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quinta-feira, 11 de maio de 2023

Por que erram os árbitros? Pouca gente se dedica a pensar. Há sete razões, entre elas o ego e a sobranceira


"Os erros dos árbitros são tema transcendente no futebol. E pouca gente dedica-se a pensar, com calma, porque é que eles acontecem, independentemente dos meios de apoio que dispõem.
Vou tentar ajudar, fazendo uma espécie de inventário sobre o que pode originar equívocos na análise de lances de jogo:

1. INCOMPETÊNCIA
Há árbitros que simplesmente não têm qualidade para dirigir jogos. Têm boa vontade, são bons teoricamente, são sérios, empenhados e comprometidos, mas quando põem o apito na mão... não têm jeito. Não têm sensibilidade. São uma espécie de alunos em fim de curso, com nota máxima na licenciatura, mas que não sabem aplicar na prática tudo o que aprenderam na sala de aulas. Não têm culpa, mas também não têm condições para ir longe.

2. FALTA DE CONCENTRAÇÃO
Arbitrar requer foco a 100%. Quando o jogo está a acontecer, a concentração tem que ser máxima. A cabeça tem que estar limpa e todos os problemas devem ficar à porta do estádio. Há quem consiga fazer isso de forma exemplar e há quem tenha dificuldade em dissociar pessoal de profissional. Se um árbitro não consegue deixar de pensar nas dificuldades pontuais da sua vida (problemas conjugais ou financeiros, por exemplo), o seu desempenho será afetado, porque parte dele simplesmente não está lá, onde deve estar. Parte dele não está disponível para a decisão. E é aí que os erros aumentam e tudo piora.

3. CONDIÇÃO FÍSICA
Este aspeto diz-me muito, porque passei parte importante da minha carreira enquanto “profissional” dependente desta variável. Quando temos (ou pensamos que temos) lesões recorrentes, passamos parte do jogo a pensar que o tendão vai rasgar, que o gémeo vai contraturar ou que o joelho vai doer. Cada sprint, cada travagem ou mudança de direção está presa a esse receio. E se a mente está demasiado ocupada com essas variáveis, a disponibilidade para ver e acertar é menor, muito menor. A preocupação afeta diretamente a forma como os árbitros leem e analisam as jogadas. Acontece o mesmo se simplesmente estiverem mal preparados ou acima do peso desejável: não conseguem acompanhar os lances de perto, estão menos lúcidos (pela fadiga), mais intolerantes ao diálogo, logo... decidem pior. Erram mais. É também por isso que são menos respeitados pelos outros intervenientes, porque é percetível a sua dificuldade. A imagem conta (muito), por ser algo que (des)credibiliza à partida.

4. DIFICULDADE DA MISSÃO
Arbitrar é uma arte muito difícil. Quem arbitra, tem duas opções: acerta ou erra. É um trabalho diretamente associado à tomada de decisão, tal como o do piloto na estrada ou do cirurgião na sala de operações. É preciso avaliar constantemente, a cada segundo, sendo que durante um jogo podem ser mais de trezentas as situações alvo de escrutínio. Na arbitragem, o erro mora muito próximo do acerto, até porque há fatores externos que também perturbam a qualidade da decisão. Só quem tem coragem de pegar num apito e ir lá para dentro brincar aos árbitros é que percebe a dificuldade dessa profissão.

5. PERSPETIVA E ENGANO
Como se já não bastassem os tais fenómenos intrínsecos (foco, preparação física, teórica, emocional, etc.), há também outros que podem toldar a qualidade das decisões. Um deles é o ângulo de análise: se um árbitro estiver mal colocado ou permitir que a sua visão fique obstruída, deixa de ver o que está obrigado a ver. A responsabilidade é sua, que deve aprender a posicionar-se no melhor local para avaliar corretamente. Mas há ainda a questão dos mergulhadores, ou seja, a dos jogadores que acham que simular faltas ou agressões “faz parte” do seu trabalho. Passam parte do jogo a tentar enganar o árbitro com quedas aparatosas e reações teatralizadas, só para tentarem o benefício maior. Só para tentarem ludibriar o juiz, levando-o a punir injustamente colegas de profissão que nada fizeram de errado. Os árbitros devem estar atentos a quem evidencia essa tendência e serem firmes na forma como os sancionam. São eles ou eles.

6. TRABALHO DE EQUIPA
Nenhum homem é uma ilha e nenhum árbitro sobrevive sem uma equipa de topo, que o ajude a toda a hora. O processo de comunicação entre todos deve ser bem preparado e orientado para o acerto. Os colegas devem também incentivar, apoiar, fazer com que o árbitro se sinta “escudado” e seguro. É importante que quem está em campo sinta que não está só e que tudo o que os seus olhos não veem está a ser “varrido” por alguém, atento a tudo o que se passa nas suas costas. Este é um dos fatores que mais determina sucesso ou fracasso da missão.

7. EGO/SOBRANCERIA
Quando o árbitro é o seu pior inimigo. Quando acha que é o maior, o melhor. Quando pensa que já chegou ao topo e que todos os seus pares o veneram, por serem referência de excelência. É nesse momento que começam a queda aos trambolhões. A arbitragem requer humildade constante, espírito (auto)crítico e muito trabalho, sobretudo quando se chega ao mais alto dos patamares. É importante perceber que não há Maradonas nesta atividade e que os recordes são para serem batidos pelos jogadores, esses sim os verdadeiros protagonistas, os únicos craques do jogo. Toda e qualquer carreira construída com mérito durante anos, pode desvanecer se o ego for excessivo. Quem flutua demasiado, deixa de ter os pés no chão. Um árbitro a sério sabe disso.

Haverá outras razões que justificam erros de análise, mas estas serão eventualmente as mais impactantes.
Uma que definitivamente não entra nesta equação é a premeditação. A maldade a avaliar, a atuação deliberada, a vontade de prejudicar uns em detrimento dos outros. Por muito que existam ovelhas negras em todas as famílias, elas serão sempre raras e colocadas de lado assim que mostram ao que veem.
É preciso acreditar nos árbitros, tal como se acredita nos juízes, nos médicos e em quem pilota o avião. O princípio da boa-fé é fundamental para dar mais tranquilidade e condições a quem precisa (muito) delas para ser melhor no que faz.
Às vezes isso passa simplesmente por não ver os outros à nossa imagem."

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