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terça-feira, 7 de abril de 2020

A ponte é uma passagem

"Com a pandemia em curso não se deu a atenção devida a uma decisão corajosa da FIFA, que não pode ajudar a mudar o negócio do futebol. Foram finalmente proibidas as 'transferências ponte', isto é, um clube deixou de poder contratar e transferir os direitos desportivos de um jogador na mesma janela de mercado. A decisão produz efeitos já no próximo defeso. Para se perceber melhor, negócios como o que o Benfica fez com Yony González, contratado em Janeiro ao Fluminense e cedido ao Corinthians, deixam de ser possíveis.
Para além do passo para a humanização do negócio do futebol, contrariando-se a propensão a tratar jogadores como mercadorias (pode alguém deixar de se sentir desconfortável com as apresentações artificiais, nas quais um homem veste a camisola de um clube pelo qual nunca jogará, apenas para assinar um contrato e logo ser despachado para outro destino?), esta decisão pode ajudar a diminuir a opacidade do futebol global.
O recurso a 'transferência ponte' tem uma explicação: encontrar um clube que aloja temporariamente um atleta, funcionando como ponte para outra paragem, foi uma forma de empresários e fundos contornarem os entraves à 'third party ownership' (isto é, jogadores que não são detidos por clubes). No fundo, continuou a ser possível ocultar quem, de facto, detinha o passe de um futebolista. Sintomaticamente, alguns jogadores passaram a estar envolvidos num verdadeiro carrossel de mais-valias, percorrendo um circuito de clubes sempre em valorização (muitas das vezes sem correspondência nas suas prestações desportivas), sem que as contas dos clubes reflectissem em toda a sua extensão os resultados financeiros das transferências. É, aliás, a explicação para uma minoria ter enriquecido muito com o negócio do futebol, enquanto a maioria dos clubes vive uma situação financeira estruturalmente frágil.
Para além do mais, a FIFA parece ter sido prudente na decisão. Na verdade, continua a ser possível contratar um jogador e emprestá-lo imediatamente. Só que agora o ónus da prova recai sobre o clube e já não sobre a FIFA (que até aqui tinha de demonstrar o ilícito). A questão não é irrelevante. Para nos mantermos em exemplos com o Benfica, há casos em que fez sentido contratar um jogador que ainda não tinha condições para ocupar um lugar no plantel mas que era uma aposta de futuro. Pizzi, por exemplo, foi contratado e logo emprestado ao Espanyol de Barcelona,onde fez uma época a alto nível, antes de se afirmar no Benfica.
Mesmo um clube que tem sido useiro e vezeiro em transferências ponte, há negócios que devem poder continuar a ser feitos, desde que devidamente justificados. O que é preciso impedir é que o futebol continue a ser terreno fértil para negócios opacos que escapam à racionalidade económica. Pode ser que, passada a pandemia, alguma coisa mude."

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