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segunda-feira, 4 de junho de 2018

“O Shéu tinha quatro dedos e o Álvaro seis. Percebi logo que o Benfica ia ser uma experiência incrível”

"Deixou o vício do álcool, está a preparar uma mudança definitiva para Lisboa e pelo caminho ainda recorda os melhores momentos da carreira. Leia a entrevista do sueco goleador à 4MEN.

Mats, o temível sueco que era alto e nada tosco, marcou uma geração de benfiquistas. Nem todos se lembrarão dos seus feitos durante os cinco anos em que representou o Benfica, entre 1987 e 1992. Marcou 87 golos em 134 jogos – só em 89/90 fez 40 golos –, ganhou dois campeonatos nacionais, uma Supertaça e esteve presente em duas finais da Taça dos Clubes Campeões Europeus perdidas frente ao PSV Eindhoven e ao AC Milan de Rijkaard, Gullit e Van Basten.
Não foram apenas os golos que deixaram o sueco na memória de todos os adeptos portugueses, benfiquistas, portistas, sportinguistas e de muitos outros clubes. A humildade e boa disposição eram contagiantes e são qualidades que se mantiveram, mesmo depois dos últimos anos atribulados do antigo jogador.
No final de 2017 lançou a sua auto-biografia – “Hell and Back” (Ir ao Inferno e voltar, em tradução livre) – onde revelou os problemas com o álcool que enfrentou depois de abandonar o futebol profissional. A partir de 1994, a vida desmoronou-se: perdeu tudo, afastou-se da família e chegou a dormir nas instalações do Högaborg, clube onde trabalhava. E quem não se recorda do célebre regresso à luz para uma partida amigável, onde Mats entrou a cambalear em campo?
“Aquele jogo contra Zidane… é terrível pensar nisso. Foi demasiado. Estava bêbedo no relvado e a primeira coisa que fiz quando entrei foi cair. Foi uma viagem de um fim de semana e eu comecei a beber logo no avião. Não estava muito bêbedo, só um pouco. Lembro-me de cair quando estava a entrar no autocarro que nos levava do avião ao terminal. Fiz uma grande ferida na perna e demorou muito a cicatrizar”, revelou no livro.
A 4MEN ligou directamente para a Suécia para falar com Magnusson que é hoje um homem diferente. Confessa que está reabilitado e que está a planear mudar-se definitivamente para Lisboa. Pelo caminho, recorda alguns dos momentos mais importantes da carreira que aconteceram precisamente no Benfica.

O que ainda guarda consigo dos tempos do Benfica?
Foram cinco anos maravilhosos, tive muito orgulho em representar o Benfica e posso dizer que, hoje em dia, ainda sou 100 por cento benfiquista. Nem imagina as saudades que tenho de Portugal e de viver em Cascais. Tenho o sonho de voltar a Portugal para viver ainda este ano.

Os adeptos ainda se lembram de si?
Uau, é incrível a festa que fazem. Sou muito bem tratado por todos em Portugal e não só por benfiquistas. Os sportinguistas e os portistas que encontro dizem-me: “Olha, o Magnusson. Gostamos muito de ti.”

Porque é que os portugueses gostam tanto de si?
Os benfiquistas porque marquei muitos golos (risos). Os sportinguistas e os portistas porque reconhecem que sempre fui muito humilde, nunca me neguei a falar com as pessoas. Por exemplo no antigo estádio da Luz eu nunca punha o carro na garagem e no fim dos jogos e dos treinos ficava sempre a falar com os adeptos. Tinha uma postura humilde. Nunca me queixava quando não jogava e nunca falava mal de ninguém. Lembro-me que uma vez o Schwarz me disse: “Mats, todos os benfiquistas te amam, é incrível” e eu respondi-lhe que “não são só os benfiquistas, os portistas e os sportinguistas também me amam”. E eu posso dizer que também amo os portugueses.

Curiosamente, marcou vários golos ao Sporting, mas nunca conseguiu fazê-lo frente ao FC Porto. Era difícil ultrapassar os defesas portistas?
É verdade. Não me lembro dos nomes deles, mas os defesas do FC Porto eram muito duros. Gosto dos portistas mas não gosto do FC Porto por causa disso (risos). Por outro lado, adoro o Sporting, porque lhes marquei vários golos.
Publicou há poucos meses a sua autobiografia. Certamente que um ou vários capítulos importantes são dedicados à passagem pelo Benfica?
Claro, algumas das partes mais importantes são sobre o Benfica. Os suecos não tinham a noção do nome que eu tenho em Portugal e ficaram espantados. Agora estou a trabalhar na forma de traduzir a autobiografia para português.

Ainda se lembra do primeiro dia no Benfica?
Lembro-me que segui do aeroporto de Lisboa para Cascais, onde tinha à minha espera o Skovdhal [Ebbe Skovdhal, treinador do Benfica na altura]. Ele deu-me as boas vindas e explicou-me o que pretendia de mim. A minha estreia foi na Luz algumas semanas depois e foi horrível. Perdemos 0-1 com o Marítimo. O Skovdhal mal sabia que umas semanas depois ia ser despedido. Os meus primeiros dias foram de adaptação a uma nova realidade e era o Carlos Manuel quem me dava boleia para os treinos. Lembro-me que o primeiro jogador que vi no balneário foi o Shéu. Fiquei espantado quando ele me cumprimentou porque só tinha quatro dedos numa mão. A segunda pessoa que cumprimentei foi o Álvaro [Magalhães], que tinha seis dedos. Nunca tinha visto ninguém que não tivesse os cinco dedos numa mão e chegado ao Benfica vi logo duas. Percebi imediatamente que a minha experiência no Benfica iria ser incrível (risos).

Que outras memórias tem desses tempos?
Posso contar-lhe o que o Mozer me fez, ele era terrível. Estava sempre em cima de mim nos treinos, tinha entradas muito duras, como se fosse um adversário num jogo. Eu nem dizia nada, tinha medo dele. Um ou dois meses depois de ter chegado ele disse-me “passaste no teste, bem-vindo ao Benfica”.
Qual foi o treinador que mais o marcou no Benfica? O seu compatriota Eriksson?
Não, não, foi o Toni. Bom, primeiro que tudo, não me posso esquecer do Skovdhal, pois foi ele que me foi buscar e se não fosse ele não teria escrito a minha história no Benfica. Mas sem dúvida que foi com o Toni que joguei melhor, ele ensinou-me muito e para além de um grande treinador era uma excelente pessoa. Fora do Benfica, o melhor treinador que tive foi o Roy Hodgson, no Malmö.

Como era jogar no antigo Estádio da Luz perante 120 mil pessoas?
Era incrível. Naquele estádio sentia-se a mística do Benfica e quando estava cheio era muito difícil alguma equipa parar-nos, lembro-me do ambiente das noites grandes europeias, por exemplo nas duas meias finais da Taça dos Campeões, com o Steaua Bucareste e com o Marselha. Para quem não é do Benfica não é fácil de explicar essa mística. É como as pessoas que não têm filhos, só vão perceber como é essa sensação depois de os terem.

Jogou duas finais da antiga Taça dos Clubes Campeões Europeus, que terminaram com duas derrotas, primeiro diante do PSV Eindhoven, em 1987/88 e depois com o AC Milan, em 1989/90. Que recordações tem dessas partidas?
Lembro-me principalmente da final com o PSV. Foi incrível chegar a esse jogo logo no meu ano de estreia no Benfica. E, claro, recordo-me do penálti falhado pelo Veloso, que acabou por ditar a nossa derrota. Ainda hoje quando falamos digo-lhe que não percebo como é que ele marcou tão mal e ele fica furioso comigo, não gosta nada de recordar esse lance. Quanto à final com o AC Milan, foi uma pena não termos ganho, mas eles tinham uma equipa que assustava, com os três holandeses, o Rijkaard, o Gullit e o Van Basten. Nessa altura eu era um dos melhores pontas de lança da Europa e foi pena não ter marcado na final, mas também tive pela frente o Costacurta e o Baresi, uma das melhores duplas de centrais da história do futebol.

No percurso até à final da Taça dos Campeões de 1990/91 houve o célebre golo com a mão do Vata, no jogo das meias finais com o Marselha, na Luz. Viu logo que tinha sido com a mão?
Eu estava ao primeiro poste, tapado por um defesa. Mas o Vata não admitia, disse-nos que tinha sido tudo legal. Como naquela altura não havia tantas câmaras, conseguiu enganar algumas pessoas, mas depois todos vimos que foi com a mão (risos).

Gostaria de voltar ao Benfica?
Penso muito nisso, aliás tenho muitos amigos no Benfica, mas não está nada certo. No entanto, posso dizer que tenho a porta aberta no clube.

Veio festejar o tetra campeonato a Lisboa?
Foi lindo, principalmente a parte em que fui para o Marquês de Pombal festejar com todos os adeptos. Foi uma loucura, com milhares de pessoas nas ruas. Lisboa nessa noite estava vermelha. Também gostei muito de assistir ao jogo da consagração no Estádio da Luz e de estar perto dos jogadores.

O que acha de Jonas, o grande ponta de lança deste Benfica?
É um jogador magnífico, talvez melhor ponta de lança do que eu fui. É muito inteligente e movimenta-se bem na frente, fazendo bons passes para os colegas, isto além de marcar muitos golos, como se pede a um ponta de lança.

Deixou o futebol e foi para a Suécia. O que é que faz actualmente?
Trabalho numa empresa que faz trabalhos de ventilação. Acho que vou continuar nesse trabalho até ir para Portugal.

E entretanto, foi pai aos 49 anos.
Sim, algumas pessoas quando me vêem com o meu filho Waldenice, que tem 5 anos, pensam que eu sou o avô. Foi um milagre, porque os médicos tinham dito à minha mulher que ela não podia ter filhos. Estou numa fase muito boa da minha vida. "

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