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domingo, 25 de março de 2018

Por culpa de Cruijff nunca iremos chegar demasiado tarde ou cedo de mais

"Houve um mar imenso, encrespado, de jogadores banais. Não há nada de mal nisso. Se não fossem esses não haveria os outros. Não jogam sozinhos, é assim tão simples.
Admirámos uns quantos lendários, entre os quais Maradona, Pelé, Eusébio, Ronaldo-Fenómeno, Van Basten, Zizou, Platini e Di Stéfano.
E outros que ainda estão a caminho da lenda, apesar de ser certo que lá cheguem sem muito mais esforço, como Messi e Cristiano.
Houve um oceano, um dos maiores, de grandes jogadores que fracassaram a mandar a partir do banco.
Alguns, sim, poucos, atingiram patamares semelhantes àqueles a que subiram com a bola colada ao pé, como Kaiser Beckenbauer.
É verdade que grandes treinadores têm o mérito de fazer parte do mapa das estrelas, depois de abandonada a condição humana de futebolista fracassado lá em baixo na Terra. Mourinho, Brian Clough, Ferguson e Capello, todos bons exemplos.
Outros tornaram-se técnicos-filósofos, e aí teremos sempre o velho Bielsa. Sentado numa geleira, a olhar de queixo apoiado na mão fechada para o centro do relvado.
Claro que Guardiola está no nosso coração como revolucionário-experimentalista. E houve quem pregasse uma nova doutrina ao longo dos tempos. O catenaccio de Helenio Herrera, o pressing alto de Sacchi, il albero (a árvore) de Ancelotti ou o totalvoetbal de Michels.
Houve jogadores de talento que não quiseram ganhar raízes no banco, e ficaram-se pela oratória e retórica. Valdano escreveu livros. Doutor Sócrates foi um futebolista de intervenção, mesmo depois de deixar a carreira.
Antes de todos eles e no meio de todos deles está Cruijff. Filósofo, revolucionário, experimentalista, grande treinador, enorme jogador. Foi completo. O maior de todos, sem ter sido maior do que cada um deles.
Deixou-nos a finta, que a minha geração viu João Vieira Pinto perpetuar nos relvados portugueses. O penálti de dois pais, que não era dele, mas que tornou famoso e vive ainda nos dias de hoje. Recordamos um golo impossível, de ginasta, todo no ar, de perna esticada, frente ao Atleti. A arrancada fatal na abertura da final de um Campeonato do Mundo, com Vogts a ter de ir-lhe às pernas, sem misericórdia.
Como treinador, um Dream Team, com Koeman, Guardiola, Bakero, Michael Laudrup, Stoichkov e Romário. Como ideólogo, tanto mais. É a alma do Barcelona do passado, presente e futuro, cravada mais profunda do que o próprio tiki-taka.
Foi Barça de Rijkaard, Barça de Guardiola. E, por consequência, é dele a Espanha campeã do mundo e da Europa. Está na génese de um Bayern que deixou de ser só espírito de luta e que se quer avassalador, mas que ainda o tem como Yin e Yang, mentor e inimigo, porque deverá ser o Barça o seu maior rival na Champions. Está na Mannschaft alemã, campeã do mundo.
É respirado em todos os corredores do Ajax. do futebol holandês. Vive no Arsenal de Wenger. Nas ideias de Bielsa. De Hiddink. Também de Klopp. Já viveu, pasme-se, nas de Van Gaal. No Milan de Sacchi, já aqui falámos dele.
Cruijff não precisou de ser o melhor jogador ou o melhor treinador, embora tenha andado sempre no topo, para ser o futebol himself. O senhor futebol.
Arte. Poesia. Ataque. Cultura. Procura de espaços. Posse. Velocidade. O melhor do jogo. É arte, mas com vitória. Uma não existia sem a outra. Não fazia sentido.
Como disse Vic Buckingham, foi uma bênção para o futebol. Um Pitágoras com botas, escreveu David Miller.
- Don't run so much, Football is a game you play with your brains!
Não seremos mais felizes sem ele, mas nunca esqueceremos o seu legado. É verdade que ele podia ter-vos explicado melhor, mas não era para que entendessem de imediato.
- If you're not there, you're either too early or too late.
Na verdade, Cruijff não morreu. Resolveu a equação, viu antes que a porta abria para fora. Tornou-se eterno. E já não temos por que chegar demasiado tarde ou demasiado cedo. Ele estará sempre lá, no grande círculo, com um chupa-chupa no canto da boca. Até sempre, Johan."

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