"Vale a pena refletir sobre o sentimento europeu desencadeado pela recente vitória do Velho Continente sobre os Estados Unidos, em Nova Iorque, na Ryder Cup. A Europa anda à procura de um elemento identitário, que sem obliterar os países fortaleça a União, e o Desporto tem todas as condições para estar na primeira linha desse desafio...
A União Europeia (UE), perante a nova conjuntura criada pela alteração de políticas dos Estados Unidos após a eleição de Donald Trump, pelo expansionismo russo transformado em ameaça, e pelo poderio económico da China, que de forma muito pragmática se tem aproveitado de tudo isto com a sua milenar paciência, procura desesperadamente fórmulas unificadoras, que a ponham a cobro das hesitações reveladas nos casos da invasão da Ucrânia e da desproporcionalidade da resposta israelita, em Gaza. Depois da moeda comum, vai ganhando forma a ideia de umas Forças Armadas da UE, e estão em curso há muitos anos programas académicos, científicos e culturais, financiados por fundos europeus, que visam solidificar a ideia de uma Europa coerente e una, que ao mesmo tempo preserve a identidade de cada um dos países que a compõem, e ainda daqueles, como o Reino Unido ou a Suíça, com quem mantém relações diferenciadas.
Ora, o sentimento de pertença europeia, que não é obtido através de nenhum tratado, ou lei que deva ser transposta para o ordenamento jurídico de cada país, constrói-se, isso sim, através de atos concretos que contem com a adesão espontânea dos cidadãos deste bloco, nesse aspeto identitário claramente em desvantagem face a norte-americanos, russos ou chineses.
DESPORTO AGREGADOR
O Desporto, até agora ignorado como elemento aglutinador dos europeus (raríssimas exceções podem ser apontadas, nomeadamente a realização de um jogo em Old Trafford, durante a presidência de Durão Barroso, para celebrar os 50 anos do Tratado de Roma, entre uma seleção da UEFA e o Manchester United, a 4 de março de 2012 – e que golo de livre direto CR7 assinou, pelos ‘red devils’, nessa noite!), tem na Ryder Cup, que a cada dois anos coloca frente a frente, alternadamente em solo europeu ou norte americano, os melhores golfistas destes blocos, um exemplo, que pode ser uma espécie de ovo de Colombo, que devia fazer refletir os líderes europeus. Que outro evento veste, com a bandeira da UE, milhares de adeptos que assumem a sua identidade europeia, vibrando com o ‘putt’ decisivo de Shane Lowry em Nova Iorque, com a fúria do espanhol John Rahm ou do austríaco Sepp Straka, ou com a frieza dos nórdicos Viktor Hovland, Ludvig Aberg e Rasmus Hojgaard,e, independentemente do Brexit, com a mestria de Rory McIlroy, Tommy Fleetwod, Matt Fitzpatrick, Justin Rose, Tyrrell Hatton ou Robert MacIntyre?
Para lá da vertente económica, do esforço conjunto militar, dos desenvolvimentos académicos e culturais, todos obviamente importantes, falta à UE, juntamente com os países com quem mantém, através de protocolos, relações ‘especiais’, uma aposta na linguagem universal e unificadora do Desporto, como forma de solidificar o conceito de União. É possível fazê-lo sem obliterar o sentimento nacional, aliás bem expresso pelas bandeiras de cada um dos países europeus representados na Ryder Cup, nas bancadas do buraco 18, do Bethpage Black Course, da ‘Big Apple’.
Tem sido através do Desporto que têm sido dados alguns dos mais significativos saltos civilizacionais quanto, por exemplo, ao racismo e à igualdade de género, e poderá (deverá, até) ser no Desporto que a UE encontre o elemento identitário que, apesar de tudo, ainda não conseguiu alcançar. A adesão dos europeus à ideia de equipa comum na Ryder Cup prova que este é um caminho que nos pode levar longe. Porque, citando Jacques Delors, «será que uma consciência europeia pode ser construída baseando-se apenas em números?»"

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