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segunda-feira, 8 de julho de 2019

“O meu pai morreu de cancro, tinha eu 14 anos. Tenho noção de que posso ter prejudicado o meu irmão para continuar no futebol”

"Aos 43 anos, o ex-médio do Benfica, que tinha como imagem de marca cabelo comprido e ar tímido, perdeu o cabelo mas não a vontade de manter-se ligado ao futebol, ainda que num papel de gestão. Coordenador da formação do Amora FC, clube onde iniciou a carreira antes de rumar à Luz, recorda (...) o seu percurso, que passou por Espanha e também pelo Sporting, ainda que sempre de forma discreta. Com dois filhos adoptados, Bruno Caires revela de quem foi a ideia do famoso livre em que ele e Dani fingem que se zangam e conta alguns episódios que viveu no Japão com a selecção de sub-18, campeã da Europa em 1994

Nasceu em Lisboa, é filho de um jogador de futebol, comece por falar-nos do seu pai e da sua mãe.
O meu pai chamava-se Eurico Caires, oriundo da Madeira, e a minha mãe Maria Helena Dias Caires, do Algarve. Onde estamos agora, na Amora, era onde a minha mãe residia. O meu pai veio jogar para o Benfica muito novo e através de uns amigos conheceu a minha mãe. Casaram e tiveram três filhos. 

O seu pai foi só jogador de futebol ou teve outra profissão?
Quando deixou de jogar virou a página e fez algo diferente, teve uns talhos e teve uma churrasqueira, aqui na zona. A minha mãe era doméstica.

Tem quantos irmãos?
Dois. O mais velho tem 47 anos e a minha irmã tem 39 anos. Sou o irmão do meio.

Lá em casa sempre se torceu pelo Benfica?
Sim, a veia sempre foi benfiquista.

Lembra-se de ver o seu pai jogar?
Vagamente. Ainda vi aqui uns cinco ou seis jogos. Eu era pequeno, não tenho uma noção muito viva. 

Era um miúdo calmo ou deu muitas dores de cabeça?
Era uma criança calma. Dos três irmãos sou o mais calmo. O meu irmão é mais falador, a minha irmã também é mais extrovertida.

O futebol começou muito cedo?
Sim, começou onde estamos, no campo do Amora FC, só que na altura era pelado, e não havia infantis. Mas umas pessoas ligadas ao clube quiseram formar uma equipa para participar no Girabola, porque também não havia campeonatos distritais como há agora. Foi a partir daí. Jogávamos na escola, mas toda a gente sabe quem é que jogava bem, o meu pai era uma referência na zona da Amora e a pessoa que levou isso para a frente juntou um lote de atletas, incluindo eu, e fizemos uma boa equipa.

Tinha quantos anos?
10, 11 anos. Fizemos um excelente campeonato e acabamos por ir à final.
Gostava da escola?
Quer dizer... É aquela situação que agora vejo nos meus filhos. Tenho um filho e uma filha, a filha vai entrar este ano na escola, e já gosta de andar com os livros atrás, é dedicada; o filho temos de andar sempre a chatear [risos]. Eu nunca fui um grande aluno, fui fazendo a escola. Mas gostava de ir porque fiz grandes amigos na escola.

Como vai parar ao Benfica?
As coisas correram bem no Amora, na altura era diferente, hoje os pais são mais presentes, mais preocupados - às vezes até demais - com os filhos e o meu pai não. Mas, como fomos à final, como toda a gente dizia que eu tinha alguma capacidade e o meu pai também via isso, porque eu passava a vida a jogar à bola na rua, resolveu levar-me ao Benfica. É engraçado que o meu irmão foi para o Sporting e eu fui para o Benfica.

Porquê?
O meu pai foi ao Benfica tratar de algumas coisas, porque ele jogou com o João Alves, o Nené, Artur Jorge... E o Nené era o coordenador do futebol juvenil e perguntou ao meu pai: "Então porque é que não trazes cá o miúdo?" Fui lá fazer um treino e pronto. O meu irmão foi para o Sporting nas mesmas circunstâncias, o meu pai dava-se muito bem com o Carlos Pereira, que estava ligado ao Sporting, e de uma forma parecida também levou o meu irmão, que já estava no Sporting quando eu fui para o Benfica, com 11 anos. Foi por acaso.

Custou-lhe deixar os amigos do futebol da margem sul para ir para o Benfica?
Não, na altura a única coisa que custava é que demorava duas horas a chegar ao Estádio da Luz.

Ia sozinho, com 11 anos?
Ia sozinho, de transportes. Na altura era o fim do mundo. apanhava aqui o autocarro para a Piedade, na Piedade apanhava outro autocarro para a Praça de Espanha e de lá o metro para o Colégio Militar. Outros tempos, hoje andamos sempre atrás dos filhos. Também tinha vários amigos que viviam na zona, uns na Piedade, outros em Paio Pires e quando chegámos ao último ano de juniores já éramos à volta de 12 atletas da margem sul. O único drama é que se perdêssemos o autocarro só chegávamos no outro dia quase [risos]. A ponte era um caos, às vezes chegava atrasado e por isso devia pagar multas mas como era o mais novo e o que ganhava menos, era perdoado [risos]. Na altura o Gaspar Ramos era o director do futebol do Benfica e também tinha o mesmo problema, por isso estava safo [risos].

Quem eram os seus ídolos?
Eram jogadores que via passar lá no Benfica, porque quem se lembra do antigo estádio da Luz recorda-se que os seniores passam por nós e havia uma grande ligação. Ricardo Gomes, Paulo Sousa, Mozer, Rui Costa, vários atletas, é difícil enumerar todos.

E o cabelo comprido, era para imitar alguém?
Não. Sempre tive o cabelo comprido, desde miúdo. Também não gostava muito de ir ao cabeleireiro. Naquela altura usava-se cabelo comprido. Agora já não o tenho [risos].
Quando começam as primeiras saídas à noite?
Com 16, 17 anos. Havia um ou outro que puxava e começou por aí. Até então estávamos sempre ocupados ou com torneios ou na selecção. Mas a minha primeira saída à noite deve ter sido com o meu irmão. Nós íamos muito para Sesimbra. Mas era mais nas férias.

Já era reconhecido como jogador do Benfica?
Não, isso foi só quando cheguei aos seniores do Benfica. Uma pessoa queira ou não as pessoas reparam, há os autógrafos ou querer tirar fotografias. Acaba por ser um bocadinho incómodo, porque não se consegue estar à vontade ou fazer uma parvoíce que toda a gente faz.

Os namoros também começam nessa altura?
Sim, com a namorada de sempre, a Carla, que é a minha mulher. Vivíamos na mesma praceta. O nosso casamento foi muito engraçado. Porque no dia do casamento quem conhecia os noivos ia a casa de um e do outro e não saía da mesma praceta [risos]. Conhecemo-nos desde pequenos e começámos a namorar a partir dos 15, 16 anos.

Lembra-se do valor do primeiro ordenado?
Em juniores já havia uma tabela e todos ganhavam o mesmo, mas não me lembro. Depois nos seniores, se calhar equivalia a 1500€.

É no Belenenses que faz a estreia como sénior.
Sim. Nas Antas, com o FCP. Da minha geração, fomos campeões da Europa de sub-18 e eu fiquei no Benfica, na altura do Artur Jorge. Nesse primeiro ano não joguei no Benfica porque naquele tempo não era fácil com 18 anos chegar e jogar. Em dezembro fui para o Belenenses com o João Alves. As coisas correram bem.

Estava muito nervoso?
Uma das coisas que os meus colegas na altura me diziam é que eu não tinha a idade que tinha. Porque eu tinha 18 anos mas eles achavam que eu fazia coisas com muita calma e sem estar nervoso. Na altura o João Alves só me deixou jogar meia parte e correu-me muito bem. Sempre fui um jogador que, como se costuma dizer... O stress não passa por mim.

Foi campeão Europeu em 1994 com a selecção.
Sim, nos sub-16 ficámos em 4º lugar e fomos campeões depois. No Europeu de sub-16 perdemos nas meias-finais contra a Espanha, foi um amargo de boca porque tínhamos uma selecção com grande capacidade. Lembro-me que ficamos no grupo da Holanda, o Ajax tinha acabado de ser campeão da Europa com o Seedorf, Kluivert, mais um ou outro e eles também jogavam na equipa da Holanda. A nossa equipa tinha Dani, Nuno Gomes, Quim, Rui Óscar, Beto, Alfredo Bóia, José Soares, Mariano, João Peixe e outros.

Faziam muitas asneiras, muitas partidas uns aos outros nos estágios da selecção?
Sim. Ali era onde fazíamos mais asneiras. Acho que a federação na altura tinha muita paciência para connosco. Mas também já sabiam que havia sempre um mais artista do que outro.

Recorde lá umas histórias dessa altura.
Fomos campeões da Europa e depois fomos fazer uma digressão ao Japão e aí foi o caos, só fazíamos asneiras. Lembro que ficávamos sempre em hotéis de cinco estrelas, mas a comida não era nada agradável para nós. Num deles, fomos jantar para uma sala onde meteram um biombo, os treinadores e o staff ficaram de um lado e nós do outro. Só que aquilo tinha um vidro que dava para o hall, por onde as pessoas passavam para ir para os quartos. Vieram aquelas sopas de ninho não sei das quantas e mais comida, e quando demos conta tínhamos as pessoas todas com as mãos na cabeça porque estávamos a atirar as coisas uns aos outros e o vidro estava imundo [riso]. Outra parvoíce que fazíamos era entrar nas lojas e sair com ursos de peluche do nosso tamanho, sem pagar, e eles como são muito civilizados, não nos diziam nada [risos]. No final claro que devolvíamos, porque havia alguém na federação que nos obrigava a fazê-lo. Não tinha a ver com o dinheiro porque nós já ganhávamos dinheiro, era mais pela brincadeira, para chocar, porque eles culturalmente eram completamente diferentes de nós. Lembro que também saíamos desses almoços e íamos a correr para o McDonalds. Na altura ainda não havia aqui. Como as salas de jogos, cá não havia muitas e lá era em todo o lado. Até é coisa de que não gosto muito, mas íamos para lá e fazíamos corridas de carros, gastávamos o dinheiro todo na sala de jogos e nos hambúrgueres. Nos hotéis também havia sempre um que acordava com a cara cheia de pasta dos dentes ou metíamos sal nos lençóis, enfim, as brincadeiras que acabavam por ser muito saudáveis.
Também as fazia ou ficava a ver os outros a fazer?
Era mais de observar e às vezes também me tocava a mim. Também sofria na pele. Lembro-me de outra, antes de irmos para o campeonato do mundo de sub-20, era a mesma geração: acabámos o estágio e só saíamos de viagem no domingo. Era uma sexta-feira à noite, estávamos todos motivados para ir jantar e ir beber uns copos depois do jantar. E houve um artista, não vou dizer o nome, que deu uma mocada com o carro à noite e em vez de irmos sair fomos todos tristes para casa [risos].

Nesse Campeonato do Mundo em 1995 o Bruno protagoniza um livre com o Dani que ficou para a história. Simulam que se chateiam, empurram-se e tudo, mas marcam e é golo.
É verdade. Quando cheguei à selecção o Carlos Queiroz já tinha subido à selecção A, mas toda a estrutura, o Nelo Vingada e o Agostinho Oliveira, mantinha-se e por isso havia um trabalho de continuidade. A nossa selecção muitas vezes ganhava os jogos e nós perguntavamos como era possível porque tínhamos a noção de que os outros tinham mais capacidade, mas nós, não sei como, lá conseguíamos ganhar os jogos e os torneios. Lembro-me que para nós, aquilo era uma seca, passar a tarde a treinar livres. E o Nelo Vingada tinha essa metodologia desses livres e treinámos aquilo umas 10 vezes. Naquele jogo, contra a Holanda, já estavam a ganhar 3-0, então o Agostinho foi para a área e naquela altura dissemos: "Bora fazer aquele livre". Fizemos e quando olhamos para o adversário vemos que eles pensavam que nós estávamos mesmo a chatear-nos à séria e correu bem. 

Mas de quem foi a ideia de ensaiar um livre assim, com aquela simulação de zanga?
Foi o Nelo Vingada: “Vocês vão, fazem que batem um no outro, vão para trás e chutam logo a bola”. Passámos uma tarde toda a treinar aquele livre no Estádio Nacional. Resultou [risos].

Depois do Belenenses, volta ao Benfica, entretanto sai o Artur Jorge e o Mário Wilson assume o comando da equipa. Como era o velho capitão?
Era fantástico, fantástico. Tinha o dom de cativar. Normalmente os treinadores gostam de falar um bocadinho antes do treino e muitas vezes é maçador, ele não. Ele contava histórias e metia-se com toda a gente. Aquela meia-hora ou 40 minutos antes do treino, toda a gente estava lá só para ouvir as histórias do Mário Wilson. Os ensinamentos dele não tinham muito a ver com a parte técnico-táctica mas com vivências. Ganhámos a Taça de Portugal. Foi muito giro. Estive seis meses em que não tive muitas oportunidades de jogar e ele lançou-me.

A época seguinte seguinte já foi com o Paulo Autuori.
Mais uma metodologia. Ele tinha estado no Marítimo e vinha como campeão do Brasil. Mais rigoroso na pré-época. Acabou por sair. Houve ali uma altura em que o Benfica vendeu alguns dos melhores atletas, estávamos em 1º lugar, o Helder e o Dimas saíram, depois houve uns problemas com alguns brasileiros e aquilo desmoronou um bocadinho. Depois veio o Manuel José até ao final da época. Já se sabe que isto no futebol não há o amanhã, é ganhar.

E o Manuel José, que tal?
Diferente também. Muito rígido. Quis implementar as suas ideias. Conseguimos ir à final da Taça mas perdemos com o Boavista. No ano seguinte começa a pré-época, faço as primeiras jornadas e depois é que vou para o Celta de Vigo.

Como e porquê?
Já havia muitos clubes certamente interessados em mim e o Benfica achou por bem, e eu também, que seria uma boa oportunidade ir para um campeonato completamente diferente. Foi um salto qualitativo.

Tinha empresário?
Era o José Veiga.

Foi sozinho para Espanha?
Não, a minha mãe foi comigo. A Carla também passou lá muito tempo. Foi fácil. Estava lá o Cadete, havia alguns jogadores espanhóis da minha idade que jogavam na selecção e que estavam no Celta, por isso acabou por ser muito fácil a minha integração. Sendo que os primeiros seis meses são sempre mais complicados por estar longe do seio familiar e dos amigos, que é uma coisa a que dou muita importância.

E ao futebol, foi fácil adaptar-se?
O futebol era totalmente diferente, os métodos de treino também, treinos mais curtos, o nível dos atletas era muito bom. Fizemos um grande campeonato. Depois tive a infelicidade, em Fevereiro, de me lesionar. Foi uma ruptura de ligamento cruzado. Estava pré-convocado para o Europeu 2008, pelo Humberto Coelho, mas num jogo em Salamanca, a tentar fazer um corte, lesionei-me. Esse ano já não joguei mais.

Começa a época seguinte com o Victor Fernández.
Sim, treinador também diferente, o jogo com poucos toques na bola, nesse ano voltámos a ter grandes jogadores, tínhamos uma super equipa, ou seja, estivemos dois anos sem perder em casa. Chegámos às meias-finais nas competições europeias... Foi giro. Fiz também grandes amigos na cidade, tenho lá quase uma segunda família, uns espanhóis que conheci através de amigos e com quem criei grande amizade. Vou lá regularmente e dou-me muito bem com eles.

No ano a seguir começa no Celta de Vigo mas acaba por ser emprestado ao Tenerife. Porquê?
Fui para lá nos últimos seis meses da época. No Celta não estava a jogar muito, tínhamos o Mazinho, Celades, Makelélé, Giovanella, e eu como vinha de lesão queria ter mais minutos.

Gostou da ilha?
Sim, nunca tinha estado numa ilha, gostei porque também acabou por não ser por muito tempo. Fui no final do Janeiro e a época terminou em maio.

Estava sozinho ou com a sua mãe?
Estive quase sempre sozinho.

O que fazia nos tempos livres?
Havia treinos bidiários, havia vários jogadores portugueses, o Tiago, o Costinha e outros brasileiros com quem estava. Depois por ser ilha, todos os jogos que tínhamos fora, ao fim e ao cabo passávamos o fim de semana todo fora.

Não tinha nenhum hobby, como jogar Playstation, por exemplo?
Não. Em Espanha os treinos eram mais tarde, só começaram às dez e meia, onze. Almoçam tarde, jantam tarde, era outra dinâmica. Também descansava ou acaba por estar com os colegas ou em casa.

Não tem nenhuma história para contar dos tempos passados em Espanha?
Quando cheguei ao Celta de Vigo, no segundo ano, depois de fazermos uma excelente época, fomos convidados para ir jogar com o AC Milan, no centro de estágio onde eles estavam, em Itália. E na altura o Celta de Vigo ainda estava com uma estrutura bastante pequena. Tínhamos um roupeiro que já era uma pessoa com alguma idade, mas que era acarinhado por todos. Quando chegámos ao jogo ele começa a desfazer as malas e descobrimos que não tinha trazido os equipamentos. Aquilo foi uma risota total. Foi história para mais de um mês em Espanha, porque tivemos de jogar com os equipamentos do clube da terra [risos].
Como é que vai parar ao Sporting?
Vim fazer um jogo à selecção B e fui dos melhores jogadores. Na altura o Sporting foi para a Liga dos Campeões, queria reforçar-se, eu também tinha vontade de jogar mais.

Não lhe fez confusão ir para o Sporting, sendo benfiquista?
É como todas as profissões, se gostamos muito de fazer uma coisa, e neste caso é jogar, e se temos um clube que mostra interesse... Também achei interessante poder jogar na Liga dos Campeões e o Sporting tinha acabado de ser campeão. Muitos dos colegas que lá estavam tinham jogado comigo no Benfica: Dimas, Paulo Bento, João V. Pinto... O Sporting ia estar em muitas competições, por isso queria um grupo grande mas isso fez com que essa gestão não fosse fácil para o treinador. Todos os jogadores que lá estavam tinham bastante capacidade.

Arrependeu-se?
Como em tudo na vida, se nós não tomamos as decisões não sabemos. É sempre relativo. Na altura as coisas não correram bem. Eu sempre fui um jogador que precisei de jogar. Há jogadores que não jogam mas entrando conseguem enquadrar-se bem. Eu tinha umas características diferentes, precisava de jogar para ter algum sucesso, só entrar não me era fácil.

Era um problema psicológico?
Não, tem a ver com as minhas características, como não era um jogador muito rápido, precisava de jogar muito.

Vai parar à equipa B porquê?
Na época seguinte o Sporting quis fazer algumas alterações, são situações que temos de perceber. O Sporting tomou essa decisão, sempre tiveram uma postura correta comigo, e tentámos arranjar outras soluções.

É quando vai emprestado para o Maia.
Sim, estive no Maia, onde já joguei com mais alguma regularidade. Depois voltei ao Sporting, mas fiquei na mesma na equipa B.

Já lá voltamos. Quando veio de Tenerife toma a decisão de casar.
Sim.

Foi viver para onde?
Onde vivo hoje, na zona do Lumiar.

A sua mulher foi consigo para a Maia?
Sim, foi giro. Como estávamos perto de Vigo íamos lá muitas vezes.

Não foi complicado quando voltou ao Sporting e dizem-lhe que vai para a equipa B? Era o mais velho.
Nós queremos sempre outras situações. Mas foi interessante passar algumas das vivências que eu tinha aos jovens. Claro que sentia que aquilo era um espaço mais para os jovens e acabei por tentar ir para outro clube. Fui para o Sporting da Covilhã. Fui em Fevereiro, o campeonato acabou em maio. Foi pouco tempo. Fiz lá alguns amigos. O clube tinha poucos pontos mas desde que lá cheguei fizemos o dobro dos pontos que tinham feito até então, quase que nos salvávamos.

Entretanto vai para o Louletano. Como surge?
O Amílcar da Fonseca tinha jogado com o meu pai, eu já conhecia bem Portimão, porque é onde passo sempre as férias. Ele enquadrou-me, explicou o projeto. Tentou fazer uma equipa para subir, mas foi um ano também difícil porque a mentalidade que estava instaurada no clube não era para aquilo. Ou seja, parte do plantel, uns trabalhavam, outros estudavam, o clube estava numa fase que queria e tinha capacidade financeira para tentar subir mas aquilo não resultou porque os treinos eram bidiários e havia uns que vinham aos treinos, outros que não vinham. Não foi fácil. Tínhamos individualidades com alguma capacidade mas com o passar do tempo aquilo foi desgastando, se o clube subisse, se calhar a maior parte dos atletas não podia continuar e alguns eram filhos de directores... Até que acabámos por, na parte final, passar um mau bocado no sentido em que as expectativas eram altas e tivemos de lutar para não descer de divisão.

E resolveu pendurar as botas. Porquê?
Aquilo que passei nesse ano foi totalmente diferente do que tinha sido a minha carreira até aí e resolvi que estava na hora de parar. Uma das coisas que me desgastou também é que tínhamos de ir jogar muitas vezes à Madeira e aos Açores e eu não gosto muito de andar de avião [risos]. A minha vida foi sem os amigos, sem a parte familiar e eu gosto muito do convívio. Foram muitos anos a comer só massa e arroz e chegou a uma altura que me fartei. Depois também tinha algumas mazelas que não me deixavam treinar bem. Tinha alguns problemas ao nível dos gémeos, já treinava e jogava com algumas dores e achei por bem colocar um ponto final.

Já sabia o que ia fazer a seguir?
Sempre gostei do meio imobiliário, o dinheiro que fui ganhando fui aplicando em imobiliário. Criei uma empresa, a "Friends & Company", que cresceu e ganhou novos sócios, neste momento temos dois clubes, um que é o Amora FC, onde gerimos o futebol juvenil até aos juniores, e o outro que é o Leão Altivo, que funciona dentro de uma escola. Quando chegámos aqui ao Amora FC há cinco anos, com esta direção, da qual também faço parte como vice-presidente para o futebol juvenil, tínhamos cento e tal atletas e hoje temos 400. Já temos equipas no nacional, já temos uma estrutura bem engraçada.

Mas desde que pendurou as botas até vir para o Amora FC, passaram 10 anos. O que fez nesses 10 anos?
Criámos a tal empresa "Friends & Company" e o Sporting lançou nessa altura as escolas de futebol Academia Sporting e nós fomos um dos primeiros a ter essa oportunidade. Criámos aqui em Corroios esse espaço para atletas fora do Sporting e começamos a partir daí esse caminho.

Na área de treino?
Não, eu estive sempre mais na área de gestão. Nunca tirei o curso de treinador e acho que ser treinador é uma profissão muito igual à de futebolista, para pior. Ou seja, é 24 horas sobre 24 horas a pensar no futebol e eu não quero. Por isso estou na parte de gestão. Mas claro que quando há necessidade, porque os treinadores aqui estão por gosto, nós conseguimos pagar a gasolina... Às vezes há um treinador que sai e meio da época e em vez de estar a substituir então eu acabo por preencher essa lacuna. Mas do que gosto mesmo é do jogo, isso é que motiva, porque é tentar passar alguma das vivências que temos, corrigir os atletas, o jogo.

Deixou os estudos em que ano?
Quando estava no Benfica, no 12º ano, não terminei.

Quando foi pai pela primeira vez?
Eu tenho dois filhos adoptados. Eu e a minha esposa não tivemos filhos biológicos.

Por opção?
Não, por outras situações. Não deu. Temos o Nelson, de 11 anos, e a Maura, que tem 6.

Adoptaram há quanto tempo?
Ambos vieram para nós com seis meses de vida. Portanto, há 10 anos e meio e há cinco anos e meio. É fantástico. É das experiências mais bonitas. Uma das coisas que me deixa mais feliz é que ambos são de cor negra, o Nelson de descendência angolana e a Maura cabo-verdiana, e as pessoas olham para eles e dizem que são muito felizes.

Eles já fizeram as perguntas difíceis?
O Nelson tem uma noção melhor, porque fez o acompanhamento da irmã, mas não faz muita questão de falar. A irmã tem uma forma diferente de estar, ela é mais curiosa, mais faladora. Ela pratica desporto, está na ginástica acrobática de competição e é normal que alguns miúdos perguntem porque é que ela é de cor diferente dos pais. Obviamente eles sabem que são adoptados. A família e os amigos têm ajudado também desde que eles chegaram, há sobrinhos meus que sobre a Maura já perguntaram por que é de cor diferente, do Nelson nunca perguntaram. São dois filhos fantásticos. São muito apegados a nós.
É crente?
Não posso dizer que seja crente a 300%, porque a vida também me tirou algo, estar com o meu pai mais tempo. Eu tinha 14 anos e ele 35 quando faleceu.

Faleceu como?
De cancro. Começou na perna, os médicos tentaram resolver mas passados uns anos voltou. Apareceu quando eu tinha oito, nove anos e depois mais tarde. Eu passava muito tempo no futebol e não tive muita noção. Só quando ele faleceu.

Do que sentiu mais falta depois dele falecer?
Acima de tudo da presença dele. A minha mãe acabou por ser uma super mulher que teve de fazer os dois papéis com três filhos. Tinha na altura o talho e a churrasqueira que o meu pai tinha criado. Foi difícil para ela.

Foi para lá ajudar muitas vezes?
Eu não tanto, agora o meu irmão... Tenho a noção de que posso tê-lo prejudicado porque ele também tinha alguma capacidade no futebol e na altura como era o mais velho, teve de participar na parte familiar.

Ele ainda jogava nessa altura?
Jogava, jogava aqui no Amora. Ele esteve no Sporting e no Belenenses, só que o meu pai precisava de ajuda e o meu irmão teve de vir jogar para mais perto e veio aqui para o Amora.

Nunca teve problemas com nenhum pai?
Não, há sempre uma explicação para as coisas. Há o contexto do clube, do treinador, dos atletas. Mas é verdade que o grande problema do futebol hoje tem a ver com as pessoas que estão fora do campo. E já houve reportagens sobre pais que agridem treinadores. Tento sempre que eles perceberam que isto é um caminho, uma forma dos filhos fazerem desporto e de ter amigos, de perceber que há regras.

Vi que é apoiante do PCP, aqui no Seixal?
Acima de tudo o meu apoio tem a ver com a dinâmica que temos criado aqui. A junta de freguesia tem sido um motor de apoio ao nosso desenvolvimento. Quando fazemos aqui um torneio, a Câmara apoia. Há um movimento de toda a gente e toda a gente acaba por beneficiar do crescimento do Amora FC. Acho que é legítimo da minha parte apoiar as pessoas que nos têm apoiado, mas não sou filiado em nenhum partido.

Para terminar, não tem mais nenhuma história que possa contar?
Lembro-me de uma. Quando deixei de jogar à bola fui fazer um jogo de veteranos. Quando cheguei ao campo vi que só tínhamos 10 atletas. Reuni o grupo e disse, vamos entrar a jogar assim, não vamos dizer nada à outra equipa e quando chegar o colega que falta, entra, é tranquilo. O que imaginei? Como tínhamos uma equipa forte, se fossemos dizer que tinhamos menos um eles podiam galvanizar-se. Começamos um bocado retraídos, marcamos um golo, mas sempre com menos um e eles sem darem conta [risos]. Quando chega o colega que faltava, abeira-se da linha e pergunta se tem de sair alguém. Um colega responde: “Não, entra”. E nisto a equipa adversária para toda: "Não. Então? Vão jogar com mais um?” E nós: “Com mais um não, que nós temos estado a jogar com menos um”. E eles: “Está bem está, se com menos um é assim…” Levaram uma tareia [risos]."

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