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terça-feira, 29 de agosto de 2017

Em Agosto, Caracas e o Benfica trota-mundos

"A Venezuela está na ordem do dia. O Benfica foi lá. Por mais do que uma vez. Em Agosto de 1965, chegou a estar planeado um rapto de Eusébio.

Caracas está a ferro e fogo. E eu lembrei-me do Benfica em Caracas. Benfica trota-mundos; Eusébio trota-mundos. Por todos os lugares do Planeta onde houvesse um pobre diabo que gostasse de futebol, sabiam soletrar a palavra Eusébio. Fosse lá com que sotaque fosse.
É evidente, tão evidente, que nem precisaria de o dizer, que não garanto quantos destes jogos fez Eusébio. Muitos, é certo, a grande maioria, porque os cachets com Eusébio eram uns e sem Eusébio eram outros. E aqueles célebres jogos em Buenos Aires, contra o Boca Juniors e contra o River Plate, foram um verdadeiro assassínio friamente planeado contra um jogador que acabara de sair, mais uma vez, da mesa de operações.
Da Indonésia à Colômbia, de Hong Kong ao Equador, do Japão ao Peru...
E os Estados Unidos e África e o Brasil continuamente repetidos nos seus roteiros.
Eusébio viu o mundo, e o mundo pôde ver Eusébio.
Não esteve na Austrália por muito pouco, porque o Benfica partiu para uma digressão à Oceânia no preciso momento em que Eusébio negociava a sua partida para o futebol americano...
Como aconteceu com o Santos, as digressões infinitas do Benfica, muitas delas a prolongarem-se por todo o mês de Agosto - e os encarnados chegaram ao cúmulo de ter uma equipa a disputar torneios em Itália e em Espanha e outra nas Américas -, provocaram uma erosão física incontrolável, destruíram as bases atléticas da equipa, e isso teve custos altíssimos nas suas participações nas provas europeias. Enquanto ia servindo para ganhar campeonatos às pazadas em Portugal, o Benfica já não tinha fulgor para vencer Taças da Europa. E Eusébio, obrigado a jogar tantas e tantas vezes na equipa da Novacaína, condenava-se a um final de carreira bem mais precoce do que merecia o seu talento.
Mas esta é a verdade: o mundo viu Eusébio...
Uma vez, em Caracas, os treinos do Benfica no Estádio Universitário tiveram de ser interrompidos por duas vezes. Cercados por forças de segurança, os jogadores encarnados ouviram os tiros à distância e souberam que havia ameaças concretas de que se preparava o rapto de Eusébio.
Em 1965, Caracas e a Venezuela viviam os tempos do terror... 'A Lei da Imigração' provoca um súbito crescimento populacional nas cidades e a eclosão de focos de violência urbana.
Em Caracas, em 1965, Eusébio marca golos perante a ameaça das espingardas.
Eusébio faz uma posse de artista de cinema; tem as mãos nos bolsos das calças, usa um fato claro, uma camisa branca, uma gravata escura, fininha; na cabeça, um chapéu branco, de aba larga, meio à banda. Data: 21 de Julho de 1965. Local: Aeroporto Internacional da Portela, em Lisboa. «Eusébio 'Cowboy' - À sua chegada a Lisboa, após digressão por terras da América do Sul, os jogadores do Benfica fizeram sensação com os seus chapéus de vaqueiros. Nessa imagem vemos Eusébio, num estilo descontraído a que o espectacular chapéu empresta sugestões de 'cowboy' de Hollywood. Faltam-lhe as pistolas... mas 'tiro' tem ele!»
Em Caracas, em 1965, os venezuelanos voltavam a teimar nas comparações entre Eusébio e Pelé.
- Mas porquê?, perguntava Eusébio.
 - Porque insistem em querer compara-nos? Eusébio é Eusébio; Pelé é Pelé. Somos duas pessoas  diferentes, distintas. Porque hei-de ser eu o Pelé da Europa e não há-de ser ele o Eusébio das Américas?
E ia por aí fora, como se tivesse a bola colada aos pés e adversários para ir tirando da frente da baliza."

Afonso de Melo, in O Benfica

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