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terça-feira, 15 de outubro de 2019

E a Pantera Negra gelava ao frio da montanha

"No dia 18 de Dezembro de 1960, Eusébio, acabado de chegar ao calor de Lourenço Marques, acompanhou a equipa do Benfica, mesmo sem estar autorizado a jogar. Béla Guttmann queria que ele se fosse habituando à equipa. 'Nunca pensei que pudesse haver temperaturas tão baixas', contou-me uma vez

Benfica e Sporting da Covilhã voltarão, finalmente, a reencontrar-se. Já houve muitos jogos importantes entre os dois.
Até uma final da Taça de Portugal, favorável aos encarnados por 3-1.
E uma derrota de terríveis consequências, lá na Covilhã, que custaria um campeonato.
Posso lembrar-me de vários desafios, mas primeiro veio-me um à memória.
Eusébio tinha chegado há pouco a Lisboa.
Uma vez na Tia Matilde, do grande Ti' Emílio, queixou-se: 'Sabes lá. Nunca tinha sentido tanto frio na minha vida. Nem queria acreditar. Pensei que estava metido em grandes sarilhos se todos os jogos em Portugal fossem assim. Que não iria aguentar'.
E nem jogou.
Eusébio viera há tão pouco do calor de Lourenço Marques. Estava frio em Lisboa, mas viu-se metido num frio ainda maior. Béla Guttmann quis que o jovem recém-chegado acompanhasse a equipa na deslocação do Benfica para a 12.ª jornada do campeonato nacional, e Eusébio foi com os outros jogadores até à Covilhã. Pela primeira vez entrou no Portugal profundo e, como ele próprio conta, sentiu-se a morrer de frio.
Aí viu os seus companheiros derrotarem o Sporting da Covilhã na Estádio Santos Pinto (3-1), com golos de Águas (2) e Santana, para o Benfica, e Martinho, para o Sporting da Covilhã. Era o dia 18 de Dezembro de 1960, e Eusébio, por via das complicações burocráticas que se seguiram, só voltaria a acompanhar a equipa, mesmo sem poder ainda jogar, em Março do ano seguinte, a Évora e à Dinamarca, para defrontar o Aahrus.

O Covilhã outra vez
Os meses foram passando. Tão, tão devagar para Eusébio. Tão, tão depressa para o Benfica metido naquela azáfama da Taça dos Campeões Europeus.
De repente, ponto final nos processo, nos acórdãos, nos recursos, nos comunicados, nas exposições, nas interrupções. A transferência de Eusébio do Sporting de Lourenço Marques para o Benfica demoraria precisamente um ano a resolver-se.
Era um Maio quente, em Lisboa. O termómetro mostrava o mercúrio bem acima dos 30ºC. Eusébio não terá, no entanto, deixado de sentir o alívio próprio de uma brisa fresca. O acordo entre o Benfica e o Sporting de Lourenço Marques, definido pelo dr. Martins da Cruz e pelo dr. Campos Figueira, em representação dos clubes, era claro: através do Banco Nacional Ultramarino, o Benfica remetia à Direcção do Sporting de Lourenço Marques a quantia de 400.000$00, o clube moçambicano enviava por via aérea para Lisboa a carta de desobrigação do jogador. Datava de 10 de Maio.
Dois dias bastaram: a transferência bancária concluiu-se na quinta-feira, dia 11 de Maio; a carta de desobrigação de Eusébio chegou no sábado, dia 13.
Apesar de todos os esforços, Eusébio não jogaria a final de Berna, contra o Barcelona. Determinava a UEFA que, para poder representar um clube num encontro da Taça dos Campeões, um jogador deveria estar inscrito por esse clube num prazo de três meses antes da data de realização do encontro.
O Benfica - Barcelona seria no dia 31 de Maio.
A burocracia do 'caso Eusébio' entrava no seu estertor de morte. Cabia ao Benfica enviar ao jogador para a Federação Portuguesa de Futebol, que, através da Associação de Futebol de Lisboa, autorizaria a sua inscrição. 72 horas depois, já Eusébio poderia vestir a camisola encarnada.
E eis que o Sporting da Covilhã volta à vida de Eusébio.
José Augusto abre os braços desconsolado; está só de calções, descalço e em tronco nu nas escadas que levam ao balneário do Estádio da Luz. Não se sente bem naquela figura. Data 14 de Maio de 1961.
Germano e Neto, também em tronco nu, estão em primeiro plano. Correm sorridentes. Em segundo plano uma multidão avança das bancadas do Estádio da Luz para o relvado. Parece uma onda ameaçadora.
Benfica 8 - 0 Sporting de Covilhã.
Golos de Águas (2), José Augusto (3), Santana (2) e Coluna. Benfica campeão nacional da época 1960-61. Faltava uma jornada para terminar o campeonato.
Eusébio assiste ao jogo na bancada, na companhia de outros colegas. Este título não é seu, mas a alegria está-lhe estampada no rosto, como está estampada no rosto das pessoas que se espalham pelo átrio de entrada do estádio, à porta das cabinas, junto ao autocarro do clube. A sua apresentação ao público já tem data: dia 23 de Maio, num jogo frente ao Atlético inserido no Festival de Despedida Rumo a Berna.
Eusébio já esqueceu o frio terrível que sofrera na serra.
Um mundo de sol abre-se na sua frente..."

Afonso de Melo, in O Benfica

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