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quarta-feira, 13 de abril de 2016

As armas de um enorme guarda-redes

"Já lá vai tempo em que o guarda-redes era o homem que comandava, coordenava e orientava toda a manobra defensiva dos exércitos que representava. Hoje, mais do que isso, tem responsabilidades na organização, na cadência, no ritmo e na forma como o colectivo se balanceia para o ataque. Antes, a função só lhe exercitava o corpo, hoje é posto à prova na inteligência, na visão e em decisões pelas quais passam algumas das bases ideológicas do treinador: jogar curto ou longo; com os pés ou com as mãos; com saídas laterais ou frontais; introduzindo pausa ou aceleração. Ederson tem soluções tácticas impressionantes, desde logo a potência e precisão do remate com o pé esquerdo, que permite à equipa acomodar-se do outro lado do campo no momento da reposição da bola em jogo. E isso de preocupar o adversário de cada vez que executa um pontapé de baliza tem muito que se diga.
Quem havia de dizer, há um mês, que o miúdo oriundo do Rio Ave havia de actuar em Alvalade e Munique como se estivesse a jogar na rua dele e relativizar a ausência de Júlio César? Ederson já digeriu quase todo o veneno da juventude; moderou os ímpetos de uma presença excessiva e chamou a si os valores de lucidez, visão e sobriedade; não revela qualquer gosto pelo adorno e pelo protagonismo nocivo, antes alicerça todo o comportamento com primoroso sentido de eficácia e antecipação dos acontecimentos, razão pela qual não vive na dependência de milagres. E não se deixa seduzir pelas aventuras próprias da idade: prefere orientar-se pela serenidade absoluta de quem governa a sua zona por terra e ar, como se tivesse nascido debaixo de uma baliza. Outro dos seus segredos é transformar em virtudes os aparentes defeitos: é alto, pesado e parece indolente? A isso responde com reflexos felinos e agilidade surpreendente.
Contra o senso comum das previsões, afastou logo as angústias próprias do momento. Simplesmente entregou-se à tarefa que o esperava e declarou independência em relação às eventuais interferências vindas de fora - as dúvidas, os assobios, os medos, as recriminações... Abandonou a posição confortável como suplente de um mito sem fim à vista (apesar dos 35 anos do Imperador) e diminuiu o tempo que dera a si próprio para preparar a afirmação. Teve então um acordar violento, pressionado por defender a baliza da águia na véspera do dérbi em Alvalade. Ederson foi perfeito no primeiro impacto, sabendo que, a partir do momento em que entrasse em acção, de nada lhe valia a juventude, ser bandeira de esperança e a promessa de um futuro glorioso. Os adeptos, por mais condescendentes, não vão ao estádio para saber o percurso ou perguntar a idade dos jogadores; exigem apenas que sejam competentes e contribuam para a felicidade colectiva.
Ederson revelou qualidades superlativas até chegar ao Benfica. O que tem feito, em tão pouco tempo, como guardião de um dos templos mais sagrados do futebol português e europeu permite-lhe dar resposta ao conceito mais nobre da função que desempenha: ser guarda-redes de grande equipa, esse factor que distingue os bons dos melhores, os extravagantes dos fenómenos que entram na história do futebol. Não é normal, aos 22 anos, ser posto à prova sem aviso prévio e dar resposta tão brilhante e inequívoca; poucos são os jovens que trocam o conforto do banco pelo inferno da baliza e agem com a sabedoria, a tranquilidade, o estofo e a segurança de um veterano. Ederson confirmou talento face às exigências que, de uma hora para a outra, pesaram sobre os seus ombros. Não é para todos essa capacidade isoladora do exterior (adeptos, treinador, companheiros e imprensa) e ser igual a si próprio, num processo que também o consolida como homem preparado para qualquer eventualidade. E isso também o credibiliza como enorme guarda-redes."

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