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domingo, 17 de março de 2019

Sabe quem é? Sem medo de Zamora - Alberto Augusto

"Marcou primeiro golo da selecção, foi primeiro português contratado no Brasil; Benfica emprestou-o, não mais o viu

1. Tendo nascido por Benfica, o jeito para o futebol descobriu-se-lhe no Recreios da Amadora. No Benfica entrou pelas quartas categorias. Aos 19 anos já estava na primeira equipa. Para o Benfica também fora Artur, o irmão - e nessa época de 1917/1918 ambos foram campeões de Lisboa. Decisiva foi vitória por 2-1 com o Sporting - nesse jogo em que ele envolvendo-se em picardia com Boaventura dos Santos foram ambos expulsos (no dérbi nunca tal sucedera).
2. No ano seguinte, o Benfica só não conquistou o primeiro tetra da sua história devido a derrota como Setúbal marcada por lance insólito: Artur, o irmão a quem, como ele, tratavam por Batatinha, marcou penálti - só fez, porém, o golo na recarga e Raul Barros desconhecendo as regras, anulou-o. Ante escaramuça, insistiu na ideia de que a recarga era ilegal - e mantendo o golo anulado, quando o convenceram enfim do erro, mentiu no relatório, escrevendo lá que não o validara por Artur ter tocado com a mão na bola, o que ninguém viu.
3. Quando Cândido de Oliveira fundou o Casa Pia AC, do Benfica debandaram também António Pinho, Clemente Guerra e José António de Almeida - e Artur, o irmão mudou-se para o FC Porto, dizendo-se que se tornara «profissional clandestino», recebendo 1000 escudos ao ano (que equivaleriam nos dias de hoje a menos de 3000 euros). Também o quiseram levar, acabou por ficar no Benfica.
4. Dizia-se que a paixão com que jogava o punha, por vezes, a ferver em pouca água - e ao chegar-se a 1921, no jogo que decidiu o título de Lisboa, em que o Casa Pia ganhou ao Benfica por 2-0, agrediu Jorge Vieira, a estrela do Sporting, que estava a arbitra-lo - e com Vieira incapaz foi John Armour quem apitou os últimos 45 minutos.
5. Quando Augusto Sabbo fez a primeira selecção de Portugal para jogo contra Espanha, convocou-o a ele e ao irmão. Ao saber-se da lista, o Porto entrou em polvorosa, achando que não era equipa de Portugal, era equipa da AF Lisboa (e que Artur só lá estava por ser lisboeta). Quando, no Campo do Atl. Madrid, o árbitro assinalou penálti, Artur, que, quer no Benfica, quer no FC Porto, o fazia, tentou esquivar-se a marcá-lo - por ver na baliza Zamora. Outros, entreolharam-se, displicentes - e ele, ousado, lançou, um clamor: «Deixem que eu bato...»
6. Esse seu remate, na tarde de 18 de Dezembro de 1921, pô-lo ainda mais na história: atirando Zamora para um lado e a bola para o outro - fez o primeiro golo que a selecção de Portugal marcou. Não havia, então, jogador tão versátil como ele, capaz de fazer, em brilho qualquer função no meio campo ou no ataque. (Aliás, não só: indo o Benfica à Catalunha, faltando-lhe guarda-redes, fora ele para a baliza - e as crónicas falaram de si como tendo mostrado «a mestria dos melhores guardiões»).
7. Naquele tempo era normal, clubes pedirem emprestados jogadores para digressões especiais. Foi o que o V. Setúbal fez à partida para o Brasil. Tão fulgurante foi que o América o desafiou a ficar pelo Brasil. Começou por dizer não - mas, quando, a caminho do barco, para o regresso, lhe apareceram com um cheque em branco para ele preencher - disse sim.
8. Quase dois anos andou pelo Brasil (fez, emprestado também, torneios pelo Santos) - e ao voltar, algures por 1925, não regressou ao Benfica: foi para o SC Braga que estava, então, a criar (de forma ainda mais clandestina do que o FC Porto fizera com o irmão) equipa profissional. Jogador-treinador, saltou para o Salgueiros - e em Maio de 1928 esteve, destacado, numa das vitórias mais memoráveis do clube: em Maio de 28 eliminou o FC Porto do Campeonato de Portugal.
9. Ao SC Braga voltou, por Braga espalhou furor fugaz equipa que se chamava Comercial de Braga - e, em 1935 contratou-o o V. Guimarães. Ainda fez por lá o que fizera em quase todos os outros sítios: atletismo. Futebol deixou de jogar à beira dos 40 anos - e passando a treinador apenas não tardou a mostrar também o seu fulgor, sobretudo ao levar o Vitória à final da Taça de Portugal de 1941/1942 (eliminando o Sporting de Peyroteo - e perdendo-a para o Belenenses). E, meses depois, no Campo do Benlheval, por o seu Vitória ter batido por 5-1 o Benfica (de Janos Biri) que, nessa época voltou a ser campeão."

António Simões, in A Bola

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