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terça-feira, 26 de março de 2019

É tão cinzenta a Alemanha...

"Só uma vez o Benfica jogou em Frankfurt. Outubro de 1962. O Eintracht tinha sido campeão três anos antes e atingira a final da Taça dos Campeões. Mas achou que não bastava. Jogou reforçado pelos melhores jogadores dos vizinhos de Offenbach e ganhou (2-0).

No dia 2 de Outubro de 1962, o Benfica estava em Frankfurt. Pela primeira vez, acrescenta-se. E Frankfurt-am-Mein que, na altura, os jornais lusitanos gostavam de chamar de Francoforte-sobre-o-Meno para que não se confundisse com a outra Francoforte-sobre-o-Oder, lá mais para junto da fronteira com a Polónia.
Em Outubro de 1962 o Benfica tinha uma equipa tremenda. De apavorar hipopótamos, como diria o meu querido amigo e mestre Luís Alberto Ferreira. Pudera! Duas vezes campeã da Europa, destrutora dos grandes de Espanha, Real Madrid e Barcelona, rainha de um futebol quase em estado selvagem, de ondas ofensivas de fazerem inveja às da Nazaré, que dizem ser as maiores do mundo, mas eu não tenho grande jeito para medir ondas assim a olho.
'É tão cinzenta a Alemanha...', canta o Pedro Abrunhosa naquela forma de cantar que é mais falar. O Camané ajuda.
Os encarnados andavam numa atafona.
Reparem bem: 21 de Agosto, Copenhaga; 23 de Agosto, Gotemburgo; 28 de Agosto, Malmo; 30 de Agosto, Oslo; 4 de Setembro, Estocolmo; 6 de Setembro, Milão; 9 de Setembro, Corunha; 19 de Setembro, Rio de Janeiro; 24 de Setembro, Manchester; 29 de Setembro, Hamburgo. Irra! Que férias!? Ainda se queixam de que hoje há muitos jogos por época? O Benfica não parava. Era pago a peso de ouro para andar pelo mundo a mostrar as suas estrelas cintilantes.

Inevitável cansaço
Por isso, convenhamos, meus amigos: não se podia exigir que elas cintilassem a cada minuto de cada jogo.
Em Frankfurt, não cintilaram. Ou melhor, Eusébio, que nunca perdia o brilho, apresentou-se baço.
Ah! É mesmo tão cinzenta a Alemanha.
O Eintracht Frankfurt fora campeão alemão três anos antes.
Bom, campeão da República Federal Alemã. Ou Alemanha Ocidental. No ano seguinte atingiu a final da Taça dos Campeões Europeus, apesar de ter sido espezinhado pelo Real Madrid (3-7).
Vamos e venhamos: os seus dirigentes não se sentiram capazes de defrontar o Benfica assim, como direi?, sozinhos. Fizeram um pacto. Introduziram no onze os melhores jogadores do vizinho Kickers Offenbach.
E puseram-se em campo, metidos nas suas tamanquinhas, todos encolhidos fazendo questão de não sofrerem golos de José Augusto, Santana, Torres, Eusébio ou Simões.
Tendo ganho vantagem por Gast, logo aos 4 minutos, conseguiram. Os milhares e milhares de pessoas que se reuniram nessa tarde para ver o enorme Benfica saíram contentes com o resultado mas frustrados com o espectáculo.
Loy, o guarda-redes alemão, teve o seu ponto de glória ao tirar dos pés de José Augusto uma bola que ele levara na ponta da bota, como uma cadelinha amestrada, pelo meio de cinco adversários impotentes e atónitos.
Eusébio rematava, rematava e rematava.
Ouviram-se 'ohs!' de espanto a cada remate. Mas eles teimavam em fraquejar na pontaria.
O cansaço de tantos jogos e tantas viagens e tantas horas de espera em aeroportos pesava demais nas pernas e nas cabeças dos portugueses.
O custo da celebridade costuma ser avultado.
Eliah Hinzel, um jornalista alemão, escreveu: 'No aspecto da exibição, porém, o Benfica deixou boas recordações: mostrou uma facilidade de manobra que só na zona da grande área não se prolongou. E teve alguns momentos de magnífica futebol, em especial a cargo de Simões e de Eusébio. Resumindo, a equipa portuguesa deixou cartaz, provou que sabe jogar, mas ficou a dever ao público de Frankfurt uma exibição em cheio que realmente fizesse história - e isso era o que se esperava dado o espectáculo dias antes dado em Hamburgo'.
Em Hamburgo, o Benfica ganhara de forma fantástica por 4-3 ao Hamburgo.
Em Frankfurt, perdeu 0-2 com essa espécie de selecção da paróquia.
Nunca mais os encarnados voltaram a Frankfurt.
Não tarda estarão a caminho. Para acertarem as contas? Nessa Alemanha tantas vezes cinzentas... Onde a saudade é infinitamente tamanha..."

Afonso de Melo, in O Benfica

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