Últimas indefectivações

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Esta fotografia fez-me ganhar o dia

"Antes de mais, leitor, convido-o a olhar devagarinho para esta fotografia que aqui publico. Não tenha pressa, a foto merece ser saboreada lentamente. Com toda a calma do mundo.
Pela legenda dá para perceber duas coisas: foi tirada no norte de Portugal e em 1992.
Não me custa, porém, acreditar que aqueles miúdos jogam à bola num dia de chuva no descampado ao lado da escola, do lado direito de quem entra.
O muro com a rede delimita uma parte do campo e tão longe como a imaginação deles conseguir chegar fica a linha que delimita a parte oposta.
As linhas pouco importam, portanto.
Há quatro pedras a marcar as balizas e o resto é espaço para correr.
Ao lado está a escola caiada de branco, com janelas em madeira e portões de ferro nas extremidades, que dão acesso a um pequeno átrio com chão em tijolo por onde se passa para entrar na sala de aula. 
Lá dentro o chão é em madeira antiga, tem um estrado encostado à parede e um quadro de ardósia enorme destaca-se por detrás da secretária da professora.
Da janela em madeira e com vidros quadrados veem o sol, a chuva e aquele campo, que é como casa deles: o sítio onde querem estar quando não os obrigam a estar noutro sítio.
Naquele pedaço de terra batida, irregular e enlameado, não há magoas nem invejas, não há preocupações nem cansaços, não há ansiedades nem irritação.
Tudo é alegria pura.
Não há necessidade de ser melhor do que ninguém, não há medo de errar, não há receio de defraudar quem quer que seja. Não há obrigações, não há responsabilidades, não há vergonhas ou embaraços. Não há desânimos nem vulnerabilidades.
Naquele campo o coração fica cheio e até o peito começa a cantar.
De amor.
Ali nada é pela medida do possível, é tudo desmedido: a chama, o entusiasmo, a aventura, a ousadia, o encantamento, até a impetuosidade. Naquele terreno, como naquela fotografia, há uma carga de paixão que entulha a alma daqueles miúdos e os faz correr.
Porque isso é tudo o que interessa: correr atrás da bola, chutá-la, fazer um golo e sair a correr com um braço no ar, como os jogadores a sério fazem sempre que marcam na televisão.
Os colegas não perderão tempo a abraçá-lo, rapidamente continuarão a jogar, mas aquele momento vivido praticamente sozinho vai valer pelo dia todo.
Não há chuva, não há lama, não há poças de água nem castigos da mãe que censurem aqueles momentos de contentamento. A alegria que significa correr atrás da bola e chutá-la com toda a valentia, toda a energia e todo o sentimento do mundo compensam tudo: a molha, o frio e o castigo. 
No fim do dia, quando aqueles miúdos se deitarem na cama, vão ter a alma cheia e a cabeça a fervilhar com sonhos de novas correrias, novos remates, novas alegrias.
Esta fotografia diz-me tudo isto, mas diz-me mais. Diz-me que no início todos nós começámos a amar o futebol por aquilo que é essencial nele.
Porque nos enche de felicidade."

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