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terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Chegaram a chamar-lhe «Campo dos Bravos»

"O Seixal é, hoje, também uma casa do Benfica. Mas, por duas vezes, aí foi jogar como visitante para o Campeonato - duas vitórias. E, na segunda, havia na baliza seixalense um rapaz chamado José Henrique que sofreu dois golos de Eusébio.

Gosto do Seixal: é uma terra bonita cheia de Tejo. Gosto do velho Seixal Futebol Clube e do estádio do Bravo onde vi tantos jogos e no qual joguei tantas vezes. É pena que o Seixal tenha deixado de surgir nos fins-de-semana da gente, desaparecido nas divisões que não merecem mais do que páginas confusas nos fundos dos jornais desportivos.
O Seixal passou, de há uns anos a esta parte, a ser outra das casas do Benfica. Ou melhor, a casa do Benfica fora da Luz. O estádio do Bravo foi comprado à autarquia e servirá, no futuro, segundo tudo indica, para a disputa dos jogos do Benfica B.
E era aqui que eu queria chegar.
Às vezes em que o Benfica visitou o estádio do Bravo, como forasteiro, que não foram tantas quanto isso, bem pelo contrário, apenas duas.
Uma vez escrevi nestas páginas um artigo sobre um famoso 10-0 aplicado ao Seixal no estádio da Luz.
Pois, desta vez atravessamos o rio.
O Seixal Futebol Clube só esteve na I Divisão em duas épocas, por sinal consecutivas - 1963/64 e 1964/65.
É sobre elas que vamos falar.
Na sua primeira aventura na divisão principal coube aos seixalenses receberem o Benfica. Campeão Nacional e finalista vencido da Taça dos Campeões (1-2 com o Milan), logo à terceira jornada, no dia 4 de Novembro de 1963. Avance-se de imediato para o resultado, que este texto não exige suspense à moda de Hitchcock: 3-2 para o Benfica. Assim mesmo, apertadinho, de aflitos, num jogo disputado palmo a palmo como não se previa, ainda por cima porque antes dos 20 minutos já os 'encarnados' tinham arrancado um avanço confortável de 2-0, golos de Serafim e Yaúca, praticando um futebol escorreito e límpido como os olhos de Elizabeth Taylor. Simões, Yaúca, José Augusto e Santana lances de entendimento perfeito e tudo parecia tão definitivamente encaminhado que a goleada já pairava na mente dos espectadores encantados.
Ah! Mas havia bravos no estádio do Bravo. Do outro lado da barricada, a revolta. Serra Coelho tornou-se imenso, Carvalho comandava o grupo, Caldeira tocou a reunir com um pontapé tremendo que levou a bola à barra da baliza de Costa Pereira. Ai daqueles que se julgam vencedores antes do final das suas batalhas! O golo de Necas alimentou a valentia dos adversários do Benfica. Todos acreditavam no impossível e ele estava aí, à beira de acontecer. Aos 42 minutos, Carvalho faz o empate, e há quem não queira acreditar no que os seus olhos vêem. Será este Seixal, pela primeira vez chegado das cavernas das divisões secundárias, capaz de vencer o poderosíssimo Benfica do qual toda a Europa tem medo? Há no entanto menos euforia seixalense entanto menos euforia seixalense no segundo tempo. Todo aquele esforço de reagir à adversidade teve um preço elevado. Os jogadores demonstram menos frescura, submetem-se mais facilmente ao jogo de passes rasteiros do Benfica, trocando a bola de pé para pé. É tempo para os encarnados terem paciência. A classe superior dos seus jogadores acabará por fazer a diferença, desde que não se deixem desorganizar como o fizeram na primeira parte. E assim traçam o destino deste jogo inédito até então: é Yaúca que, ao minuto 72, garante a vitória. Do jogo da segunda volta já falámos aqui, em tempos que lá vão - terminou 10-0.

E José Henrique ainda fez o que pôde
Na época seguinte, o estádio do Bravo recebeu o Benfica à 12.ª jornada, no dia 3 de Janeiro de 1965. A vitória foi mais fácil, 4-0, mas a exibição não mereceu grandes elogios da imprensa da época, criticando o excesso de individualismo de muitos dos jogadores. Enfim, com um resultado assim seria para o lado em que dormiriam melhor, ainda por cima porque José Augusto abriu a contagem logo aos 20 segundos e mais depressa do que isso seria quase impossível. Aceitou-se, aí, como verdade insofismável que o triunfo 'encarnado' era um caso arrumado. E foi, ao contrário do que sucedera na sua última visita, e apesar de não ter voltado a fazer o 'gosto ao pé' até ao intervalo, o Benfica não passou por aflições. É bem verdade que houve valentia seixalense, mas longe de ser suficiente para criar incómodos no opositor. José Henrique, na baliza, foi fazendo o que pôde, e sabe-se que podia muito, viria a prová-lo durante anos a fio nas balizas do seu adversário desse dia. Aniceto e Jeremias procuravam dinamizar os companheiros, mas a classe de Eusébio, Torres, Coluna e Simões era tão tão tão clara, tão tão tão nítida, que o resultado se foi avolumando sem discussão - Eusébio marcaria dois golos (55m de penalty e 68m) e José Torres um (80m). O Benfica dava mais uma passada para um novo título de campeão nacional, o Seixal despencava irremediavelmente para a II Divisão e nunca mais voltaria a pôr os pés na primeira. Quanto ao resultado da segunda volta, na Luz, foi de luxo: 11-3. Merece, só pelo volume, uma crónica. Não tardará.
Saudades desse estádio do Bravo, nesse tempo ainda pelado, agora uma das novas casas do Benfica. Malhas que o tempo tece..."

Afonso de Melo, in O Benfica

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