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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Os pormenores são mentira

"Está na linha de outros clichês que se tornaram muleta de análise, mas que do jogo dizem muito pouco, como as “fases de estudo mútuo” que já não existem neste tempo de análise minuciosa pelo vídeo, o absurdo da “troca por troca” nas substituições, já que basta que o jogador que entra seja diferente - e não os há iguais - para que se altere a dinâmica (em rigor uma sub-dinâmica), a “eficácia” que serve para explicar tudo e um par de botas, mas talvez a mentira mais vezes tomada como verdade seja a de que os pormenores decidem muitos jogos de futebol. É falso. O que decide a maioria dos jogos é a competência colectiva e individual de uma equipa, e que resulta, antes de mais, de um plantel bem escolhido (a qualidade individual) e de uma ideia de jogo bem treinada (a qualidade colectiva). Que sentido faz que uma equipa que passou a maioria do jogo com linhas baixas e evitou, no limite, que várias oportunidades do rival se consumassem, venha queixar-se de um pormenor quando sofre o golo da derrota já perto do fim? O golo sofrido era apenas um golo adiado e isso não é um pormenor. Em tese, num caso desses, ou se perdeu a bola demasiado depressa, ou não se chegou as vezes necessárias ao meio-campo contrário, simplesmente não se evitou ser alvo de tantos e sucessivos ataques. Pode haver maior dose de incapacidade própria ou mérito do opositor, no limite alguma infelicidade, mas não há pormenores. Nem isso, nem qualquer desatenção, já agora, que nenhum jogador defende uma bola parada, por exemplo, a pensar em como vai pagar a conta da luz ou na necessidade de levar o cão ao veterinário.
Sim, foi num lance ocasional, um canto no último minuto, que se decidiu esta semana o Benfica-Famalicão, com um certo travo de injustiça, pelo que fez o Famalicão e sobretudo por aquilo que historicamente lhe seria exigido. Não é – infelizmente – comum no futebol português que uma equipa se apresente com tal descaramento no terreno de um grande, descaramento dos bons, sinónimo de coragem táctica. É verdade que o Benfica terá surpreendido ao marcar num canto aberto curto e num daqueles casos em que o pormenor táctico será legitimamente invocado. No entanto, foi a qualidade do Famalicão (a do Benfica é óbvia) que fez daquele um grande jogo, que permitiu cinco golos repartidos na Luz, e que deixa em aberto uma meia-final da Taça. E isso, não há pormenores que expliquem, só pormaiores.
O Famalicão não tem a ambição resumida ao discurso, em que a intenção de querer discutir resultados em qualquer campo morre mal acaba a conferência de imprensa. E a equipa que agora brilhou na Luz é, do ponto de vista dos princípios, a mesma que foi derrotada sem apelo na anterior deslocação ao terreno do Benfica ou no Dragão. Apenas cresceu. Mantém a convicção de que para ganhar espaço à frente convém arriscar na construção desde trás, que para ter bola no meio-campo contrário é necessário encontrar pontos de apoio que permitam chegar da construção à criação em posse, ou de que a largura ofensiva é para praticar sempre, permitindo tanto acelerações rumo à cabeceira como conexão entre os três corredores, que o eixo central nunca fica fora da equação. Deste modo, se Fábio Martins e Diogo Gonçalves são determinantes, Racic e Pedro Gonçalves não o são menos. Aliás, médios interiores de qualidade (e se estes a têm!) só podem brilhar verdadeiramente quando uma equipa arrisca jogar “por dentro”. Olhar para o Famalicão como um fenómeno que resulta só de dinheiro israelita e da proximidade a Jorge Mendes é injusto, desde logo para o trabalho notável que está a ser feito por João Pedro Sousa, o ex-adjunto de Marco Silva. Percebe-se a construção de um plantel feito para jogar e não para não deixar jogar, com procura de jogadores que antes da dimensão física garantem compreensão do jogo, e uma convicção firme numa ideia que os resultados menos bons não abalam. Não dará para ser terceiro? Provavelmente não. Mas nada vai apagar o que tem conseguido, sobretudo o lastro de qualidade que tem deixado. Sem nada de pormenores.

Nota colectiva: Atalanta - vai na segunda época de luxo em Itália, com o técnico Gian Piero Gasperini como mentor do sucesso. Assume uma forma de jogar pressionante, com e sem bola, apostando muito na defesa individual, com mais atenção ao homem que ao espaço, algo que voltou a ser particularmente comum em Itália. Ofensivamente constrói sobretudo a partir das laterais, mas buscando triângulos que alimentam a decisiva zona de criação. É lá que se coordenam os recuos de Papu Gómez com os avanços de Ilicic, para garantir uma imprevisibilidade permanente e oportunidades em série. É esta Atalanta que luta palmo a palmo com a Roma pelo quarto lugar e segue ainda na Liga dos Campeões. E há números que não mentem: mora em Bérgamo a equipa mais goleadora do calcio, com 59 golos marcados. São mais 16 do que a supercampeã Juventus.

Nota individual: Adama Traoré Deve ser mesmo o futebolista mais rápido do mundo e, embora provoque sentimentos mistos, tem influência cada vez maior no jogo dos Wolves de Nuno Espírito Santo. Foi onde encontrou o contexto tático que o favorece, seja na ala direita ou nas costas de Jimenez. Monstro físico, filho bastardo das criações do Barcelona em La Masía, Adama é, segundo estatísticas recentes, não só o jogador que mais dribles assume na liga inglesa como, de longe, – surpreendam-se! – o que tem maior número de dribles bem sucedidos. Podemos discutir o que faz a seguir, que a tomada de decisão final nunca será o seu forte, mas num jogo em que o espaço rareia e em que superar um rival é tantas vezes determinante, ele tem sido chave para abrir várias defesas e resolver jogos. E isso tem um valor que não se discute."

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