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terça-feira, 18 de outubro de 2016

A flecha negra

"Era uma questão de estilo: a leveza em vez da força, a velocidade no desarme, na antecipação. Samuel era diferente. Sobreviveu no tempo dos grandes centrais do Benfica.

Franzino, quase frágil, parecia inapropriado para a função de central. Chegou ao Benfica em 1983, ano de vitórias e de inflamação clubista levada a cabo por um sueco que tinha a alcunha de «Periquito»: Sven-Goran Eriksson. Era uma criança ainda. Nasceu na Guiné, em Bissau, no dia 3 de Março de 1966. Jogou logo no Benfica. No Benfica de Bissau, entenda-se. Era como se o destino lhe marcasse a infância.
Curioso que tenha sido indicado aos encarnados por Cavungi, uma daquelas promessas que ficaram por cumprir, tanta era a necessidade de se encontrar um novo Eusébio, desse lá por onde desse. Cavungi foi, portanto, uma espécie de padrinho de Sanuel. Pal Csernai, um dos treinadores, mais mal-amados da Luz, é o responsável pela sua estreia na equipa principal Samuel está lá, com o seu estilo rápido, com o seu futebol fino, com a figura magrinha que não parece coadunar-se com o futebol de combate que se exige a um central. Mas impõe-se. Há Humberto Coelho, António Bastos Lopes, Oliveira... Mas mesmo assim, o menino da Guiné arranja lugar. Marca um golo até: estranho golo, esse. No Estádio 1.º de Maio, em Braga, contra o Sporting de Braga. A bola cai à entrada da área sobrando de uma refrega própria de um canto. Samuel devolve-a para a grande área, de cabeça, mas ela acaba por sobrevoar o guarda-redes contrário e entrar na baliza. Resultado 2-2.
Com John Mortimore, o inglês sisudo e narigudo que raramente sorria, Samuel foi titular. Formava dupla com Oliveira. Era a flecha negra da defesa encarnada foi internacional por Portugal, mantinhaou-se no topo até que as lesões começaram a massacrá-lo. Viveu um calvário. A fragilidade física que entrava pelos olhos dentro tornou-se um facto indesmentível. A concorrência tornou-se dura: Mozer, Dito.
O regresso de Eriksson
Sven-Goran Eriksson voltou ao Benfica, e o sueco gostava de Samuel. Recuperou-o. Tornou-se polivalente, também jogava do lado direito ou do lado esquerdo da defesa. Foi precisamente nesse posto que jogou a final da Taça dos Campeões frente ao AC Milan. Eriksson preparou-se afincadamente para esse confronto, testando-o várias vezes na posição antes da final. O Benfica perde. Samuel não será campeão europeu.
Fino, concentrado, mestre da antecipação.Samuel tinha um estilo diferente e essa diferença notava-se na sua forma de correr, de tocar a bola com simplicidade, no passe correcto e sem arrebiques. O Benfica continuava a contratar centrais fantásticos. Veio Ricardo Gomes, veio Aldair. E Samuel lutava por um lugar que sentia poder ser seu. Mas é emprestado ao Boavista onde faz uma época brilhante. Regressa à Luz mas já não tem espaço nas escolhas de Ivic, por muito pouco que Tomislav fique no comando dos encarnados. Na época de 1992/93 vai para Guimarães. É o adeus definitivo. Dez anos depois.
Samuel António da Silva Tavares Quina: assim, por extenso. Para todos, apenas Samuel. Foi três vezes Campeão pelo Benfica, venceu quatro Taças de Portugal. Corria pelo campo como uma flecha negra. Franzino, quase frágil. Um menino calado, metido consigo mesmo. Sem euforias, sem excessos. Uma calma olímpica na forma como ensaiava os desarmes, como impunha a leveza em vez da força física. Perdeu muito em lesões, em momentos infelizes e injustos. Mas deixou o seu nome. A gente escreve-o e todos recordam: simplesmente Samuel."

Afonso de Melo, in O Benfica

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