negligenciar, sob pena de os pressupostos que servem de base a uma atividade limpa e despida de pressões adicionais, que não sejam as que derivam do próprio edifício competitivo e de alto rendimento.
Se bem se recordam, escrevi, há exatamente uma semana, nesta página, sob a pressão denunciada pelo árbitro de insígnias FIFA Fábio Veríssimo, no balneário do Estádio do Dragão, ao intervalo do jogo entre FC Porto e SC Braga. Fi-lo porque obviamente se tratou de uma situação para inclusão no relatório, altamente penalizante (ademais porque completamente desnecessária) para a imagem e os pergaminhos de um grande clube.
Eis senão quando, no Estádio da Luz e após a igualdade entre SL Benfica e Casa Pia AC, um alto dirigente encarnado invetiva o juiz de campo com termos muito pouco abonatórios. Ordinários e desfazados da realidade, até.
A divulgação pública dos insultos fez correr imensa tinta, ao ponto de o próprio Mário Branco, diretor geral do Benfica, ter reconhecido, ao longo da semana, que se havia excedido nas palavras dirigidas ao árbitro portuense.
O problema vai muito para lá do «vou rebentar-te todo». É um problema de cultura desportiva (no caso, de gritante falta dela), neste caso tendo como protagonista um alto dirigente com experiência no futebol internacional, que arrisca, agora, punição e suspensão exemplares das suas funções.
É um problema, sobretudo, de uma velha escola que tudo quer, tudo pode, tudo manda, minimizando outros agentes desportivos sob a manta do enxovalho, da superioridade mural e da defesa da pátria, entenda-se, de um patrão que lhe paga um vencimento suficientemente generoso para justificar brutalidades e ordinarices no final de um jogo de futebol, apenas porque as suas cores não foram, em mais de hora e meia de jogo, hábeis e competentes para ultrapassarem as dificuldades colocadas pelo oponente.
É um problema de educação, ou falta dela, ainda que, no momento, a ansiedade e o nervosismo tomem conta de múltiplas e intempestivas reações, mas que, no limite, visam outro agente do jogo, com família, amigos, vida para além do futebol e dignidade em dupla via, quer como agente desportivo, quer como cidadão de pleno direito ao seu bom nome.
Durante a semana, os principais dirigentes da arbitragem portuguesa tiveram ocasião de demonstrar que caminhos e que critérios estão a ser seguidos. É indispensável que o setor continue este gradual e paulatino caminho de identificação com processos de comunicação cada vez mais transparentes e transversais, para formar e informar, mas também — obviamente — para uma autocrítica pública que só valoriza e engrandece quem tem de, em média, e durante os noventa minutos de uma partida de futebol, tomar cerca de mil decisões. E não, o VAR (Video Assistant Referee) não pode intervir em todos os momentos e em todas as jogadas, cabendo-lhe apenas a verificação e eventual sugestão de reversão de decisões tomadas, aos árbitros centrais, em quatro aspetos muito específicos do jogo.
A arbitragem portuguesa terá, seguramente, caminho a percorrer, quer na captação e formação, quer na melhoria da comunicação, quer nas relações diplomáticas com os organismos dirigentes internacionais que lhe permita sustentar e solidificar uma presença além-fronteiras recorrente e de qualidade superlativa.
Mas os dirigentes têm um caminho muito maior a percorrer, entre o cérebro e a boca, entre o impulso do momento e o respeito pelo jogo e por todos os seus intervenientes, entre a explosão mediática e a necessidade de um exemplo consistente para os associados dos seus clubes, para os jovens que pretendem seguir carreira, para os que os veem num ecossistema de valores incontornáveis, que não podem, em circunstância alguma, ser subvertidos, ainda que haja, logo a seguir, um mais ou menos público arrependimento.
Portanto, caro Mário Branco, não vai rebentar ninguém. Ninguém vai ser rebentado.
Quando tiver esses ímpetos, comece por rebentar, com toda a força das palavras imprudentes que proferiu, a sua própria falta de cuidado, para poder voltar a ser um exemplo para o seu clube e para todos os que o seguem.
Cartão vermelho
A Seleção Nacional é, acima de tudo, um espaço de honra, e deve ser um exemplo para todos os que a servem. Existe há muitas décadas e continuará tempo fora a exercer um fascínio único nos adeptos do futebol português espalhados pelos quatro cantos do mundo. O futebol já existia — com praticantes de eleição — antes de Cristiano Ronaldo se tornar um ícone e um símbolo do país, e continuará por todo o sempre, portanto, infinitamente depois do jogador madeirense terminar a sua fantástica carreira. Dito isto, o modo como Cristiano foi expulso em Dublin e, sobretudo, a triste forma como saiu do retângulo de jogo do Aviva Stadium foram momentos para esquecer. Ou para lembrar sempre e muito. Para lembrar que a educação, o prestígio e o respeito por companheiros e adversários não são negociáveis, e não se podem perder num simples minuto."

Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!